'Risco de mudar regime de partilha é de menos mil'

Em entrevista ao jornal mexicano La Jornada, a presidente Dilma Rousseff declarou que "a possibilidade de mudar regime de partilha não é zero, é menos mil. O modelo de partilha está baseado nas melhores práticas internacionais"

Em entrevista ao jornal mexicano La Jornada, a presidente Dilma Rousseff declarou que "a possibilidade de mudar regime de partilha não é zero, é menos mil. O modelo de partilha está baseado nas melhores práticas internacionais"
Em entrevista ao jornal mexicano La Jornada, a presidente Dilma Rousseff declarou que "a possibilidade de mudar regime de partilha não é zero, é menos mil. O modelo de partilha está baseado nas melhores práticas internacionais" (Foto: Gisele Federicce)


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Dario Pignotti, da Carta Maior - Depois de receber o primeiro-ministro chinês, com quem fechou o acordo para a construção de uma ferrovia interoceânica, obra crucial para o eixo Brasília-Pequim e vista com receio por Washington, a presidenta brasileira Dilma Rousseff inicia, nesta terça, sua primeira visita de Estado ao México, onde terá numerosos encontros oficiais, além de uma agenda cultural onde pretende ver os murais de Diego Rivera e "averiguar se há alguma mostra com obras de Remedios Varo".

Dilma conhece artes plásticas, desde que assumiu a presidência, em 2011, organizou, mostras da pintora modernista brasileira Tarsila de Amaral e do renascentista italiano Michelangelo Caravaggio.

Durante a entrevista com La Jornada, ela comentou com detalhes duas obras de artista modernista brasileiro Di Cavalcanti que ornamentam o Palácio da Alvorada.

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Além da pintura, a defesa da soberania petroleira é outro tema que apaixona esta mulher sem meias palavras, que recém estreia seu segundo mandato, para o qual foi eleita em outubro do ano passado.

Se trata do quarto governo consecutivo do PT (Partido dos Trabalhadores), os dois primeiros (entre 2003 e 2011) a cargo do legendário Luiz Inácio Lula da Silva.

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Dilma e Lula se reuniram na tarde de sexta-feira, em Brasília, certamente para abordar a conjuntura política agitada, devido às intrigas desestabilizadoras orquestradas pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e a Rede Globo, principal grupo midiático do Brasil, hegemonia conquistada graças aos favores prestados à ditadura militar (1964-1985), que encarcerou e torturou aquela que hoje é a presidenta do país.

As elites política e midiática buscam restaurar o ciclo neoliberal no Brasil, e para isso necessitam acabar com os programas sociais, o nacionalismo petroleiro (pivô da crise atual) e a diplomacia independente de Washington e voltada às relações com a América Latina.

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– A viagem ao México consolida a opção brasileira em favor da relação com a América Latina?

DILMA ROUSSEFF: Uma das coisas que me impactou muito no México, em 1982, quando fiz minha primeira viagem ao país, foi ver uma reprodução da cidade indígena anterior à conquista espanhola, na que havia um sistema de abastecimento de água que naquele momento não havia na Europa.

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Na época daquela viagem, o Brasil era um país que vivia de costas para a América Latina, olhava somente para os Estados Unidos e a Europa, e isso se traduzia em sua política externa. Não digo que não devemos nos relacionar com os estadunidenses e os europeus, mas nós sustentamos agora uma política externa que mudou nestes últimos doze anos, com relação a esse modelo anterior.

Entre outras coisas, há um compromisso com a América Latina, com a qual também temos uma identidade cultural.

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Por certo, também estamos voltados à África, porque esse continente tem muita importância na formação étnica e da nação brasileira (milhões de africanos chegaram como escravos durante a colonização portuguesa).

Agora, eu acredito que este é o momento histórico para estreitar as relações entre a América do Sul e o México, uma das nações mais ricas cultural e economicamente, e a grande nação latino-americana do hemisfério norte.

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É uma relação que interessa ao Brasil, porque temos a consciência da importância que o México para a unidade latino-americana. Unidade que deve se construída respeitando as diferenças existentes entre os países.

NÃO À ALCA

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A partir da Cúpula das Américas de 2005, em Mar del Plata, ficou mais nítido o distanciamento entre o México e parte da América do Sul devido ao apoio dado por Vicente Fox à ALCA, projeto rejeitado pelo trio formado por Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula.

– Sua viagem é um reencontro entre Brasil e México?

DILMA ROUSSEFF: Creio que minha viagem abre um novo capítulo em nossas relações. Quando recebi o presidente Enrique Peña Nieto, ele veio pouco depois de ser eleito, e nós concordamos que para o Brasil era fundamental se aproximar do México, assim como para o México era fundamental se aproximar do Brasil. E que era fundamental para toda a nossa região que isso ocorresse.

