“Ministério Público age como no tempo do regime militar”, afirma juiz Ali Mazloum

Em sua Vara Criminal, ele instituiu o Processo Cidado, que est modernizando e dando velocidade ao julgamento de casos; Ou se cumpre a Constituio, ou se tira esse juiz, diz



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Claudio Julio Tognolli, 247 _ O juiz Ali Mazloum , da 7ª Vara Criminal de São Paulo, ficou famoso por ter condenado o deputado e delegado federal Protógenes Queiroz – convertido em celebridade após de ter prendido o empresário Daniel Dantas. Os esforços de Queiroz foram sepultados semana passada pelo STJ, que considerou a Operação Satiagraha, que prendeu Dantas, ilegal. Outro desdobramento do caso está nas mãos, agora, do STF, com o ministro Dias Tofoli. O magistrado vai analisar a presença de interesses privados supostamente patrocinando a Satiagraha. A quebra do sigilo telefônico de Queiroz foi autorizada pelo juiz Mazloum a pedido do delegado Amaro Vieira Ferreira, da Corregedoria da Polícia Federal. O caso foi repassado para a 3ª Vara Federal Criminal. O juiz dessa vara, Toru Yamamoto, mandou o caso para o STF, que o distribuiu para Tofoli. Como se vê, as barbaridades da Satiagraha só foram trazidas à luz pública pelas mãos do juiz Ali Mazloum.

“O Ministério Público Federal age como na ditadura, ainda, e persegue acusados e réus como se fossem inimigos daquele antigo regime. O estado policial ainda existe hoje”, acusa Mazloum, que recebeu a reportagem do Brasil 247 para dizer um punhado de coisas. Entre elas, que ele se orgulha de ter tornado sete membros do Ministério Público Federal réus: seis acusados em ações civis, um em ação criminal. Mazloum também revela que está sendo processado pelo MPF por ele ter tirado, em sua Vara, o lugar físico do procurador da República – que fica ao lado do juiz. “Como aquele que acusa o réu pode sentar, com imparcialidade, ao lado de quem vai dar a sentença do caso?”, pergunta-se Ali Mazloum.

Ele chega aos 50 anos de idade com a vontade propagar o que chama de seu clima de festa institucional. Trata-se do ‘sistema Ali Mazloum’ criado para a Sétima Vara Criminal Federal, que ele comanda, batizado de “Processo Cidadão”, de resto uma novidade única no Brasil. Pelo sistema, qualquer acusado fica sabendo o dia em que começa e o dia em que termina seu processo. E mais: o Oficial de Justiça vai à casa dos réus apenas uma vez. Nessa visita, os acusados ficam sabendo de todos os atos judiciais que irão enfrentar. E mais ainda: todo e qualquer processo na vara de Ali Mazloum terminará, inexoravelmente, em dez meses. Foi assim que sua vara, que tinha 1.300 ações penais no início do “Processo Cidadão”, em agosto de 2008, hoje toca apenas 380 processos. E neste ano de 2011, cairão para apenas 300 – uma meta que vai muito, muito além, dos rigorosos objetivos de celeridade impostos pelo todo-poderoso Conselho Nacional de Justiça.

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Mazloum nasceu na Penha, na zona leste de São Paulo, filho de um árabe analfabeto, tem oito irmãos, cinco deles seguidores de carreiras na Justiça e no Ministério Público.

Em dezembro de 2004, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal extinguiu a ação penal que corria contra Mazloum, por 4 votos a 1, acusado de venda de sentenças. O Supremo rechaçou, assim, todas as acusações que vinham sendo sustentadas pelo Ministério Público. Elas foram repelidas e arquivadas pelo STF, que as considerou uma teratologia, uma monstruosidade jamais ocorrida, em igual tamanho, na história do direito penal brasileiro. Com a pacificação do STF, Mazloum foi reconduzido ao cargo e tornou da sua vara um exemplo de eficácia, que vem sendo copiado em todo o Brasil. “O Ministério Público Federal, tratando de um assunto que não tinha nada a ver com o meu, chegou ame fazer indagações absurdas se eu tinha parentesco com o ex-ditador Saddam Hussein” lembra o juiz inocentado.

