Nostalgia do Inimigo

O desafio de uma geração sem bode expiatório



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As gerações passadas lutavam contra inimigos reais, fossem cruéis ideologias políticas, como nazismo, fascismo ou comunismo, ou sinistras formas de governo, como a ditadura militar. Saber quem era O Outro ajudava a saber quem a própria pessoa era: sou aquela que luta contra Aquilo. A leitura política do mundo fica muito mais simples quando o inimigo tem um plano, uma plataforma e um braço armado pra lidar com quem ousa criticá-lo.

É recorrente entre os seres humanos da geração dos baby boomers (aqueles nascidos logo depois da Segunda Guerra Mundial) a idéia de que “naquele tempo as coisas eram diferentes” e que a juventude de hoje está “despolitizada.” Tudo parecia mesmo eletrizante nos anos 60: lutava-se contra a caretice da geração passada, contra os militares, contra o imperialismo soviético e norte americano. Até durante a “década perdida” (os anos 80) lutava-se contra inimigos igualmente discerníveis: a inflação e, pior ainda, a dívida externa.

Não é que tenhamos chegado ao “fim da história” como sugeriu o sociólogo Francis Fukuyama ao especular sobre as conseqüências do final da Guerra Fria. Mas sem dúvida hoje a banda toca em outro ritmo: Europa e Estados Unidos, em crise econômica e com altos índices de desemprego, passaram de vilões a coitadinhos. O “choque de gerações” já passou, e hoje minorias e desviantes estão na moda. Por fim, o Brasil quitou a dívida externa e, pra botar banca, ainda virou credor do fundo. A democracia voltou pra ficar. Cadê os vilões, agora?

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O que seria senão quixotismo e nostalgia do conflito o ato de sair na rua pra fazer Marcha Contra a Corrupção, assim, de modo genérico? Uma coisa é a luta contra o corruptor e o corrompido. Outra é ser contra o conceito abstrato. Marchar contra isso tem algum efeito prático na sociedade?

Outra fantasia recorrente é defenestrar o Sistema, com S maiúsculo, ou, pior ainda, o Sistema Político. Descontentes com “tudo isso” estudantes invadem reitorias. Numa aula pública, um filósofo tenta psicanalizar o impsicanalisável: “Fala-se que movimentos dessa natureza não têm proposta. Eu posso citar pra vocês pelo menos umas cinco propostas extremamente precisas e claras.” E aí defende “investimentos na educação”, “mais impostos pros ricos, mais benefícios pros pobres”, “politização das decisões econômicas”, “estado do bem estar social” e outras pautas inéditas, além de criticar o sistema educacional chileno e o preço dos aluguéis em Tel Aviv.

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Não são ideias novas. Assim como nenhuma pessoa razoável seria a favor da corrupção, nenhum mortal dotado de discernimento poderia atacar os postulados do Estado do Bem Estar Social e os benefícios que ele proporciona pra todos. Mais do que uma idéia, é um processo que vai evoluindo aos poucos. E vai continuar a evoluir, mesmo que a “direita troglodita do agronegócio”, outro bode expiatório pra todas as mazelas brasileiras, continue a sabotá-lo.

Como disse Lula, está todo mundo ganhando dinheiro no Brasil. Nessa altura do campeonato, não parece razoável levantar ressentimentos ou fazer proselitismo a favor dos pobres, que querem cada vez mais capitalismo (carro, geladeira, computador), e não o contrário. Mas não deixa de ser curioso ver o ministro dos esportes, comunista de carteirinha, organizar um evento que é a celebração e a apoteose da economia de mercado.

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Essa falta de identificação com grandes bandeiras e ideologias já foi tema de certos estudos sociológicos, como os de Stuart Hall e seus correligionários. O sujeito “pós-moderno” ou que vive na “modernidade tardia”, como queiram, é antes de tudo um cínico e um desiludido. Vê com ceticismo os discursos populistas de ambos os espectros políticos e sabe que o “centro” acaba sendo o ponto de inflexão de vários vetores contraditórios.

Ainda assim, a vontade de ter um inimigo não desaparece. Talvez por isso, junto com a prosperidade econômica, venha a overdose de esporte a que estamos submetidos. Jovens espancam e são espancados em nome de um time de futebol, por exemplo. E há outros motivos ainda mais inusitados.

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