A aurora de um dragão

Depois de escrever a biografia de Tim Maia, o jornalista Nelson Motta lana livro que fala da juventude do vulcnico cineasta Glauber Rocha e conversa com o Braslia 247



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Lúcio Flávio_especial para o Brasília 247 - A voz potente, quase de um Deus onisciente daquelas produções bíblicas de Cecil B. DeMille, sempre sobressaía diante do alarido agitado da redação do Jornal da Bahia, naqueles idos dos anos 50:

- É do Nina? Tem alguém morto aí, meu filho?

Quem perguntava, esbravejando, do outro lado da linha, já familiarizado com os funcionários do necrotério Nina Rodrigues, era o jovem Glauber Rocha, então, o mais novo repórter da editoria de polícia do diário, contratado por indicação do amigo João Ubaldo Ribeiro, já há dois meses na casa.

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- Vamos humanizar essa página policial, Ubaldo!, avisou o agitado amigo, logo quando chegou.

A história, hilária, quem conta é o jornalista e escritor Nelson Motta, que acaba de lançar pela editora Objetiva o livro A primavera do dragão – A juventude de Glauber Rocha. O lançamento chega às livrarias em momento oportuno. Justamente quando são celebrados os 30 anos da morte do genial cineasta baiano, falecido em agosto de 1981.

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Autor também de Noites tropicais, livro que traz os bastidores da música popular brasileira, e Vale tudo, a biografia de Tim Maia, entre outros títulos, Nelson Motta, revela que sempre teve fascínio por personagens "radicais, originais, talentosos e muitos engraçados". E não só isso. Além de ter tido o privilégio de viver num dos períodos mais efervescentes da recente história cultural do país, o simpático paulista de sorriso fácil e coração tricolor carioca teve a sorte de conviver com várias figuras da época. Tim Maia e Glauber Rocha foram só dois deles.

"O ponto de partida para esses livros são sempre os mesmos: a amizade, o amor e admiração que tenho por essas pessoas", revela. "Nessas duas biografias o trabalho foi só alegria e bastante saudade, mas com a sensação de que eu estava os mostrando íntegros e verdadeiros para o público e colaborando para a permanência e atenção às suas vidas e obras", observa.

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O recorte que Motta faz da trajetória de uma das personalidades mais brilhantes dos últimos tempos, ou seja, do artista enquanto jovem, é sensacional. Ele conta que foi motivado pela curiosidade dele próprio em mergulhar numa fase da vida do cineasta que desconhecia, indo do nascimento ao sucesso estrondoso de Deus e o diabo na Terra do Sol, em Cannes, naquele distante ano de 1964.

O autor tinha plena consciência da montanha de livros já escritos sobre a vida e a obra do anarquista diretor baiano, entre eles a biografia Glauber Rocha, esse vulcão, escrito pelo jornalista e amigo de adolescência João Carlos Teixeira Gomes, o Joca. Mesmo assim, seguiu em frente, ciente da missão que garante ter em dar prazer aos seus leitores.

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"A biografia de Joca é excelente, profunda, densa, documentada, para mim, que sou mais de superfícies e levezas, que escrevo para divertir, alegrar e emocionar as pessoas, foi um mergulho na formação de um personagem símbolo de uma geração", esclarece. "Adoro histórias de artistas quando jovens, me encanto com a força, o vigor, o idealismo e a inocência da juventude, que em Glauber foi especialmente precoce e genial", emenda.

O projeto começou a desabrochar em 1989. De gravador a tiracolo e bloco na mão, Motta entrevistou D. Lúcia, mãe de Glauber Rocha - ainda a grande guardiã da obra do artista -, a babá Adelina, a primeira mulher Helena Ignez, os amigos e parceiros Luiz Augusto Mendes (produtor de Deus e o Diabo na Terra do Sol), Cacá Diegues, Luiz Carlos Barreto, Luiz Carlos Maciel, Paulo César Saraceni, o diplomata Arnaldo Carrilho e João Ubaldo, além do mentor Nelson Pereira dos Santos. Os colegas de infância não foram esquecidos. Estava com meio caminho andado quando leu uma notícia no jornal que o abalou. O amigo, ex-professor e jornalista Zuenir Ventura estava escrevendo a biografia de Glauber Rocha. Assim desistiu da empreitada.

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"O livro do Zuenir acabou não sendo escrito porque ele teve seu material de pesquisa roubado", lamenta. "Vinte anos depois, ao encontrá-lo numa feira literária e conversar horas sobre Glauber, ele me sugeriu retomar o projeto, retornei a Salvador e escrevi o livro no verão de 2010", detalha.

Leve, divertido e envolvente, A primavera do dragão – A juventude de Glauber Rocha traz muitas passagens engraçadíssimas, como a que abre o texto acima, mas também momentos reveladores, entre eles, a tragédia familiar envolvendo o pai e uma das irmãs do cineasta. O primeiro, vítima de grave acidente de trabalho que o deixaria com sequelas para o resto da vida. A segunda, devastada aos 11 anos de idade por uma leucemia.

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Os namoricos, o período de descobertas e enfrentamentos com os professores na escola, as farras com os amigos Roberto Pires, Luiz Carlos Maciel, João Carlos Gomes (o Joca) e João Ubaldo Ribeiro na noite soteropolitana, a aventura da realização dos primeiros curtas, tudo ganha cores vivas, dentro da narrativa contagiante de Nelson Motta. Os conflitos do jovem Glauber Rocha com a religião protestante também, assim como a radiografia do período de "renascença baiana", que colocou a capital Salvador na vanguarda dos acontecimentos culturais e sociais do país.

"Era um momento de progresso e leveza e o Glauber é o símbolo dessa geração que viveu esse sonho nos anos JK, de fazer algo muito brasileiro, para ser internacional", analisa Motta. "Glauber era sempre surpreendente, em permanente evolução, era avassalador, vivia em transe criativo, a genialidade desde criança e como absorvia tudo de maneira curiosa e particular, sua precocidade e seriedade são comoventes", destaca o autor, que conheceu o diretor baiano, pessoalmente, na pré-estreia de Deus e o Diabo na Terra do Sol, no Cinema Ópera, na praia de Botafogo. "Eu tinha 20 anos e era estudante da escola de Design, louco por música mas fazia design, porque música era coisa de boêmios e vagabundos", recorda Motta, que até hoje se lembra do impacto que o filme Deus e o diabo... causou em sua cabeça. A ponto de comparar o prematuro cineasta, ao genial João Gilberto. "E adorava cinema, o cinema moderno fazia muito parte da cultura da minha geração."

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"O filme teve um impacto louco em mim, foi algo absurdo, parecido com a primeira vez que ouvi Chega de saudade", descreve. "Os dois – João Gilberto e Glauber – talvez sejam as maiores e mais fortes influências em minha vida. O primeiro a economia, a perfeição. O outro avassalador, barroco, o transe criativo."

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