O sistema penal precisa ser repensado

Na contramão de seus propósitos, as cadeias no Brasil são cursos intensivos de práticas criminosas



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Estupros, assassinatos, roubos e tráfico de drogas são alguns dos crimes que condenaram parte dos 500 mil brasileiros que estão reclusos em regimes de exclusão social. Hoje, meio milhão de pessoas está privado do direito à liberdade. Para pagar pelo o que muitas vezes não tem preço, essas pessoas são enviadas a penitenciárias com o teórico objetivo de serem reeducadas e recuperadas. Sem a liberdade, restam as histórias temperadas a sangue e lágrimas. Cada sentença reflete vidas encurtadas ou permanentemente alteradas. No entanto, o sistema penal brasileiro está distante da perfeição. Na contramão de seus propósitos, as cadeias são cursos intensivos de práticas criminosas. Se deveriam proteger e desenvolver a sociedade, erra e a pune, amargamente.

Antes da cadeia

Muitas das vidas amontoadas nas celas espalhadas pelo Brasil foram edificadas a partir de enredos que misturam todos os ingredientes que compõem histórias de terror. As truculências do nosso sistema político-econômico, misturadas aos graves problemas históricos do Brasil, impuseram às vidas de alguns brasileiros relações destrutivas com o Estado. Antes de dividir 12 m² com outras dezenas de pessoas, alguns presos já estavam condenados pelo nosso sistema excludente. Enfrentaram todos os tipos de constrangimentos disparados pelo arsenal composto com as parafernálias do sistema capitalista. Nasceram sem o livre arbítrio e foram educados a atuar como provedores das intemperanças sociais. Identificados pela máquina que "os criou" para esse papel, tratando de marginalizá-los e incitá-los, são acorrentados e empurrados para as penitenciárias. Poucos conseguem escapar desse contexto, levando em conta que toda regra tem a sua exceção. O cidadão pode vencer os obstáculos impostos pelo sistema ou ser engolido por eles, o resultado dessa batalha é de responsabilidade do Estado.

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Segundo Karl Marx, o neoliberalismo tem um sistema penal trabalhando em prol da manutenção e "proteção" da classe dominante. Ou seja, em alguns casos, colabora para segregar a sociedade e impedir que certos indivíduos invadam a zona de conforto do topo da pirâmide e ofereçam algum risco aos privilegiados que controlam o processo econômico e político. No Brasil, esse modelo vem sendo trabalhado há muito tempo. Antes mesmo de a chibata rugir como a lei e o poder, a cadeia (ou similares) já era o caminho para quem não tinha (e não tem) nos bolsos, no sobrenome, na cor da pele e no lugar onde mora (e outros) o que é necessário para comprar um espaço entre aqueles classificados como vítimas, e não como infratores.

Dentro da cadeia

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Os Direitos Humanos não são respeitados. Sobre esse termo (Direitos Humanos) quase todo brasileiro tende a despejar litros de desprezo e incompreensão. Isso mesmo sendo os Direitos Humanos essenciais para a estrutura democrática do país. Sustentam esse posicionamento (também) o conservadorismo estúpido da classe média, a paixão, o egocentrismo e as altas doses de ignorância. O resultado dessa mistura é uma bomba irracional, que espalha atraso e pedras no caminho de um país que anseia por progresso. No entanto, é preciso levar em conta o fato de que a capacidade de análise contextual do país que o brasileiro possui é deficiente. E também não faz parte da cultura tupiniquim dosar as reflexões com racionalidade. Um país que quase não lê, pouco enxerga e pouco pensa.

E dentro das cadeias esse distanciamento entre a sociedade e as questões importantes, como a defesa dos Direitos Humanos, regados por um posicionamento político e social atrasado, a violência se torna o padrão. Com aplausos dos contribuintes e a negligência dos governantes, os presos não são reeducados e tratados, mas sim reencaminhados ao mundo do crime. Saem das prisões pós-graduados em transgressões que antes não conheciam. Então, a brutalidade social, política e econômica que articula o braço armado do sistema espreme pessoas em celas, e a violência da falha e frágil estrutura penal brasileira termina o serviço. Entram presos, errados ou não, e saem criaturas perversas criadas pela mitologia neoliberal. O indivíduo é educado a punir os cidadãos.

