Por um campus elíseo

Ou: Como aprendi a parar de me preocupar e amar a Cidade Universitária



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Deserto arborizado: melhor definição que pensei para a Cidade Universitária num domingo à noite, véspera da Semana dos Bixos, minha primeira na USP e última dela como apenas uma opção no site da Fuvest. Eu de cabeça raspada, de estômago cheio de incerteza, de quarto e casa nova, numa pensão com só um conhecido.

Eu não era o único bixo: meu amigo já mencionado e também uma outra moça cujo nome esqueci. Ela era amiga de um cara da pensão, um veterano, que sugeriu levá-la numa espécie de tour pela imensidão noturna da Cidade Universitária, esse bosque infernal de extenso, enquanto as aulas não começavam. E o veterano – segundo ano, nem tão veterano assim, agora vejo – convidou-me e a meu amigo.

Aceitamos. Caminhada longa, que, se eu fosse convidado hoje a fazer, recusaria. Entrando pela saída de pedestres do mercadinho, descendo a rua do Matão, contornando a FAU, acenando para a FEA, desfilando até a Letras, subindo pela História e Química até voltar ao Instituto de Ciências Biomédicas, onde era – é – a ruela que dá para a saída do mercadinho. Tudo num domingo à noite, pralém de dez e meia; nem vestígios de PM ou “vagabundo” para nos acompanhar.

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Conheci então de lá nem um quarto – mal conhecia quem estava na pensão – muito me perdi ainda depois. Nenhuma pegada de viatura, sem arma na cara nem medo na vista. O que mais me assustou foi a subida entre a História e o ICB. Mais intensa emoção foi desabar pernas num colchão, na volta, e dormir.

Meus bixos não farão isso, tenho quase certeza. Eles também têm, mas de que serão assaltados por delinquentes ou abordados por policiais-monstro. Sabem e até preveem o dia de algum militante despejar ideologias sobre eles, via oral ou via satélite, via direita, esquerda ou de frente mesmo.

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Se eu os convidasse hoje, como poderiam ignorar as miragens do vasto deserto arborizado? Os vultos vários, a Universidade vazia e suas ameaças, as travessias imensas por avenidas largas e cavernosas, com o medo e a desconfiança constante. É capaz até que nem aceitassem a minha oferta de passeio, receosos de que fosse apenas um maconheiro tentando aliciá-los para vícios diversos, ou talvez um agente infiltrado dos inimigos: eu não saberia dizer a profundidade de suas paranóias.

Gostaria de garantir aos meus bixos o que me garantiram naquele domingo anoitecido, escuro, ermo: conhecer o campus, passear. Mostrá-los onde estudarão, onde almoçarão, onde desmaiarão de tanto não dormir, pós-festa; conduzi-los como fui conduzido para que possam guiar os bixos deles e assim por diante. Sem preocupação com PM, PSOL ou porquês, só a alegria de passar na Fuvest, a insegurança apenas de conhecer gente nova, não a de se torturar com fardas, sequestros, guardas e protestos: por uma USP cheia de poesia, invés de histeria.

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Henrique Balbi tem 18 anos e é aluno do primeiro ano de Jornalismo na ECA-USP

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