PML: Pizzolato volta ao Brasil com direitos negados

"Condenado a 12 anos e sete meses de prisão, ele volta da Italia sem ter conseguido um direito constitucional negado pela Justiça brasileira: o segundo grau de jurisdição", argumenta Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília; "a fuga dificilmente teria ocorrido se em agosto de 2012, no inicio do julgamento, o Supremo tivesse assegurado a ele, e aos demais réus da AP 470, o direito ao segundo grau de jurisdição"

"Condenado a 12 anos e sete meses de prisão, ele volta da Italia sem ter conseguido um direito constitucional negado pela Justiça brasileira: o segundo grau de jurisdição", argumenta Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília; "a fuga dificilmente teria ocorrido se em agosto de 2012, no inicio do julgamento, o Supremo tivesse assegurado a ele, e aos demais réus da AP 470, o direito ao segundo grau de jurisdição"
"Condenado a 12 anos e sete meses de prisão, ele volta da Italia sem ter conseguido um direito constitucional negado pela Justiça brasileira: o segundo grau de jurisdição", argumenta Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília; "a fuga dificilmente teria ocorrido se em agosto de 2012, no inicio do julgamento, o Supremo tivesse assegurado a ele, e aos demais réus da AP 470, o direito ao segundo grau de jurisdição" (Foto: Aline Lima)


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Por Paulo Moreira Leite

O retorno de Henrique Pizzolato não é uma decisão proveitosa para o Brasil nem para os brasileiros. Os leitores desse espaço sabem qual é minha opinião sobre o caso. Estou convencido de que o STF condenou Pizzolato a 12 anos e sete meses de prisão sem dispor de provas consistentes, no conhecido ambiente de perseguição e espetáculo que marcou o julgamento da AP 470.

Mas vamos deixar isso de lado por um minuto. O importante, do ponto de vista dos direitos fundamentais, é que o retorno forçado ao Brasil impediu que Pizzolato tivesse acesso a um direito constitucional que o STF negou a todos os acusados da AP 470: um segundo grau de jurisdição.

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Imagine que, salvo casos muito particulares, a Constituição garante a todo brasileiro que não tem direito ao chamado “foro privilegiado” a garantia de um segundo julgamento. Isso porque se considera não só que os juízes são falíveis, como todos os seres humanos, mas que a liberdade é um bem precioso demais para não ser protegida de mãos incompetentes e mentes temperamentais.

Por essa razão, quando o STF julgou o mensalão PSDB-MG, assegurou o segundo grau de jurisdição para todos os acusados que não eram deputados nem ministros de Estado. Feito isso, o STF também aceitou que, renunciando a seus mandatos políticos com a óbvia intenção de garantir uma vaga na primeira instância antes de ir para o STF, os políticos acusados fossem julgados, em primeiro lugar, numa Vara criminal de Belo Horizonte.

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O resultado você conhece: mais antigo que as denúncias de Roberto Jefferson, o julgamento do mensalão PSDB-MG sequer saiu da primeira instância. A juíza encarregada do caso já se aposentou. Vários acusados já completaram 70 anos, tornando-se inimputáveis. Em outros casos, as penas prescreveram. Enquanto os condenados do PT eram encaminhados a Papuda e Pizzolato fugia para Italia, fez-se questão de assegurar os direitos jurídicos de uma das partes, tucana. É tão escandaloso que, vez por outra, os jornais publicam editoriais lacrimosos para denunciar o tratamento desigual. Lágrimas de crocodilo comovem?

Na Itália, Pizzolato poderia obter um segundo julgamento — caso convencesse a Justiça daquele país a oferecer essa oportunidade a um condenado que tem cidadania italiana. Não deu certo mas teria sido bom para o país.

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A Itália não é só a terra da Operação Mãos Limpas, que serviu de roteiro de trabalho para o juiz Sérgio Moro construir a Lava Jato. Também foi lá que o professor Luigi Ferragioli construiu a teoria garantista, que sustenta que a principal tarefa da Justiça deve ser a proteção das garantias individuais frente ao Estado. Foi uma doutrina particularmente necessária num país que julgava o terrorismo das Brigadas Vermelhas e outros grupos armados dos anos 1970 e 1980. Não por acaso, o garantismo recebeu a benção de Norberto Bobbio, um dos principais intelectual do mundo naquela época.

Mesmo que não seja possível antecipar a sentença final, um segundo julgamento permitiria um novo olhar sobre provas e denúncias que entre 2005 e 2012 foram examinadas em ambiente politizado e tendencioso. Fatos e testemunhos que poderiam ser úteis à defesa foram arquivados num inquérito paralelo que acabou mantido em segredo e não puderam ser consultados pelos próprios ministros — só Joaquim Barbosa e o PGR Antônio Carlos Fernando tiveram acesso integral a eles.

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Neste inquérito ficaram arquivadas diversas descobertas interessantes. Por exemplo: ali se pode saber que Pizzolato, condenado por liberar verbas publicitárias que — conforme a denúncia — foram usadas na compra de votos, jamais foi responsável pelos pagamentos. Nunca liberou l centavo, quanto mais os R$ 55 milhões que, também segundo a denúncia, totalizaram os gastos denunciados na AP 470.

Este dinheiro era liberado pela assinatura de outro diretor do Banco do Brasil — remanescente da gestão do PSDB à frente da instituição — convenientemente mantido longe do banco dos réus. Ali também se encontra uma novidade mais estarrecedora. Uma auditoria do Banco do Brasil concluiu, após um exame criterioso e profissional, que os recursos que — em tese — teriam servido ao esquema não pertenciam a instituição. Eram propriedade de uma empresa privada, Visanet, que jamais registrou um desfalque desse volume gigantesco em sua contabilidade. Por fim, um segundo julgamento poderia permitir que se debates notas de gasto e de empenho que, segundo a defesa, permitem sustentar que os recursos gastos não foram desviados — mas gastos exatamente como manda o figurino.

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A possibilidade de que fatos tão absurdos pudessem ser revelados e debatidos num país estrangeiro ajuda a entender o esforço do Ministério Público para garantir que Pizzolato fosse devolvido ao Brasil sem acidentes de percurso. O MP conseguiu até o direito de falar em nome do Estado brasileiro nas negociações com as autoridades italianas, atribuição diplomática que, na interpretação jurídica corrente, deve caber ao Executivo — afinal, este é que tem a delegação popular para falar em nome dos interesses do Brasil, certo?

Não pretendo julgar Pizzolato pela decisão de fugir. Cada um sabe como deve reagir diante de uma ameaça a própria liberdade, em especial em função de uma decisão que considera absolutamente injusta, inaceitável — e era dessa forma que ele classificava a condenação recebida no STF.

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Mas é inegável que, ao deixar o Brasil, Pizzolato pretendia — talvez por vias tortas — conseguir um direito que a justiça brasileira lhe negou. A fuga dificilmente teria ocorrido se em agosto de 2012, no inicio do julgamento, o Supremo tivesse assegurado a ele, e aos demais réus da AP 470, o direito ao segundo grau de jurisdição.

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