Um parto judicial

Interrupo da gravidez em casos de fetos anenceflicos ser discutida pelo STF, reabrindo a discusso sobre legalizao do aborto



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Depois de quase sete anos de idas e vindas a ação que discute a possibilidade de interrupção terapêutica da gestação de fetos anencéfalos finalmente vai entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal. O ministro Marco Aurélio já ligou o sinal verde e anunciou que concluiu seu voto e liberou o processo que trata de um dos temas mais polêmicos em tramitação na suprema corte brasileira.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, diz que vai manter sua posição de que, em caso de anencefalia fetal, a interrupção da gravidez não pode ser considerada aborto. “O aborto é quando o feto tem possibilidade de vida. No caso da anencefalia, não há cérebro. E, se não há cérebro, não há vida”, disse ele, explicando que a doação de órgãos é autorizada a partir da morte cerebral.

A chegada do ministro Luiz Fux, que assumiu a cadeira de Eros Grau, é outro indicativo de que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental deverá ser julgada em 2011, depois de sete anos de espera. A ação foi apresentada em 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). De acordo com a confederação, obrigar a mãe a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto é uma ofensa à dignidade humana.

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A entidade quer que o Supremo declare que a interrupção da gravidez em caso de anencefalia não pode ser punida como se fosse aborto. O argumento é que a permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa em função do elevado índice de mortes ainda durante a gestação, o que empresta à gravidez um caráter de risco.

Enquanto o STF não coloca ponto final na polêmica o Judiciário vai aplicando as mais diferenciadas interpretações para decidir litígios oferecidos ao crivo de seus julgadores. No início do ano, o juiz da 1ª Vara do Júri da Capital paulista proibiu uma gestante de realizar aborto terapêutico de um feto anencéfalo. O Tribunal de Justiça reformou a decisão e autorizou a interrupção da gravidez. Para o tribunal, não há argumento lógico e justo para manter a gravidez.

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“Como se pode exigir da paciente que carregue no ventre um ser que caso não morra antes mesmo do parto, no curso dos meses que restam para sua formação, como é do conhecimento técnico científico, não viverá mais do que alguns minutos após o sustento interno do organismo materno? questionou o desembargador Aben-Athar.

O desembargador trouxe como argumento o fato da lei autorizar, quando ocorre morte do cérebro, a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano para transplante. Aben-Athar completou o raciocínio afirmando que, se a morte encefálica pode levar ao desaparecimento do organismo humano que existia antes da retirada dos órgãos essenciais, naturalmente o feto não dotado de cérebro, por maior razão pode ser eliminado.

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“O direito de interrupção da gravidez no caso da inviabilidade do feto, é, pois, inafastável para a gestante, colocando em risco não só sua saúde física, como também psicológica, sendo o habeas corpus necessário como meio para impedir que, levando a termo seu propósito, venha a paciente a responder por violação da lei penal”, concluiu o desembargador.

Opinião oposta teve o desembargador Ivan Leomar Bruxel, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para ele, o pedido de interrupção de gravidez no lugar de proteger a liberdade, pretende livrar-se alguém de um alegado sofrimento psicológico, ou para afastar dito risco à integridade física da gestante.

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“Ao nascituro não foi dado o direito de defesa”, disse o desembargador. Segundo ele, o Conselho Federal de Medicina, mediante Resolução (1752/04), autorizou o reconhecimento da morte prematura, para fins de transplante, diferente do que se estava tratando no recurso.

“Legalmente, ao menos de forma explícita, não há mesmo possibilidade de deferimento da pretensão”, concluiu o relator. “A pretensão não encontra amparo no sistema do Código Penal, pois a ausência de punição encontra expressa previsão, e não pode ser ampliada —não está demonstrado o risco concreto para a gestante”.

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No caso, os pais, casados há um ano, solicitaram ao juiz da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre autorização para a prática do aborto, buscando a inibição de eventual responsabilização penal. O pedido foi negado pelo juiz de primeiro grau. Os pais argumentaram que “uma gravidez dessa espécie, para a família importa em grande dor psicológica, em virtude de se aguardar uma gestação, por aproximadamente 40 semanas, de uma criança que certamente não sobreviverá”. Alegaram ainda alto risco para a gestante.

Tema controverso

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A questão é tão tormentosa que foi tema de audiência pública em 2008 no Supremo. O encontro reuniu representantes do governo, especialistas em genética, entidades religiosas e da sociedade civil. Os argumentos das partes servirão de subsídio para a análise do recurso pelos ministros do STF.