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Hoje, Mazloum filosofa: “Saiba que meu sobrenome, Mazloum, em árabe significa “O Injustiçado, ”. Seu pai, Mohammed Houssein Mazloum, fugiu da miséria, no vale do Bekaa, e chegou ao Brasil em 1950. Ganhava a vida como mascate nos bairros de Vila Formosa e Penha, para depois se fixar em Guarulhos, também na zona leste de São Paulo, na qual o apelido de “senhor nota fiscal”. Segundo o filho porque gostava de seguir a lei à risca.

Confira o desabafo de Mazloum na entrevista exclusiva ao 247:

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Brasil 247 _ O que há de mal no Direito, hoje, no Brasil?

Ali Mazloum _ Há um vezo do Ministério Público Federal de estimular delações quando é para complicar a vida de seus adversários. Logo essas delações são aceitas como verdadeiras quando vêm ao encontro daquilo que os promotores querem ouvir. O delator sabe que deve dizer aquilo que interessa ao acusador, não o que interessa à apuração da verdade. As delações abreviam investigações e, para obtê-las, muitas vezes são utilizados métodos intimidatórios, pouco convencionais, comparados a padrões típicos de assédio moral. Emprega-se nas delações a máxima fascista de que os meios justificam os fins. É preciso mais cautela por parte dos juízes. O MPF atuou como longa manus do regime militar. Acrescento que, tanto é verdade que o MPF esteve a serviço do regime, que, apesar das várias torturas, prisões ilegais e assassinatos, o MPF nunca ingressou com qualquer medida, na época, para punir ou apurar responsablidades dos torturadores.

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247 - Como é o sistema de tramitação de processos a serem julgados que o sr. inventou?

Mazoloum - A Sétima Vara Criminal tinha graves problemas de demanda, grande número de processos, estrutura bem pequena, reduzida mesmo. Então, nós tentamos partir para a criatividade. Dentro da própria legislação processual, nós procuramos estabelecer novas práticas, novas ações de trabalho, de modo a tentar reduzir o número de ações. Reduzir o número de vezes que o funcionário tem de intervir no processo para fazê-lo caminhar. Com isso, procuramos estabelecer de forma vigorosa, também, o princípio da igualdade entre acusação e defesa, o princípio da presunção de inocência, o princípio da dignidade da pessoa humana. Nós conseguimos chegar a esse modelo, que demos o nome de Processo Cidadão. Para você ter uma idéia, em 2006 até o final de 2007, a Sétima Vara Criminal, dentre todas as dez varas da capital paulista, era a pior, a que tinha o maior número de processos. Nós tínhamos aí cerca de 1.300 ações penais em andamento, fora inquéritos. Só ações penais em movimento. Hoje, passados dois anos com esse modelo de Processo Cidadão, nós temos 350 ações penais em andamento. Hoje, uma pessoa que é acusada pelo Ministério Público e tem aceita essa acusação contra ela, essa pessoa sabe que vai ser julgada em dez meses, no máximo. Ela sabe exatamente tudo que vai acontecer no processo. O processo deixa de ser uma caixa de surpresas para o cidadão. Ele sabe exatamente o dia que começou o processo e o dia que vai ser julgado.

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247 - O sr. acha que nos modelos atuais, face essa Polícia Federal “republicana”, que foi criada no governo Lula, acabou sendo criada uma instituição de se fazer provas contra as pessoas sem dar direito de defesa, ou seja, o Ministério Público está com superpoderes?

