A agonia de cinemas e a desumanidade capitalista

Como bom cinéfilo, meus sentimentos são de simpatia para com o movimento que tenta manter o Cine Belas Artes funcionando. Mas não seria o caso de a cidadania se mobilizar contra a desumanidade capitalista em toda e qualquer circunstância?



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A Prefeitura de São Paulo decidiu não tombar o cine Belas Artes, na mais do que valorizada esquina da Consolação com a Paulista.

André Sturn, que foi proprietário do cinema e hoje dirige o Museu da Imagem e do Som, desabafou: "É a vitória da especulação, do que tem de pior no capitalismo contra a memória, a fantasia, a qualidade de vida".

Como bom cinéfilo, meus sentimentos são de simpatia para com o movimento que tenta manter o Belas Artes funcionando.

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Mas, não seria o caso de a cidadania se mobilizar contra a desumanidade capitalista em toda e qualquer circunstância, não apenas em situações específicas?

Cada cinema fechado nas últimas décadas significava algo para muitas pessoas. Nunca houve movimento para os salvar. Então, há um certo ranço elitista nesta mobilização única.

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Cada vez que passo pelo prédio que abrigou o cine Aliança das minhas matinês longínquas, sinto um aperto no coração. Ninguém lutou por ele na Mooca. Os frequentadores não eram intelectuais, mas sim pessoas comuns da baixa classe média. Seus sonhos e sua nostalgia não mereciam respeito?

Também sou avesso a deturpações, ainda que bem intencionadas. Tudo bem que se queira preservar o Belas Artes, mas não é preciso fazer chantagem emocional com a afirmação de que ele funcionava desde 1943, sendo, portanto, uma espécie de relíquia cultural....

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Inclusive, há uma confusão com o cinema ao lado, que era Astúrias entre 1931 e 1943, passando então a chamar-se Ritz, enquanto o cine Trianon, verdadeiro antecessor do Belas Artes, só seria aberto em 1956.

A Sociedade Amigos da Cinemateca, constituída em 1962, inicialmente exibia suas pérolas cinematográficas numa pequena sala da rua Aurora, constrangedoramente próxima de uma zona de meretrício. Lembro-me de nela ter assistido, por exexemplo, O Homem do Prego (1964), de Sidney Lumet.

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Surgiu uma oportunidade de se transferir para um local mais apropriado e a SAC não bobeou, assumindo o espaço do ex-Trianon e nele instalando o Belas Artes, que logo se tornou o principal cinema de arte de Sampa, eclipsando o Bijou, o Marachá Augusta, etc.

A atração inaugural, em julho/1967, foi Os russos estão chegando! Os russos estão chegando! (1966, d. Norman Jewison).

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Enfim, o cinema cultuado que se queria tombar remonta a 1967, não a 1931, 1943 ou 1956.

E teve seu grande momento nos idos de 1968, quando exibiu fitas como A Chinesa (1967, d. Jean-Luc Godard), esmiuçada à exaustão pelas rodas de estudantes, contestadores e outsiders em geral que se aglomeravam no bar em frente.

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Para quem não sabe, esclareço: trata-se de um filme que entrou em evidência com a chamada Primavera de Paris, por parecer tê-la antecipado.

Mostra jovens que se isolam durante algum tempo para aprofundarem sua opção revolucionária, entre leituras, discussões, relacionamentos pessoais/amorosos e esboços de uma existência mais livre. Termina com o fim do aprendizado, quando cada um, aclaradas suas dúvidas, direciona-se para a forma de vida e de atuação que lhe é mais afim.

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Quanto ao título, não se referia a uma mulher asiática, mas sim à linha chinesa, de Mao Tsé-Tung e seu livrinho vermelho, que então eram tidos como uma alternativa ao revisionismo soviético...

Jornalista e escritor, autor do livro Náufrago da Utopia.

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