Não perca tempo com Reinaldo, Mercadante

Ministro da Educação defendeu, em entrevista, tema da redação do Enem deste ano, que, como já foi dito aqui, foi muito bem escolhido; a histeria de sempre parte do porta-voz da intolerância, Reinaldo Azevedo

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247 - Tema da redação do Enem deste ano, o movimento imigratório para o Brasil neste começo de século foi uma escolha adequada (leia mais aqui). Mas diante de algumas reações extremadas, o ministro Aloizio Mercadante se viu tentado a responder aos ataques. Melhor teria sido ignorá-los. 

Abaixo o texto da Agência Brasil:

Yara Aquino
Repórter da Agência Brasil

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Brasília – O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, defendeu hoje (5) o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aplicada ontem (4), no segundo dia de prova, que provocou surpresa e também reclamação por parte de alguns estudantes. O tema proposto foi O Movimento Imigratório para o Brasil no Século 21.

“Temos uma comissão competente que considerou, entre tantas sugestões de tema, este o mais adequado. Ele pressupõe a capacidade de articular informações e refletir sobre o momento que o Brasil está vivendo. O Brasil é um país que teve uma diáspora, mas com a estabilidade, a democracia, hoje atrai povos. Acho que é um tema bastante contemporâneo, desafiador e não previsto”, disse, após participar de cerimônia no Palácio do Planalto. Mercadante acrescentou que, ao longo das questões, a prova trazia exemplos que ajudavam na reflexão sobre o tema da redação.

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Mercadante disse que ainda não é hora de comemorar o sucesso do Enem, já que o exame só pode ser considerado encerrado após o dia 28 de dezembro, quando for divulgado o resultado. “Não tem nada para comemorar. A equipe tem que continuar trabalhando com seriedade e pé no chão."

Em relação à segurança das provas, o ministro avaliou que os problemas ocorridos em edição anterior fizeram com que o planejamento fosse reforçado, evitando novas ocorrências. “Todos aprendem com os erros e os erros serviram para triplicarmos o nível de exigência no planejamento. Ampliamos o esforço na área de segurança, de elaboração de provas”, explicou.

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Sobre a informação falsa divulgada, por duas vezes, na internet que a prova do Enem teria sido cancelada, Mercadante reforçou que a Polícia Federal investiga o caso. “Precisamos inclusive de ajustes na legislação para que não tenha tentativa de desestabilizar o processo que para a ampla maioria dos brasileiros é um momento decisivo”.

O Enem deste ano registrou abstenção de 27,9% dos participantes. Ao todo, compareceram 4,1 milhões de alunos nos 15.076 locais de provas localizados em 1.615 municípios.

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Abaixo o texto de Reinaldo Azevedo:

O tema estúpido da redação do Enem, as mentiras do examinador e as duas exigências absurdas feitas aos estudantes. Ou: Intelectualmente falando, prova de redação deveria ser impugnada!

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Não vi no detalhe a prova do Enem. Sei que professores de cursinho divergem sobre a resposta de algumas questões, a maioria relacionada a interpretação de texto, que costuma mesmo ser terra de ninguém. Mas não vou me ater a isso agora. Quero aqui comentar o tema da redação.

Poucas pessoas se deram conta de que o Enem — quem quer tenha elaborado a prova — deu à luz uma teoria e obrigou os pobres estudantes a escrever a respeito, a saber: “O movimento imigratório para o Brasil no século XXI”. Ainda que houvesse efetivamente um fenômeno de dimensão tal que permitisse tal afirmação — não há —, cumpre lembrar que estamos apenas nos 12 primeiros anos do referido século.

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“Século”, em ciências humanas, não é só uma referência temporal. É também um tempo histórico. Mais 30 anos podem se passar, sem que tenhamos chegado à metade do século 21, e podem diminuir drasticamente as correntes — que nem são fluxo nem são movimento — de migração para o Brasil. Tratar esse evento como característica de século é burrice. Provo: “O PT é o partido que mais elegeu presidentes no século XXI”. O que lhes parece? Ou ainda: “O PSDB é o maior partido de oposição do século XXI no Brasil”. Ou isto: “O PMDB, no século 21, participa de todos os governos”.

Ao estudante, são apresentados três textos de referência. Um deles trata da imigração para o Brasil no século 19 e começo do século 20 e de sua importância na formação do país. Um segundo aborda a chegada dos haitianos ao Acre, e um terceiro trata dos bolivianos clandestinos que trabalham em oficinas de costura em São Paulo.