Mazoloum - Eu começo dizendo o seguinte: desde a Constituição de 1988 nós temos um Estado Democrático de Direito. Agora, que Estado Democrático de Direito é esse, onde um cidadão é simplesmente surpreendido às 6h00 da manhã em sua casa, com uma polícia fortemente armada, ingressando dentro de seu lar, na presença de crianças, na presença de familiares, e muitas vezes o cidadão sendo acusado, processado criminalmente, que isso é muito grave, sem nunca ter sido ouvido? Então, nós vivemos distorções que foram, inclusive, muito combatidas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes, que com muita coragem denunciou o crescimento de um estado policial. Eu, aqui na Sétima Vara Criminal, pude constatar, pude verificar, pude comprovar métodos de polícia secreta, métodos de polícia típica de regimes de força. E ainda por cima, o pior de tudo é termos um Judiciário acuado, um Judiciário acovardado, como denunciou bem o ministro Gilmar Mendes. É preciso que os juízes se conscientizem que existe uma Constituição que não concede a qualquer órgão do Estado, especialmente órgãos da persecução penal, que é a Polícia Federal e o Ministério Público, no caso o nosso aqui na área federal, não concede privilégios, não concede prerrogativas que o cidadão não goza também. Defeso à esses órgãos, aliás, utilizar os instrumentos constitucionais que estão lá à disposição, que é o instrumento de investigação, o inquérito policial, a ação penal, utilizar esses instrumentos como forma de vingança, como forma de perseguição pessoal, e é coisa que nós até hoje assistimos, e a grande maioria se cala. Esse é o estado democrático que nós temos hoje.

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247 - Muito se diz que o Ministério Público Federal, tecnicamente, oferece denúncias sem provas e arruma as provas lá pra frente. Isto é real?

Mazoloum - Eu tenho constatado isso aqui na Sétima Vara -- nós realmente olhamos, nós estudamos uma acusação antes de abrir um processo. Eu tenho rejeitado muitas ações penais, porque muitas vezes a denúncia é feita sem uma base na realidade dos fatos. O próprio ministro Gilmar Mendes denunciou várias vezes esse grande número de denúncias ineptas. Então, isso é prova, eu volto a dizer, de um estado policialesco, de um estado de força. É, sim, o uso de instrumentos constitucionais democráticos, mas para aterrorizar o cidadão. E eu posso te dizer, sim, que o Ministério Público Federal muitas vezes oferece denúncias sem provas, oferece denúncias com base em presunções e conjecturas. Muitas vezes a prova está apenas dentro da cabeça do acusador, o que é um absurdo. Infelizmente, muitas denúncias dessas passam no Judiciário. Então, nós temos hoje, inclusive, um Ministério Público Federal que, de forma muito estranha, passa a tomar certas pessoas, certos perfis como inimigos. Há um maniqueísmo. É justamente aquele que não compactua das idéias dele, é aquele que pensa diferente. Então, ele passa a ser considerado pelo Ministério Público Federal como um agente do mal. E aí passam a perseguir, a praticar ações movidas muitas vezes por um espírito de emulação. Eu posso dizer tranquilamente isso porque eu e minha família, nós infelizmente temos que passar metade do nosso tempo nos defendendo de absurdos, de coisas risíveis que o Ministério Público Federal tem armado. Então, essa é uma instituição que, infelizmente, apesar da importância, na qual alguns membros não entenderam a grandeza dessa instituição e usam o Ministério Público Federal para atacar adversários, para atacar pessoas que não compactuam com aquilo que eles pensam.

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247 - Tecnicamente, como o sr. vê uma saída para esse mecanismo?