Durante quatro dias, defensores do direito das mulheres de decidir sobre prosseguir ou não com a gravidez de bebês anencéfalos apresentaram seus argumentos e opiniões, assim como aqueles que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro. Foram ouvidos representantes de 25 diferentes instituições, ministros de Estado e cientistas.

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O Superior Tribunal de Justiça a questão também é controversas e as duas vertentes encontram ressonância entre ministros. A ministra Laurita Vaz reconheceu no julgamento do HC 32.159 a dificuldade de lidar com o tema, porque envolve sentimentos diretamente vinculados a convicções religiosas, filosóficas e morais. “Contudo, independentemente de convicções subjetivas pessoais, o que cabe ao STJ é o exame da matéria sob o enfoque jurídico”, assinalou a ministra. Para ela, não há o que falar em certo ou errado, moral ou imoral.

O habeas corpus discutia a autorização para o aborto que havia sido dada pela Justiça do Rio de Janeiro. Para a ministra, o legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizadoras do aborto, previstas no artigo 128 do Código Penal, esse caso. “O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do magistrado, intérprete da lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo legislador”.

Segundo o ministro Napoleão Nunes, a vivência religiosa ou filosófica interfere nos julgamentos, pois, em princípio, elas influenciam a conduta humana. O ministro entende que a questão da anencefalia não deve ser entendida sob a perspectiva puramente religiosa, mas sob uma perspectiva médica, e cada caso é único. “Não se pode estabelecer uma regra única de solução, ainda mais porque há questões em aberto”, diz.

“É a vida que faz o direito e não o direito que faz a vida. A ausência de lei expressa, não significa que o Judiciário não possa autorizar a interrupção da gravidez quando a vida fora do útero se mostra absolutamente inviável e constitui risco à saúde da gestante. Afrontaria elementar bom senso exigir que a mulher prossiga agasalhando em seu ventre feto absolutamente inviável. Permitir a interrupção da gravidez, em casos assim, exalta a prevalência dos valores da dignidade humana, da liberdade, da autonomia e da saúde, em absoluta consonância com os parâmetros constitucionais”.

Foi com essa argumentação que uma das câmaras criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a interrupção da gravidez de uma mulher que estava na 16ª semana de gestação. A autorização para o aborto foi dada por votação unânime diante da comprovação de que o feto era anencéfalo. C.L.A. entrou com recurso contra sentença da 2ª Vara do Júri do Foro de Santana (na capital paulista), negando seu pedido. O juiz argumentou que o aborto não encontra amparo legal.

Insatisfeita com a negativa do juiz de primeiro grau, a mulher bateu às portas do Tribunal de Justiça. A turma julgadora determinou imediatamente a realização do aborto. “Em face do mal extraordinário e grave como também o potencial perigo que corre a gestante, circundado por sua atual situação angustiante e doença psicológica, que sem dúvida, se verá acometida, outra não deve ser a conduta, se não interromper o sofrimento”, afirmou o relator do recurso.

A letra da lei

O Código Penal só permite o aborto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez for resultado de estupro. No primeiro caso, o médico não precisa de autorização judicial. Quando a gravidez é resultante de abuso sexual, o aborto só pode ser feito com consentimento da mulher e permissão de um juiz. Em outros casos, o aborto pode ser punido com pena de um a três anos de prisão para a gestante e de um a quatro anos de reclusão para o médico.

A anencefalia é uma malformação fetal congênita e irreversível, conhecida como ausência de cérebro, que leva a criança à morte poucas horas depois do parto. Em 65% dos casos, a morte do feto é registrada ainda no útero. No caso apreciado pelo tribunal paulista, a defesa da gestante sustentou que a interrupção da gravidez era medida de urgência porque a continuidade da gestação colocava em risco a vida da mulher, além de ser inviável a concepção do feto.

Essa não é a primeira vez que a Justiça de São Paulo determina a interrupção de gravidez em caso de malformação de feto. Em maio de 2009, o desembargador Amado de Faria, então atuando na 3ª Câmara Criminal, capitaneou divergência que determinou a medida por maioria de votos. Amado de Faria foi apoiado pelo voto do desembargador Geraldo Wohlers.

Sobre a matéria, a doutrina e a jurisprudência oscilam em aceitar ou não a interrupção da gravidez. Parte da jurisprudência entende que esse tipo de aborto tem por fundamento o interesse social na qualidade de vida e é independente de todo ser humano. Segundo essa tese, não importa o interesse em garantir a existência da vida em quaisquer circunstâncias.

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