Estou convencida de que os dois países se beneficiarão do aspecto econômico e comercial dessa relação, e acho que o acordo para a indústria automobilística é um passo importante que serve como exemplo disso. É um acordo que mostra qual é o caminho a seguir, e que é possível se pensar em outros acordos.

Tenho a convicção de que essa conveniência é mútua e creio que o presidente Peña Nieto também pensa o mesmo.

Existem os que consideram que as economias de Brasil e México competem entre si, eu penso que essa é uma visão equivocada, nossas economias são complementares.

Nossos países representam os dois maiores mercados da América Latina, e é importante que o México possa fazer mais investimentos no Brasil e vice-versa.

O Brasil é o segundo destino mais frequente dos investimentos diretos feitos pelos mexicanos, depois dos Estados Unidos, isso quer dizer que já existe um fluxo funcionando e isso favorece a integração.

Me alegrei em saber que a empresa brasileira Braskem formará uma sociedade com a mexicana IDESA para criar um polo petroquímico.

Considero que nossos países estão em condições de fazer acordos a partir da complementariedade da cadeia produtiva, produzir uma parte aqui e outra lá.

Isso pode ocorrer na indústria naval, na cadeia produtiva de gás e petróleo, onde o México tem a Pemex e o Brasil tem a Petrobras, que são empresas que têm modelos regulatórios similares.

– Podemos falar então de um vínculo sólido, surge o eixo "mariachi-bossa nova"?

DILMA ROUSSEFF: Pode-se chamar "mariachi-bossa nova". Não, melhor, vamos a chamá-lo "eixo tequila-caipirinha" (risos).

– Seria possível um acordo entre Pemex e Petrobras?

DILMA ROUSSEFF: Eu sempre considerei possível, e já houve um acordo em 2005, e que está em vigor, que é o Convênio Geral de Colaboração Científica, Técnica e de Treinamento.

A Petrobras é uma empresa com ações cotizadas nas bolsas de valores (Nova York e São Paulo) e a Pemex está adotando um marco regulatório similar.

Podemos atuar no âmbito dos investimentos, na cadena de provedores onde nós temos como participar através dos estaleiros brasileiros.

– Pemex poderia explorar petróleo no Brasil?

DILMA ROUSSEFF: Claro que pode. Tanto a Pemex quanto qualquer outra empresa estrangeira.

– O Brasil está interessado nisso?

DILMA ROUSSEFF: Lógico, não tenha dúvidas de que sim. Creio que isso também será conveniente para a Petrobras, que é uma empresa que conta com tecnologia de exploração em águas profundas.

– Mas a Pemex não participou nos leilões de grandes poços na zona do Pré-Sal (águas profundas).

DILMA ROUSSEFF: Não participou porque decidiu não fazê-lo nesse momento. Mas nós veríamos com imensa simpatia que viessem agora. A Pemex é uma das maiores empresas nacionais de petróleo do mundo. É uma empresa muito bem conceituada, respaldada pelo povo mexicano.

Eu vou lhe contar uma história, no Brasil houve um escritor e cronista de futebol, Nelson Rodrigues, que quando se referia à seleção brasileira, dizia que esta era a pátria de chuteiras.

Da mesma forma, a Petrobras é uma empresa querida pelo povo brasileiro, para mim, a Petrobras é tão importante para o Brasil como a seleção de futebol, e creio que no México ocorre algo parecido com a Pemex, desde que o grande presidente Lázaro Cárdenas nacionalizou o petróleo, nos Anos 30.

RELAÇÃO COM OBAMA

Em setembro de 2013, ao saber que a NSA havia roubado informações do seu governo e da Petrobras, Dilma reagiu energicamente contra Barack Obama: exigiu explicações sobre as operações da agência e recusou o convite para realizar uma visita de Estado aos Estados Unidos. O gelo entre Brasília e Washington se romperia somente em abril deste ano, durante a Cúpula das Américas do Panamá, quando os mandatários deixaram para trás suas divergências e combinaram um novo encontro, daqui a um mês, na Casa Branca.

– Você ficou satisfeita com as explicações de Obama sobre as manobras da NSA?

DILMA ROUSSEFF: A NSA buscou informação sobre Petrobras e sobre o governo brasileiro de forma ilegal, com o pretexto de que fazia isso devidos às ameaças terroristas que surgiram depois dos ataques de 11 de setembro de 2001.

Logo, se soube que também aconteceu o mesmo com o governo da Alemanha, que se juntou a nós na representação que fizemos na ONU pelo caso.

Diante dessas circunstâncias, o presidente Obama adotou várias resoluções, entre elas a que determinou que não se deve espionar países amigos.

Eles (EUA) nos disseram que, a partir de então, isso (espionagem ilegal contra o Brasil) nunca mais ocorreu.

– Então, esse assunto está concluído.

