Omissão nos livros militares

Os acontecimentos de um período triste da história do Brasil continuam sendo abordados de forma inaceitável dentro de instituições de ensino militares brasileiras



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Os acontecimentos de um período triste da história do Brasil, os quais têm sido expostos com mais clareza a partir dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, iniciados no ano passado, continuam sendo abordados de forma inaceitável dentro de instituições de ensino militares brasileiras.

Segundo matéria divulgada nesta semana pelo jornal Folha de S.Paulo, livros e materiais didáticos utilizados nas escolas militares do país contêm sérias distorções e omitem informações cruciais para o entendimento de episódios ocorridos durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985.

Para se ter uma ideia da distância que esses "ensinamentos" guardam da realidade, um dos volumes trata o golpe como a "revolução de 1964", afirmando ter sido promovida por "grupos moderados e respeitadores da lei". O livro diz ainda que o Congresso Nacional declarou a Presidência da República vaga antes de eleger o general Castello Branco presidente, logo após o golpe, omitindo o fato de que o presidente deposto João Goulart ainda estava no país. Outra obra afirma que a Guerrilha do Araguaia (1972-1975) - um dos mais importantes movimentos de resistência ao regime autoritário - terminou após "a fuga dos líderes" sem, entretanto, tratar das mortes e dos desaparecimentos de guerrilheiros pelo Exército.

continua após o anúncio

A gravidade dessas mentiras ainda propaladas nas academias militares não se refere apenas ao conteúdo dirigidamente equivocado e incapaz de retratar ao menos a existência de diferentes visões sobre o golpe e o que se passou nesse período sombrio. A gravidade maior revela-se na reserva de poder que as Forças Armadas continuam exercendo, acima do poder civil constitucional.

Esses livros ajudam a formar 14 mil alunos em 12 escolas militares do Brasil. O Ministério da Educação não interfere no conteúdo curricular desses colégios, que constituem uma rede de ensino autônoma, não integrada ao MEC. Ora, não há nenhuma explicação -nem pedagógica e nem legal - para que isso ocorra dessa forma.

continua após o anúncio

É preciso o quanto antes integrar os livros didáticos dos colégios militares à política pedagógica nacional. A não subordinação dos militares ao poder civil em várias áreas, e não apenas na Educação dos oficiais nos colégios preparatórios para a carreira nas Forças Armadas, é uma herança intocável e injustificável da ditadura.

Embora alguns militares insistam na sua versão deturpada do passado recente - de que impediram o país de virar uma ditadura comunista e salvaram a democracia -, de acordo com a lei e a Constituição de 1988, o que aconteceu em 1964 foi um golpe de Estado, cujas consequências são até hoje sofridas por suas vítimas e familiares.

continua após o anúncio

A insistência em fazer crer que o duro e truculento regime ditatorial brasileiro, alinhado aos interesses imperialistas dos EUA, foi um momento heroico, marcado pelo progresso econômico e pela garantia da segurança nacional, não pode continuar sendo perpetrada descaradamente em livros didáticos ou qualquer material que se pretenda utilizar para educar, instruir e formar aqueles que antes de serem militares, são cidadãos brasileiros.

É preciso, de uma vez por todas, descortinar a verdade e deixar claro que nada tinham de moderados e respeitadores da lei os responsáveis ainda impunes por tantos atos covardes de tortura e assassinato. Não é possível sequer pensar por qual lei tenha se orientado alguém capaz de torturar crianças, a fim de atingir seus pais, como aconteceu com o jornalista Dermi Azevedo, preso pelos generais em 1974 e obrigado a assistir à tortura do pequeno filho de então um ano e oito meses. O suicídio de Carlos Alexandre de Azevedo, triste notícia recebida no fim da semana passada, foi o trágico desfecho de uma vida de sofrimento, marcada pelo trauma e pela dor de marcas indeléveis deixadas pela ditadura.

continua após o anúncio

Esses e outros tristes episódios fazem parte de uma história que, ainda que as escolas militares não queiram contar nas páginas dos seus livros, jamais se apagarão da memória de pais, mães, filhos e amigos que tiverem seus entes queridos desaparecidos ou brutalmente assassinados. Esses são fatos que, mesmo com as feridas ainda expostas, precisamos resgatar, a fim de saldar uma dívida inadiável com os bravos brasileiros que resistiram, lutaram e sofreram. Punir os culpados, ainda que tarde, e revelar a verdade é o único caminho possível para aprofundar a democracia e impedir que páginas tão sofridas sejam reescritas.

continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247