Mazloum - O fortalecimento do poder Judiciário. Nós temos um Judiciário, eu volto a dizer, fraco, um Judiciário omisso, de um modo geral. Nós temos, pontualmente, algumas reações, algumas grandes decisões realmente que acabam colocando as coisas no lugar, mas de um modo geral, especialmente na área federal, na Justiça Federal, existe ainda esse compadrio entre Ministério Público e Judiciário - e isso tem que acabar. Eu hoje, por exemplo, tenho enfrentado representações, mandados de segurança, armações de alguns membros do Ministério Público que ficaram, vamos dizer assim, sentidos, como se isso aqui fosse uma coisa pessoal, privada, porque eu decidi que acusação e defesa têm de atuar em pé de igualdade. Afinal, tem de haver um tratamento isonômico entre os dois. E eles não aceitam. Eles entendem que o estado democrático é aquele em que o acusador está colado no juiz na sala de audiência, mas o problema é que isso é um absurdo. Isso é um ranço do regime militar. Acontece que o Ministério Público Federal foi um órgão que atuou a longa manus do regime militar, age geralmente de forma atrabiliária, faz acusações sem provas porque ele quer espalhar o terror. Esse é o viés que domina a mente de alguns procuradores. Isso tem de muda. Isso aqui é um Estado Democrático de Direito. Eu posso dizer, inclusive, que a prova de que o Ministério Público Federal atua a longa manus do regime militar é a própria Loman, a Lei Orgânica da Magistratura. Veja bem: em nenhuma instituição no Brasil, nenhuma, os processos administrativos têm a participação de um agente externo. Se você pegar a polícia, por exemplo, nas sindicâncias internas não participa nenhum membro do Ministério Público do Judiciário, porque é uma apuração interna. A corregedoria abre uma sindicância, e no Ministério Público é a mesma coisa. Mas a Loman, que é uma lei do regime militar, você vai abrir lá e está a figura do Ministério Público, que participa dos processos administrativos contra juízes. Por que só a Loman, por que só o Judiciário? Isso foi uma lei do regime militar que até hoje está em vigor e ninguém fala nada, como se isso significasse transparência. Isso é mentira, porque transparência nós temos hoje na Corregedoria, nós temos Conselho Nacional de Justiça, nós temos Conselho da Justiça Federal, nós temos sociedade, temos OAB, não precisa de um membro do Ministério Público ali nas sindicâncias atuando como acusador. Esse é o pior. Ele atua lá como acusador, isso é do regime militar. É uma vergonha que o Brasil ainda permita esse tipo de coisa, tudo por uma questão de, vamos dizer assim, de medo ou de falta de vontade política de ter um Judiciário forte, sem medo de julgar, sem receio de contrariar interesses seja de quem for.

247 - O sr. está sendo processado porque postula a democratização em que o juiz não fique ladeado por um membro do Parquet, uma vez que, aos olhos do réu, isso já seria uma tomada de posição do juiz ao lado Ministério Público. Tecnicamente o que aconteceu agora, pelo fato de o sr ter abolido esses sistema?

Mazloum - O que eu fiz foi o seguinte: coloquei o Ministério Público lado a lado com a defesa. Retirei o promotor do tablado de onde ficava o juiz para que todos ficassem em pé de igualdade. Ocorre que o Ministério Público Federal entende que ele tem que estar colado à figura do juiz, ele entende como se isso fosse algo próprio da nossa democracia. O que não é verdade, se essa tese, se isso simbolismo apregoado pelo Ministério Público fosse real, então a Síria seria uma grande democracia e os Estados Unidos seriam uma ditadura. É um absurdo. Você procura cumprir a constituição, cumprir a lei, porque a Defensoria Pública da União tem o direito de estar no mesmo plano do Ministério Público, e plano não é só físico, é plano de igualdade de tratamento. Então você procura cumprir a lei, colocar também a OAB numa situação de igualdade de armas, e você ainda é alvo de representações, você é alvo de armadilhas, e totalmente descabidas, com base em mentiras, e você passa a ser um juiz que usa metade do seu tempo só pra ficar se defendendo dessas asnices, dessas besteiras, dessas coisas atrabiliárias, e que ninguém vê, ninguém fala nada. Nós temos infelizmente inclusive um Tribunal Regional Federal, da terceira região, onde alguns de seus membros compactuam com esse tipo de ação do Ministério Público Federal, existe uma espécie de consórcio realmente, onde você não tem o direito de falar. Então hoje nós temos aí a marcha da liberdade, mas o juiz não, ele quer um juiz dócil, e isso não vão ter. Eu não estou aqui para brincar ou por causa de um simples emprego, eu estou aqui porque sou juiz. O dia que acharem que eu não posso mais ser juiz, então eles que me tirem. Eu vou procurar outro trabalho, que eu tenho certeza que não vai faltar. Mas estou aqui por vocação, e enquanto eu estiver aqui a constituição federal vai ter que ser cumprida. Ou cumpre a constituição federal ou tira o juiz, das duas uma. Isso é um absurdo, a gente está vivendo uma espécie de ditadura camuflada com democracia, uma coisa de louco. Então você não pode falar, não pode inclusive exercer sua jurisdição, é um absurdo mesmo.

 

 

 

 

 


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