DILMA ROUSSEFF: Para nós está concluído. Acho que o governo de Obama tomou as medidas pertinentes dentro de suas atribuições. Essa é a nossa convicção.

– É construtivo o acercamento entre Washington e Havana, iniciado no Panamá em abril?

DILMA ROUSSEFF: Para mim, foi uma das grandes iniciativas tomadas nos últimos anos, primeiro porque termina com a guerra fria em nosso continente. Queremos que isso seja aprofundado e que leve ao fim definitivo do embargo contra Cuba, algo que não depende do Poder Executivo norte-americano, mas sim do Congresso.

O Brasil financiou o maior porto de águas profundas de Cuba, o Porto de Mariel (inaugurado por Dilma e Raúl Castro, em 2014). A oposição brasileira era crítica quanto a esse financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

– Portanto, a política do BNDES foi correta, apesar das críticas da direita.

DILMA ROUSSEFF: Essa política não foi do BNDES, foi do governo brasileiro, o BNDES é um banco controlado 100% pelo governo. Nós consideramos que o processo de relações democráticas em Cuba deve apostar na abertura, no investimento. E para isso é preciso haver uma abertura nas relações comerciais entre os EUA e Cuba.

O embargo não leva a nada. Depois de mais de meio século, não levou a nada.

Penso que os EUA deram um passo extremamente feliz, estratégico para a América Latina.

E digo mais, creio que o presidente Obama deu esse passo com muita coragem, e creio que isso não tem volta, a roda da história não retrocede, acho que agora os investimentos chegarão a Cuba.

Cuba é um país especial para nós, latino-americanos. E sei que para os mexicanos é ainda mais.

Agora, também penso que tudo isso que passou entre os Estados Unidos e Cuba não foi só por mérito deles. Nesse sentido, gostaria de falar um pouco do papa Francisco, posso?

– Claro que pode.

DILMA ROUSSEFF: O papa Francisco teve um papel fundamental, porque além de ser o chefe da Igreja Católica Apostólica Romana, ele teve o discernimento necessário para perceber que se havia algo importante para os povos deste hemisfério, para o de Cuba em especial, era essa retomada das relações.

SEM MUDAR DE LADO

São quase 18h30 desta sexta-feira. A entrevista seria de 40 minutos e já transcorreram mais 70, e não há sinais de que terminará logo: Dilma fala de seus três anos na prisão, por ter enfrentado a ditadura através da luta armada, e do seu balanço daquela opção política.

DILMA ROUSSEFF: Conversei muito sobre isso com o presidente Mujica. Nós não nos arrependemos de nada, claro que é necessário entender quais eram as circunstâncias políticas naqueles anos (final dos Anos 60, início dos Anos 70). Condições que nos levaram a atuar como atuamos, se trata, em primeiro lugar, de uma situação que já não existe agora.

Em segundo lugar vem o fato de que as pessoas mudam, mas não mudam de lado.

Anos depois, a gente percebe que cometeu alguns erros, que algumas atitudes são fruto da juventude, mas não para se colocar agora contra o que se fez na juventude.

Eu nunca esqueci o que aconteceu, minha vida está inquestionavelmente marcada por aquilo.

Uma vez, fui depor no Congresso e alguém (um senador de direita) me acusou de haver mentido durante as sessões de tortura.

E que bom que eu tive essa capacidade, porque se você diz a verdade para um torturador está entregando companheiros de luta, colocando a vida desses amigos em risco.

Eu não digo isso para criticar os que falaram sob tortura. Porque resistir não é fácil. Nas sessões, quando dizem para você, "fala que eu paro de torturar", isso desata uma luta interna muito forte, e é preciso ter força para não falar, encontrar essa força dentro de si, e para isso é preciso ter convicções. Tampouco significa transformar em heróis os que aguentaram, ninguém é herói.

Durante os dias que passei sob tortura, eu enganava a mim mesma para resistir, dizia a mim mesma "agora eles vão voltar", para estar preparada. E quando eles (repressores) voltavam, me colocavam no "pau de arara", me davam choque elétrico.

Qual é a estratégia para resistir? Primeiro, não pensar. Era como um exercício de meditação sob pressão, tirando tudo da cabeça, para não se deixar corromper pelo medo. O medo está dentro de nós. A dor humilha, degrada. Resistir é difícil.

– Se você resistiu àquilo, agora poderá suportar tranquilamente as pressões da direita contra o seu governo?

DILMA ROUSSEFF: São muito mais fáceis de suportar. Não quero dizer que as pressões políticas sejam fáceis, ou irrelevantes. Resistir à tortura foi difícil, não torna uma pessoa heroína, a torna gente.

– Ou a torna presidenta?

DILMA ROUSSEFF: Seria melhor chegar à Presidência da República sem ter que passar pela tortura (risos).

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