"A arte não deve representar interesses"

Para a bailarina e coregrafa carioca, Deborah Colker, a arte traz novas possibilidades e perguntas; leia entrevista na ntegra

"A arte não deve representar interesses"
"A arte não deve representar interesses" (Foto: Divulgação)


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Eder Fonseca para o Brasil 247 _Se pudéssemos descrever Deborah Colker em uma palavra, seria, sem dúvida nenhuma, talento. Ela cursou Psicologia, foi jogadora de vôlei e estudou piano durante dez anos. A partir de 1980, dançou, coreografou e deu aulas durante oito anos no grupo Coringa, sob a direção de Graciela Figueroa. Em 1984 foi convidada por Dina Sfat para coreografar os movimentos da peça “A Irresistível Aventura”, com direção de Domingos de Oliveira.

Talvez ali estava nascendo de uma vez por todas a grande artista que faria o público ficar boquiaberto com trabalhos como 'Mix' (1995), 'Rota' (1997), 'Casa' (1999), '4 x 4' (2002), 'Nó' (2005), 'Dínamo' (2006), 'Cruel' (2008) e, mais recentemente, 'Tatyana', a incrível obra do russo Alexander Pushkin.

Mas Deborah é uma máquina de ideias quase incansável. Como se não bastasse todo o sucesso à frente de sua companhia que foi fundada em 1994, ela despertou o interesse do bilionário Guy Laliberté e foi convidada para dirigir um espetáculo no poderoso Cirque de Soleil, em 2009.

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Com o famoso 'Ovo' , ela entrou para história como a primeira mulher a estar no comando artístico da trupe canadense. Na entrevista a seguir, ela fala muito bem da presidenta da República Dilma Rousseff, do seu processo de criação, de como escolhe os seus bailarinos, da arrogância dos profissionais dos países desenvolvidos em relação aos artistas vindos do chamado 'terceiro mundo', além de outras curiosidades da sua vitoriosa e bem-sucedida carreira.

Em 2007, a senhora disse que a arte não tem função alguma. Ainda pensa da mesma forma?

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Deborah Colker - Temos que tomar cuidado, pois palavras não são inocentes e uma frase solta, fora de contexto, pode se tornar perigosa. A arte não deve se comprometer ou mesmo representar interesses que não suas motivações e transformações ligadas à essência da sua criação. A arte está sempre à frente, trazendo novas possibilidades e procurando novas perguntas. Uma vez perguntaram ao Keith Richards o que era arte para ele e ele respondeu que arte é abreviatura de Arthur. Gosto muito dessa brincadeira.

A senhora disse que quando começa um processo de criação, esquece tudo o que já foi feito. Mas se a criação é marcante, não dá para se aproveitar absolutamente nada?

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Colker - Uma criação deixa sempre perguntas sem respostas que ficam ecoando na minha cabeça. Quando um novo processo se apresenta elas estão lá gritando, discutindo e me fazendo encontrar novos caminhos. Os meus trabalhos são, muitas vezes, criados a partir de causa e consequência. Isso quer dizer que jamais poderia ter dançado dentro de um espaço em movimento sem antes ter afirmado um espaço vertical e questionado a gravidade. Nunca teria pesquisado uma roda sem ter investigado uma parede. Ao mesmo tempo, adaptar um livro de Pushkin é um caminho novo se comparar com meus espetáculos anteriores. Ao mesmo tempo, essa escolha e essa necessidade são ligadas a tudo que investiguei antes.

Podemos dizer que o cotidiano é o que norteia o seu trabalho, certo?

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Colker - É um dos pontos de interesse forte para mim, em alguns espetáculos deteminante. Em outros, a condição humana teve forte expressão.

Uma pergunta chavão, mas que farei de uma forma diferente: o crítico é um artista frustrado, que só quer ver defeitos naqueles que são bem-sucedidos em suas carreiras?

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Colker - Muitas pessoas tecem esse comentário. Como não sou crítica, é difícil confirmar isso, mas, às vezes, percebo que algumas críticas que já tive foram pessoais, raivosas, injustas e, me arrisco a dizer, burras. A boa crítica, a meu ver, é aquela que consegue ter um olhar sobre o trabalho e a dimensão do trabalho e não uma tentativa de perseguir ou atacar o criador.

Qual são os critérios mais valiosos para que um bailarino faça parte da companhia ou até mesmo de outros espetáculos que a senhora dirige?

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Colker - Item 1: Técnica. Isso significa uma ampla possibilidade de vocabulário de movimentos, um domínio e conhecimento do seu corpo e qualidade de movimento. Item 2: Personalidade, expressividade e ser disposto a experimentar, não fechada.

Qual a principal dificuldade de traduzir um texto clássico, como por exemplo 'Tatyana' de Pushkin, e fazer com que ele fique do modo que pensou quando estava no momento do processo criativo e de pesquisa?

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Colker - Traduzir o sentimento que está por trás da estória, passar as transformações desses personagens através da dança. Ter o devido cuidado em contar uma estória. Fazer com que o público a entenda, mas, ao mesmo tempo, trazer a essência da emoção e abstrair em movimentos esses sentimentos.

Como vê a arte de um modo geral em nosso país, já que a senhora acredita que é uma experiência única, que não é comparável a nada?

Colker - Acho que temos perfis diferentes de grupos e de artistas, caminhos e estéticas distintas. Mas acredito que temos muita gente boa experimentando em diversas áreas. Muita gente boa no nosso Brasil.

Como foi a experiência de dirigir o espetáculo 'Ovo' do Cirque de Soleil, já que foi a primeira mulher a realizar esse feito?

Colker - Uma experiência maravilhosa. Sofri muito, aprendi muito; um dos grandes desafios da minha vida. É um resultado maravilhoso! Sou apaixonada pelo "Ovo".

João Elias, co-fundador da companhia, disse que sem o patrocínio da Petrobras a companhia fecha. De um modo geral, a senhora acredita que as empresas estão virando as costas para à cultura em nosso país?

Colker - Não, acho que temos bastante investimento, mas sempre poderíamos ter mais. Comparando a verba de cultura com outras áreas, ainda não estamos bem. Acredito que cultura e educação são de grande responsabilidade para o nosso país.

Quando a senhora trabalhou na Alemanha, sentiu a arrogância dos mesmos por ser "uma estranha no ninho"?

Colker - O primeiro mundo ainda nos vê como terceiro mundo, não profissionais, atrasados e ainda existe uma grande desconfiança sobre nossa capacidade. Então, preciso me colocar firme, não só na Alemanha, mas também em todos os lugares onde trabalho.

A senhora vai remontar o espetáculo 'Nó', o desejo será ainda mais cruel?

Colker - Com certeza o desejo é uma das maiores crueldades da condição humana e, ao mesmo tempo, um grande fascínio.

Como está vendo o Governo Dilma?

Colker - Gosto muito da Dilma e acredito nela apesar de ver um início complicado, caindo tanta gente. Mas acredito que fará um ótimo governo e pode contar comigo.

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