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Vejam que curioso. O examinador acabou fazendo a redação — e das ruins, misturando alhos com bugalhos. Tenta-se induzir os alunos a relacionar essas duas ocorrências recentes — a chegada de haitianos e de bolivianos — aos fluxos migratórios do passado, quando houve um claro incentivo oficial à entrada de imigrantes. Os fatos de agora não guardam qualquer relação de forma ou conteúdo com o que se viu no passado.

Mas e daí? O Enem não está interessado em rigor intelectual — e bem poucos alunos do ensino médio teriam, com efeito, crítica suficiente para estabelecer as devidas diferenças. A prova não quer saber dessas diferenças — e chego a temer que um aluno mais preparado e ousado, coitado!, possa quebrar a cara. Um ou outro poderiam desmoralizar a “teoria”, com o risco de ser desclassificado.

Na formulação da proposta, pede-se que o aluno trate do tema “formulando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos”. Assim, exige-se do pobre que, além de defender e sustentar com argumentos uma tese estúpida, ainda se comporte como um verdadeiro formulador de políticas públicas ou, sei lá, um especialista em populações.

Essas duas exigências foram já incorporadas às provas de redação do Enem. Muito bem: digamos que um estudante seja contrário a que se concedam vistos a quaisquer pessoas que cheguem clandestinas ao Brasil, defendendo que sejam repatriadas. Esse aluno hipotético estaria apenas cobrando respeito à lei — pela qual deve zelar o Poder Público — o mesmo Poder Púbico que realiza a prova.

Digam-me cá: a repatriação de clandestinos é uma “intervenção aceitável”, ou o estudante está obrigado a concordar com o examinador, como há de ceder que, afinal, dois mais dois são quatro? A repatriação, no caso, seguindo os passos das leis democraticamente instituídas no Brasil, caracteriza um atentado aos direitos humanos? Até agora, o próprio governo federal não sabe o que fazer com os haitianos, e o Ministério Público do Trabalho não consegue coibir a exploração da mão de obra boliviana. Por que os estudantes teriam de ter para isso uma resposta?

Atenção! Eu nem estou aqui a defender isso ou aquilo. Noto apenas que a imigração ilegal divide opiniões no mundo inteiro e que é um absurdo, uma arrogância inaceitável, que se possa, depois de inventar uma tese, estabelecer qual é a opinião correta que se deve ter a respeito, exigindo ainda que os estudantes proponham “intervenções”, porém vigiados pelo “Tribunal dos Direitos Humanos”. Aí o bobinho esperneia: “Mas defender os direitos humanos não é um bem em si, um valor em si?”. Claro que é! Assim como ser favorável ao Bem, ao Belo e ao Justo. A questão é saber que tribunal decide quando “os direitos humanos” estão ou não a ser respeitados. Eu, por exemplo, considero que seguir leis democraticamente instituídas ou referendadas, segundo os fundamentos da dignidade humana (a integridade física e moral), é uma expressão eloquente dos… direitos humanos!

A prova é apenas macumbaria multiculturalista mal digerida — não que possa haver uma forma agradável de digeri-la, é bom deixar claro! As provas de redação do Enem — e de vários vestibulares — têm cobrado que os alunos sejam mais bonzinhos do que propriamente capazes.

Não por acaso, nas escolas e nos cursinhos, as aulas de redação têm-se convertido — sem prejuízo de o bom professor ensinar as técnicas da argumentação — numa coleção de dicas politicamente corretas para o aluno seduzir o examinador. Com mais um pouco de especialização, o pensamento será transformado numa fórmula ou numa variante do “emplastro anti-hipocondríaco”, de Brás Cubas (o de Machado de Assis), destinado “a aliviar a nossa pobre humanidade da melancolia”.

É o que têm feito os professores: um emplastro antipoliticamente incorreto, destinado a “aliviar os nossos pobres alunos da tentação de dizer o que eventualmente pensam”.

Isso, como todo mundo sabe, é o contrário da educação.

A partir de hoje, começo a escarafunchar as teses de especialistas brasileiros em geografia humana e populações em busca do “Movimento Migratório para o Brasil no século 21″ — nada menos. Segundo critérios estritamente intelectuais, essa prova de redação deveria ser simplesmente impugnada.

Sei que não é conforto para os alunos que fizeram a prova, mas escrevo mesmo assim: se vocês não tinham muito o que dizer a respeito, não fiquem preocupados — vocês foram convidados a falar sobre uma falácia, sobre o nada.

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