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O universo hostil das penitenciárias molda novos criminosos, quase não há oportunidades de recuperação. O Ministério da Justiça afirma que 70% dos presos são reincidentes. As cadeias, ou "escolas do crime", como alguns insistem em chamar, são ambientes que retratam, majoritariamente, o descaso do Estado e da sociedade. Desumanas, a maioria das celas fomenta o revanchismo. Quase 70% dos presos não cometeram crimes violentos e são arremessados a penitenciárias que os moldam para servir contra a sociedade.

Estudos coordenados por entidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos e pelo Ministério Público revelam a precariedade criminosa das penitenciárias brasileiras. Hoje, os presos cumprem penas com a privação da liberdade e com as afrontas aos Direitos Humanos, sendo que essas últimas não são previstas em nenhum lugar.

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A superlotação é uma das afrontas. Hoje, existem, aproximadamente, 1850 estabelecimentos penais espalhados pelo Brasil. Há quase 70% de presos a mais do que as vagas disponíveis. Um déficit de mais de 200 mil lugares. Sem espaço, 49 mil pessoas estão detidas em delegacias. Outro ultraje é a lentidão e a falta de precisão do sistema. Cerca de 45% do total de detentos não foi julgado e condenado e, para piorar, mais de 20 mil pessoas estão presas irregularmente, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Esses números desenham agressão e outra "afronta", a insalubridade.

Perigosas para a saúde, as cadeias acumulam doenças graves, como a tuberculose e a pneumonia. Os presos não têm atendimento médico básico e acabam sofrendo com câncer, hanseníase, distúrbios mentais e deficiências físicas. Estima-se, ainda, que 20% dessas pessoas sejam portadores do vírus HIV. Muitos presídios não oferecem o tratamento adequado contra a AIDS e permitem que o uso de drogas injetáveis sem os devidos cuidados e as agressões sexuais continuem fazendo parte da rotina da população carcerária. E se esses cuidados com a saúde não são fornecidos dentro das penitenciárias, o tratamento dentário é ainda mais precário, restringindo-se apenas à extração de dentes.

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As questões ligadas à educação também entram no rol de ofensas aos Direitos Humanos, claro. Quase metade dos presos não tem o ensino fundamental completo, e provavelmente deixam as celas (mortos ou vivos), na maior parte dos casos, sem progredir o seu grau de instrução educacional. Fator que seria interessante para a recuperação e ressocialização do indivíduo. Vedar o acesso à educação, mesmo para os presos condenados é um golpe contra a nação, porque vai contra desenvolvimento social do Estado. Dentre os encarcerados, mais de 250 mil são jovens têm menos de 30 anos de idade. São jovens presos por erros cometidos ou por injustiças sofridas, expostos a graves doenças, falta de segurança e sem educação. Esse é o objetivo das penitenciárias?

Repensar

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O sistema penal precisa ser repensado. As cadeias precisam punir? Qual o objetivo da punição? O que se obtém com ela? O Brasil não mantém, teoricamente, que transgrida os Direitos Humanos. A punição para essas pessoas já está sendo dada, quando o sistema desenvolve métodos de cerceamento da liberdade. Os presos devem ser reeducados.

Com os encarcerados o Estado tem uma ótima oportunidade para consertar graves erros cometidos, quando algumas destas pessoas estavam livres e evitar que a sociedade seja condenada. Dentro das penitenciárias, as pessoas devem continuar sendo atendidas pelo País com educação, saúde, trabalho, segurança e amparo social, para garantir os Direitos Humanos e preservar o futuro do país.

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Reformas no sistema penal são extremamente necessárias para Brasil. É preciso rever o contexto das pessoas que estão pagando por seus crimes. Não é justiça cometer injustiças contra seres humanos, independente do erro que cometeram. Uma sociedade que anseia por progresso, por liberdade, por democracia, não pode defender modelos arcaicos, presos em passionalidades prejudiciais e perigosas para o futuro da nação.

Os dados do texto foram obtidos por meio do Ministério da Justiça, obras literárias que tratam do tema e matérias de jornais.

Rafael Querrer é jornalista, repórter de política e economia e colaborador da ONG Comitê para a Democratização da Informática

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