Niemeyer: A vida é um sopro, um minuto

Em entrevista à BBC no aniversário de 41 anos da construção de Brasília, arquiteto fala que nasceu comunista, que não acredita em globalização e que queria ser lembrado como um ser humano que passou pela Terra como todos os outros

Niemeyer: A vida é um sopro, um minuto
Niemeyer: A vida é um sopro, um minuto


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247 – Um comunista desde que nasceu, que não se apega ao dinheiro ou à vida. É assim que Oscar Niemeyer se descreve em entrevista a Isabel Murray, da BBC Brasil em 2001, por conta do aniversário de 41 anos da construção de Brasília.

O arquiteto fala de sua arte e do entusiasmo de Juscelino Kubitschek em construir Brasília do nada, o que ‘deu uma ideia ao povo brasileiro que nós podemos fazer qualquer coisa’.

E conclui dizendo que quer ser lembrado como um ser humano que passou pela Terra como todos os outros.

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Leia abaixo trechos da entrevista.

BBC Brasil - Como foi a criação de Brasília?

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Oscar Niemeyer - Brasília começou na Pampulha (conjunto arquitetônico de Belo Horizonte), em 1938. Nessa ocasião fui chamado para fazer o conjunto da Pampulha, e durante três anos trabalhei com (o ex-presidente) Juscelino (Kubitschek) lá. Foi o primeiro trabalho que ele realizou como homem público e também meu primeiro trabalho como arquiteto. Na Pampulha eu comecei essa arquitetura que mais me agrada, mais livre, mais ligada à curva, mais emocional, procurando a invenção arquitetônica. E como a Pampulha fez muito sucesso, tempos depois, quando resolveu fazer Brasília, Juscelino foi me procurar na minha casa nas Canoas. Ele me contou que iria construir a nova capital, que seria uma cidade fantástica, que tinha que fazer tudo em três anos, e a coisa começou...

A primeira vez que ele foi a Brasília, eu fui junto, de avião, com os ministros dele. E eu fiquei espantado, achei longe demais, o fim do mundo. E realmente quando começaram os trabalhos e tive que ir para Brasília, era uma solidão terrível. A gente não tinha comodidade nenhuma para viver, ficava nuns barracões de zinco. Mas havia entusiasmo, vontade de fazer a coisa. E Juscelino se empenhava, estava presente.

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O sonho de Juscelino que Brasília levasse o progresso ao interior se realizou. Outro dia fui a Goiânia e vi. Essa cidade durante a construção de Brasília era um arrabalde, uma cidadezinha qualquer, hoje é uma cidade grande, com progresso, prédios grandes, parques, cinema, tudo. É que a ideia de levar o progresso para o interior realmente se realizou.

Agora o resto é que Brasília foi um momento de entusiasmo, de otimismo, e isso foi muito bom para nós. E ficou essa ideia, que pela primeira vez se fez uma cidade em três anos. Deu uma ideia ao povo brasileiro que nós podemos fazer qualquer coisa.

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Quanto o senhor ganhou para fazer Brasília?

Eu ganhava em Brasília salário de funcionário. Então eu fechei meu escritório e Brasília só me deu prejuízo. Uma noite, durante os trabalhos, Juscelino me ligou e disse "Niemeyer, você está ganhando muito pouco, eu quero que você faça os projetos do Banco do Brasil e do Banco de Desenvolvimento Econômico pela tabela do Instituto de Arquitetos". Eu disse:

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"Não, não faço. Sou funcionário, não faço trabalho que não seja os que tenho que fazer aí mesmo." E esse foi o clima sob o qual Brasília foi feita - de muito entusiasmo, de muito desinteresse por dinheiro.

Se Brasília fosse construída hoje, o que seria feito diferente?

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Ah, não sei... Se tivesse mais tempo seria diferente, ela foi feita às pressas. Talvez eu propusesse fazer somente os prédios governamentais e hotéis. Porque quando chegou nessa fase de fazer a cidade, com ruas e tudo, a arquitetura se desmereceu um pouco. Mas ficou esse exemplo. Quem quiser criticar Brasília, tem poucos argumentos. Primeiro, porque foi fantástico construir uma cidade em três anos. E segundo porque quem for a Brasília, pode gostar ou não dos palácios, mas não pode dizer que viu antes coisa parecida. E arquitetura é isso - invenção.

Que importância teve o arquiteto francês Le Corbusier no seu trabalho?

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Acho que ele foi um arquiteto muito importante. Mas a minha arquitetura foi diferente, muito diferente da dele. A dele era mais pesada, predominância do ângulo reto... Acho que a única influência que eu tive dele foi no dia que me disse: "Arquitetura é invenção". E isso eu tenho tomado como norma quando faço um trabalho. A preocupação é fazer diferente.

O senhor ainda é comunista?

Eu nasci comunista. Meu avô foi ministro do Supremo Tribunal por muitos anos. Quando ele morreu só ficou a casa em que morávamos, hipotecada. Por isso tenho muito respeito pelo meu avô Ribeiro de Almeida, porque ele foi um sujeito importante na vida pública, mas morreu teso. Eu não dou a menor importância a dinheiro. Nem à própria vida. A vida é um sopro, um minuto. A gente, nasce, morre. O ser humano é um ser completamente abandonado...

Não é anacrônico, no ano 2001, continuar com ideias comunistas?

Não. O ridículo é criticar isso. Porque a ideia do comunismo está lá. Existe, foi criada por Lênin, por Stalin. Transformaram matéria de mujiques (camponeses russos) na segunda potência, foram à lua, venceram a guerra... Quem venceu a guerra não foram os americanos, foram os comunistas, foi o Exército de Stalin que reagiu. Essa ideia está no coração do povo soviético. O comunismo que vai vir depois não é esse comunismo que alguns dizem que vai ser diferente. É o comunismo dos que conheceram um período de mais apoio, de ter sua casa, num clima mais plural, esse é o regime que eles querem. Não quero discutir Stalin. Eu acho que quem pode dizer se Stalin foi bom ou ruim é o povo soviético.

Há pouco tempo esteve em meu escritório um homem que está lutando pela volta do comunismo. Quando o vi muito desenvolto, eu perguntei "E Stalin? " Ele disse: "Estamos de acordo com tudo que ele disse e que ele fez". Mas esse negócio de Stalin não é comigo. Só tenho a ver com a vida brasileira, com o povo brasileiro. Não acredito em globalismo [globalização], não acredito em nenhuma dessas invenções dos americanos. Só acredito que eles querem invadir a Amazônia. O homem não consegue viver como devia viver, solidário, nesse espaço tão curto que a gente tem para passar por aqui, sem pedir a ninguém e com tanto problema.

O tema das curvas é sempre recorrente em suas obras...

A curva no concreto surge naturalmente. Se você tem que vencer um espaço grande, a curva é a solução natural que o concreto armado pede. E o mundo é cheio de curvas. Até já fiz um verso elogiando as curvas...

Como o senhor quer ser lembrado --como o arquiteto de Brasília?

Como um ser humano que passou pela Terra como todos os outros --que nasceu, viveu, amou, brincou, morreu, pronto, acabou!

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