Um corpo estendido no chão
Encontrei um homem à beira da morte numa farmácia. Como médico, fui ajudá-lo. Mas os funcionários não deram qualquer apoio. Em 31 anos de profissão, nunca vi tanta indiferença, omissão e falta de solidariedade
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No sábado, 18/03/2011, as 21 horas, fui ao Multicoisas da Av. Moreira Guimarães, esquina com Av. Jandira, 1002, e minha esposa foi à Drogaria São Paulo, localizada ao lado. Fui chamado com urgência pela minha esposa, que encontrara um senhor passando muito mal na farmácia. Encontro o Sr. L. H. T., de 53 anos com desconforto respiratório grave. O sr L.H.T. é um taxista, que estava conduzindo uma passageira ao Aeroporto de Congonhas. Durante o trajeto começou a sentir-se muito mal e não conseguiu mais dirigir o automóvel, e pediu que a passageira assumisse a direção do táxi. A passageira assustada, e em função da gravidade que ela percebeu, parou no lugar mais próximo que acreditou que o sr. L.H.T. poderia receber algum socorro.
Na farmácia, ao ser chamado por minha esposa, apresento-me como médico, examino-o na farmácia e constato estar em edema agudo de pulmão, que é uma descompensação cardíaca extremamente grave, com risco de óbito imediato, na ausência de assistência adequada. Solicitei ajuda dos funcionários da Farmácia para examiná-lo com mais detalhes e medicá-lo, mas apenas me apontam a sala de medicação ao fundo, tendo eu mesmo que levar o paciente. Solicitei aparelho de pressão e estetoscópio para examiná-lo, mas a farmácia se negou a fornecer. Solicitei o medicamento Lasix para aplicar por via endovenosa, explicando ao gerente Aroldo a gravidade do quadro e a necessidade premente da administração para salvar a vida do paciente. O gerente recusou-se, alegando que a farmácia não faz aplicação endovenosa. Disse que eu mesmo aplicaria, mas o Sr. Aroldo se recusou e pediu que eu apresentasse a carteira do Conselho Regional de Medicina. Forneci-lhe o número do meu CRM, mas não foi considerado suficiente. Apesar de insistir na necessidade de obter a referida medicação, o senhor Aroldo recusou-se de maneira persistente e me recomendou levar o paciente à minha clínica para eu medicá-lo lá. Solicitei ajuda aos outros funcionários da farmácia e não fui atendido. Solicitei garrote e não fui atendido. A única coisa que fizeram foi chamar o SAMU.
A minha opção para tratá-lo, enquanto o SAMU não chegava, foi ligar para minha casa e pedir para a minha filha levar a minha maleta médica. Enquanto isso, comprei e paguei (tenho a nota fiscal) Isordil e Lasix na forma de comprimidos. Administrei essas medicações via oral, monitorei o paciente e às 21H50 ele já havia evoluído com conforto respiratório e grande alívio. Nesse momento, a família chegou e encaminhei-o ao pronto socorro do Hospital São Paulo, com um relatório médico detalhado do atendimento realizado.
A minha indignação e revolta é causada pela profunda indiferença e omissão dos funcionários da referida Drogaria com o sofrimento de um ser humano em risco de morte. Ressalto, ainda, que não havia nenhum farmacêutico de plantão. Confesso-lhe, que em 31 anos de exercício da medicina, nunca presenciei tamanha indiferença, omissão e falta de solidariedade. Confesso também que essa indiferença me fez chorar de raiva e de indignação, e me motivou a denunciar esse caso para todos que eu puder alcançar.
José Antonio Curiati é médico geriatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e do Hospital Sírio Libanês
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