USP: Quando todos gritam, ninguém ouve

O conflito que houve na quinta-feira, 27, entre PM e estudantes da USP foi, acima de tudo, fruto da falta de diálogo entre ambos os lados



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Os acontecimentos do último dia 27 no estacionamento da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) foram o estopim para uma série de discussões na Universidade de São Paulo e em outros lugares a respeito da presença da PM no campus, que, desde o assassinato do aluno da FEA, Felipe Ramos de Paiva, obteve amplo reforço em contingentes e também muito mais apoio da comunidade acadêmica. Toda esta discussão vem sendo incendiada por opiniões exaltadas e principalmente por uma mídia sensacionalista que procura reproduzir tudo, exceto a verdade.

Neste texto, procuro falar segundo conclusões não apenas minhas, mas que se construíram após longas discussões com colegas da faculdade, que se organizaram em um grupo de alunos independentes (ou seja, não vinculados a partidos políticos) que tem pensado em como agir diante de todo o caos em que a Universidade se encontra desde o confronto, especialmente depois que grupos minoritários da “ultra-esquerda” iniciaram um movimento de ocupação da reitoria sem legitimidade, atropelando as determinações da Assembléia e ferindo a democracia, tão necessária à boa condução do Movimento Estudantil.

O conflito que houve na quinta-feira, 27, entre PM e estudantes foi, acima de tudo, fruto da falta de diálogo entre ambos os lados. Houve sim um ataque por parte de estudantes extremados e politicamente ignorantes. Estes grupos, porém, não podem ser vistos como representantes da maioria da FFLCH, e qualquer tipo de ação violenta, como subir em viaturas ou atirar pedras, são de fato erros crassos de grupos isolados. Contudo, isto não exclui de forma alguma o fato de haver, naquele mesmo ambiente, policiais com suas identificações retiradas, que armados com bombas de gás, spray de pimenta e balas de borracha iniciaram os ataques físicos, demonstrando total falta de preparo para atuar em um ambiente acadêmico, pois os ataques da PM não foram (como já li e ouvi pessoas defenderem) um ato de defesa contra manifestantes descontrolados, e sim uma ação truculenta e inconsequente, visto que no prédio havia vários estudantes e professores que, mesmo sem qualquer relação com o ocorrido, foram atingidos. E há relatos de que até mesmo um tiro para o alto chegou a ser disparado.

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A presença da PM no campus não é um problema unicamente porque “não gostamos de PM”. Não somos “comunistas maconheiros que querem fazer da USP uma terra-sem-lei”. Sou completamente a favor de medidas que contribuam para maior segurança no campus. Maior iluminação, poda das árvores, mais pontos de ônibus, circulares que funcionem com eficiência e, sim, uma guarda no campus são algumas das ações que muitos de nós defendemos para resolver o problema de segurança. É preciso, porém, que esta última seja amplamente discutida antes de ser instalada, pois muitos concordam que a Polícia Militar não é a melhor opção para atuar num ambiente em que manifestações políticas, artísticas e intelectuais – muitas vezes críticas ao governo, às direções dos departamentos, ao reitor e a tantos outros grupos – ocorrem frequentemente e devem ser garantidas. Uma prova disso é algo que acontece e que muitos alunos que geralmente defendem a PM no campus não percebem: se a presença da PM visa trazer segurança, por que eles nunca estão nas regiões mais perigosas do campus, como a Rua do Matão ou em locais óbvios como a Praça dos Bancos? É evidente que a presença da PM é ostensiva, busca intimidar movimentos e não proteger os alunos. As outras ações supracitadas, em sua maioria de realização bastante simples, são ignoradas pela reitoria. Como dizer então que ela está preocupada com a segurança dos estudantes? Muitas pessoas também se esquecem de que no dia em que o aluno foi morto, os policiais estavam no campus. Que proteção é essa? É a proteção que se instala para proteger os interesses de um reitor que, extremamente criticado por várias de suas ações, promove um projeto de privatização do ensino/pesquisa e de perseguição aos trabalhadores e estudantes da USP que não se calam diante de suas atitudes autoritárias.

Uma guarda universitária, treinada para agir em situações como a de quinta-feira, com direitos trabalhistas garantidos, vinculada ao sindicato, com efetivo feminino para lidar em casos de estupro e outros crimes relacionados às mulheres é uma ideia que vem sendo defendida por muitas pessoas. De fato, parece ser algo muito mais razoável do que uma força policial militarizada, com notáveis estigmas referentes ao período ditatorial, principalmente quanto ao seu trato com a FFLCH ou com movimentos estudantis. Aqueles que ignoram a tudo isso se fecham em suas próprias convicções e egoísmos, pois é evidente que a PM no campus não irá incomodar um aluno branco em seu carro importado, ainda que esteja carregando cocaína e lança-perfume. E aqueles críticos que destilam seu ódio sobre alunos da FFLCH que, sendo ricos, ingressam no movimento estudantil, além de não perceberem a falta de sentido em suas tiradas irônicas, desconhecem profundamente a realidade de porção significativa daquele lugar, inclusive a minha. Enquanto isso, ações violentas e humilhantes contra negros, moradores do crusp e alunos da FFLCH são constantes.

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Permitir ou não a maconha no campus não é a questão principal, pelo contrário, este tema faz com que os reais problemas saiam de foco. Maconha é fumada todos os dias, em todo lugar, em TODAS as unidades de todos os campi da USP. Drogas muito mais pesadas são utilizadas em festas todos os finais de semana. Bebidas alcoólicas são ilegalmente comercializadas pelos CA’s de praticamente todas as faculdades do país. O “legal” e o “ilegal” não é uma questão tão maniqueísta, como muitas pessoas cinicamente defendem. Críticas e debates são os motores da sociedade, mas espera-se no mínimo que as pessoas se informem melhor antes de opinar com a violência que têm feito.

No fundo, quase todos os alunos desejam a mesma coisa. Todos querem proteção, todos querem segurança. Falta o diálogo, que é atrapalhado pelo preconceito e hipocrisia de alguns, pelo extremo conservadorismo de outros e pelas ações descabidas de vandalismo e antidemocracia de outros. De quem virá o bom senso? Espero que em breve alguém dê o primeiro passo em busca do diálogo, única forma de se atingir resultados favoráveis, no momento.

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Marcus Toledo é estudante de História do 5º ano na USP

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