Tereza: É preciso radicalizar a Democracia
A liberdade de José Genoino, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, chega no momento em que a política é "achincalhada e desqualificada"; é como analisa a colunista do 247 Tereza Cruvinel, que retrata a trajetória de vida do ex-deputado federal e ex-presidente do PT até ser condenado a Ação Penal 470 e cumprir; o sofrimento por conta dos problemas cardíacos não foram poupados pelo ex-ministro Joaquim Barbosa, do STF, e agora, a liberdade; "Sem nenhum favor"; "Mas quem conhece Genoíno sabe que, apesar delas, ele continua perseguindo o mesmo sonho, como quando foi para a guerrilha, como quando saiu da prisão na ditadura, como quando ganhou e perdeu eleições"
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Por Tereza Cruvinel
No julgamento da ação penal 470, do chamado mensalão, nenhuma condenação constrangeu tanto os ministros do Supremo quanto a de José Genoíno. Alguns quase se desculpavam por fazê-lo. Não por simpatia ou qualquer relação pessoal mas porque sabiam o que faziam. Condenavam um homem que tinha na política não um sonho de poder, fortuna ou glória mas apenas o caminho para se aproximar do sonho.
Pelo sonho de um mundo melhor, mais justo e humano, chame-se ele socialismo ou qualquer outra coisa, Genoíno saiu da casinha do Encantado, no município de Quixeramobim, no Ceará, e foi estudar em Fortaleza. Deixou para trás os pais camponeses, pobres e sem instrução. A ditadura pedia combate e ele entrou para o movimento estudantil, tornou-se um dos líderes no Nordeste e foi preso no Congresso de Ibiúna em 1968.
A ditadura baixou o AI-5 e destroçou o movimento estudantil. Somente a luta armada derruba a ditadura, declarou uma parte daquela geração. Genoíno foi para a guerrilha do Araguaia. Geraldo, seu codinome, foi o primeiro a cair. Brutalmente torturado, ficou preso cinco anos. A ditadura acabou, mas não o sonho, que iria perseguir na política, no confronto das ideias, não com armas. Entrou para o PT e virou deputado.
Na Câmara, logo se destacou pela argúcia e pela capacidade de dialogar com o outro, por mais antagônico que fosse. Estudou o regimento e aprendeu a guerrilhar com ele. Na Constituinte, era o lanceiro do bloco progressista. Se estava no plenário, era garantia de que os conservadores não teriam êxito nas manobras. Era preciso radicalizar a democracia, passou a dizer, brandindo a Carta e os novos direitos.
Sacrifício era com ele. Quando Lula foi disputar a eleição que pela primeira prometia vitória, a de 2002, o PT precisava de um candidato a governador de São Paulo, para lhe dar palanque. Lá foi Genoíno. Perdeu, como estava nas contas, e ficou sem mandato. Com Lula no Planalto, podia ter sido ministro da Justiça mas sacrificou-se de novo. Foi presidir o PT e só impôs uma condição. Não cuidaria de dinheiro. Um dia assinou os pedidos de empréstimo ao Banco Rural que lhe foram levados por Delúbio Soares. Era preciso pagar as dívidas de campanha, ele era o presidente do partido. Assinou. Por eles, foi condenado. Nunca se provou que os recursos obtidos foram usados para corromper ninguém com mesada e mensalão. Eles foram pagos pelo PT mas a narrativa não podia ser desmentida: eram empréstimos de mentira, para encobrir desvios de recursos, disse o procurador Gurgel, ratificado por Joaquim Barbos. Veio a condenação.
Por esta época, contou-me ter visitado os pais idosos na casinha do Encantado e ter ouvido do pai octogenário. “Meu filho, me ajuda a entender. Nós somos pobres, você foi estudar em Fortaleza, nem se formou e acabou sendo preso. Foi para aquela guerra, sofreu tanto, foi preso de novo. Depois virou deputado, ficou importante e agora, mesmo sendo amigo do presidente, você vai ser preso de novo. Como posso entender isso?” E como explicar tudo isso? Genoíno tentou, falando do sonho.
Ainda assumiu o mandato como suplente depois da eleição de 2006. O antigo deputado que estava em todos os debates e rodas recolheu-se. Foi humilhado por jornalistas parvos e humoristas torpes. O julgamento foi o que se viu. Condenado, renunciou e isso lhe doeu muito. Adoeceu. Nos meses que antecederam a prisão teve bloqueios coronorianos que exigiram stents. Depois, um aneurisma de aorta que lhe valeu uma prótese na principal artéria do corpo. Na fase dos recursos, recolhido na casinha do Butantã, onde cultivava seu jardim vertical no muro da exígua área lateral, recebia visitas, telefonemas, cartas que o comoviam, de pessoas que o admiravam, algumas sem conhece-lo pessoalmente.
Não, prometeu a Rioco, não se deixaria algemar em casa. Quando houve a ordem de prisão, apresentou-se na Polícia Federal. Ele e Dirceu levantaram o punho e se declararam presos políticos. Na Papuda, as arritmias cardíacas e crises de pressão alta o levaram ao hospital algumas vezes mas o pedido de prisão domiciliar foi seguidamente negado por Joaquim Barbosa. A filha Miruna indignou-se, protestou, fez campanha na Internet. Barbosa deu uma autorização provisória, contestando sempre os laudos médicos. A definitiva, só depois que ele deixou o STF. Mas a prisão domiciliar teria que ser cumprida em Brasília, embora seu domicílio fosse em São Paulo.
Internado nesta época, Genoino saiu do hospital para o pequeno apartamento da outra filha, Mariana. Depois, foi para a casa do sogro dela. Finalmente, para garantir-lhe um espaço próprio, Miruna e o marido renunciaram ao apartamento alugado em que moravam em São Paulo, foram morar na casa do Butantã. Sobrou dinheiro para alugarem a casa de um condomínio em Brasília, onde Genoíno e sua mulher Rioco vivem reclusos há mais de um ano.
Agora, a liberdade, sem nenhum favor. Seu caso enquadrou-se no decreto de indulto natalino, que Dilma edita com o mesmo texto desde que assumiu. As feridas são muitas, as feridas e as cicatrizes. Mas quem conhece Genoíno sabe que, apesar delas, ele continua perseguindo o mesmo sonho, Como quando foi para a guerrilha, como quando saiu da prisão na ditadura, como quando ganhou e perdeu eleições.
E sai no momento em que, mais uma vez, a política é achincalhada, desqualificada, exigindo a sua velha palavra de ordem: é preciso radicalizar a democracia.
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