A cultura e as artes não estariam superestimadas?

Uma pesquisa mostrou que mais da metade dos paulistas não têm interesse algum em consumir cultura. Afinal de contas, num mundo onde o básico anda tão caro, qual é a real importância das manifestações artísticas?



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Uma pesquisa recente do Datafolha e da FGV constatou algo até então impensável para os valentes defensores da arte e da cultura. Realizada em São Paulo, conhecido como o estado e capital que mais consomem cultura no Brasil, a pesquisa mostrou que metade dos entrevistados não vai ao cinema, museu, show e teatro. O pior de tudo é a razão que deram: "não me interesso/não gosto/não me sinto bem fazendo". Para deixar tudo ainda mais estranho, os desinteressados em cultura alegaram que "gostariam de gostar de cultura".

Antes de mandar prender estes entrevistados e bradar aos sete ventos que "quem não gosta de arte, bom sujeito não é", que tal fazermos uma pergunta não habitual: afinal de contas, a arte e a cultura são assim tão importantes para a vida humana?

Vamos pensar nos itens que têm impacto direto na sociedade. Primeiro, o aquecimento global e a destruição dos recursos naturais. Se a cultura e a arte não fossem assim tão superestimadas, o planeta não seria mais saudável? Afinal, hoje em dia arte e cultura são produtos de consumo, por meio de filmes, peças de teatro, CDs, livros etc. Tudo isso consome uma baita fatia da saúde do planeta.

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Outro quesito: alimentação. Porque, no frigir dos ovos, o que importa mesmo é ter o que comer todos os dias, certo? Pois a cultura não seria danoso ao equilíbrio alimentar, dizimando baleias, salmões e ovas de peixes no mundo todo em prol de iguarias apreciadas por razões culturais, bem como estimulando técnicas de tortura animal em prol do "bom" foie gras?

Um último quesito básico: dinheiro. Num mundo onde a escola dos filhos, os carros, o aluguel (quem dirá a casa própria) andam cada vez mais caros para serem adquiridos, não seria insensato gastar recursos num DVD, numa peça caríssima importada da Broadway direto para o Teatro Abril, ou numa sessão em 3D que não sai por menos de R$ 25?

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Os itens acima parecem mais provocações numa sociedade onde há uma pressão diária por ser culto, por devorar cultura e arte a todo momento. Mas a resposta da pesquisa mostra não só sinceridade dos entrevistados como também um certo choque de valores. No entanto, para que ninguém saia me chamando de porta-voz da anti-cultura e da anti-arte, digo que, sim, dinheiro, alimentação e equilíbrio ambiental continuarão sendo (ou deveriam ser) as prioridades de qualquer ser humano. Mas reverter este quadro de desinteresse por cultura e arte é urgente, pois pode inclusive prejudicar a mais básica sobrevivência de uma determinada sociedade.

Não se trata de consumir qualquer cultura ou qualquer manifestação artística. Diante de tanto lixo televisivo, cinematográfico e teatral, acho até razoável se as pessoas poupassem em vez de consumir Big Brother Brasil na TV, Crepúsculo no cinema e na literatura ou Mama Mia no teatro. Acho infame quem diz ser melhor consumir alguma cultura do que não consumir nada.

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O que é preciso é reverter esse desinteresse nacional pela boa manifestação artística, aquela que reforça nossos laços culturais, promove o enriquecimento pessoal, filosófico e, acima de tudo, preserva a identidade de uma sociedade. Tenho sérios problemas com quem gasta dias lendo best-sellers enlatados dos Estados Unidos e nunca leu um parágrafo dos escritores de seu próprio país. Isso gera idiotices do tipo "brasileiro não escreve bem" ou "o cinema brasileiro é mal feito e pura baixaria". E o que dizer então de peças como A Bela e a Fera e Hairspray, que mais parecem espetáculos cinematográficos norte-americanos ao vivo, dificilmente surpreendendo o público em termos criativos. Sim, porque há uma diferença enorme entre uma peça bem escrita e atuada, que reflete e discute questões próximas do público presente, de um enlatado apenas visualmente atrativo vindo de fora.

Não é triste que mais de 50% dos entrevistados da pesquisa tenham dito não ter interesse algum por bens culturais. Triste seria descobrir a porcentagem daqueles que dizem desinteressados pelas manifestações artísticas que valem a pena, que instigam o pensar, o crescer, o evoluir. "Ah, mas isso não é entretenimento, é chato", já me disseram alguns colegas desavisados, como se Dom Casmurro (Machado de Assis), Central do Brasil (Walter Salles), a Bossa Nova de Vinícius e Tom Jobim não fossem excelentes diversões. É preciso criar hábito e querer gostar da boa cultura, claro. Pois ela exige um certo esforço, não satisfaz de graça como um reality show. Mas uma vez experimentada, o Big Brother Brasil se torna então o programa mais enfadonho do mundo.

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Por fim, não brado aqui a favor de instituições culturais como o Cine Belas Artes, que fechou as portas recentemente em São Paulo. Mais importante do que preservar um conjunto de salas de cinema com décadas de história é permitir que outros Belas Artes apareçam no Brasil para manter nas telas uma programação riquíssima de cinema de arte-entretenimento. Todas as instituições culturais podem morrer, desde que as manifestações artísticas nelas fomentadas sobrevivam. Na minha cidade, na sua cidade, ou em qualquer canto do mundo. Afinal, a boa cultura é uma iguaria geralmente barata, divertida e pouquíssimo danosa ao mundo e aos outros. Esta, sim, deve ser superestimada.

Franthiesco Ballerini é jornalista e, atualmente, professor e coordenador da Academia Internacional de Cinema. Mantém o site franthiescoballerini.com

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