Mensalão: o outro lado da história

Jornalista Renato Dias analisa o livro escrito pelo jornalista Paulo Moreira Leite e aponta os diversos furos da Ação Penal 470, a começar pelo fato que o mensalão nunca foi mensal, como o nome sugere

Mensalão: o outro lado da história
Mensalão: o outro lado da história


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* Por Renato Dias

O mensalão nunca foi mensal, produziu condenações por antecipação, desconsiderou a investigação da Polícia Federal, manteve um desprezo excessivo pela isenção e revelou que a mídia fez das tripas coração para acuar o Supremo Tribunal Federal (STF). Mais: grupos econômicos que contribuíram com as empresas do publicitário Marcos Valério não foram investigadas e muito menos julgadas. É o que revela o jornalista Paulo Moreira Leite em “A Outra História do Mensalão – As Contradições de um Julgamento Político” (2013), Geração Editorial, 349 páginas.

Segundo ele, o STF teria mantido também uma postura de tolerância em relação a possíveis corruptores. O autor denuncia o que chama de marcha de “criminalização da política”. “Em nome do combate à subversão e à corrupção, Carlos Lacerda pregava  a destituição de um governo constitucional, de João Goulart”, recorda-se. Ano: 1964. Não custa lembrar: a conspiração virou golpe de Estado. Em 31 de março do mesmo ano. O blogueiro cita ainda o liberal “insuspeito” Demétrio Magnoli, colunista do Estadão, que diz que ’o PT não é uma coleção de marginais’.

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Atual diretor da sucursal de Brasília da revista Isto É, ele lembra que o STF, à época do Estado Novo, autorizou a extradição de Olga Benario, grávida, morta depois em um campo de concentração nazista. Mais: aceitou a tese de que a Presidência da República ficara vaga, sem Jango, e abençoou a ditadura civil e militar. Tempos depois, absolveu, por falta de provas, Fernando Collor, e, por 7 a 2, impediu uma nova interpretação da Lei de Anistia. Ele recorda-se do arquivamento do caso de compra de voto para aprovar a emenda da reeleição de Fernando Henrique.

Gênio do mal?

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Cáustico, ele frisa que, para quem transformou o ex-ministro-chefe da Casa Civil e ex-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores José Dirceu no cérebro e gênio do mal, a investigação da PF é “uma decepção”. “O relatório não aponta uma linha contra ele”, explica. Preto no branco: não há provas, denúncias ou testemunhas. Longe disso. É que a tese principal do escândalo do mensalão, como um sistema regular de compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional, não estava demonstrada no inquérito da Polícia Federal.   

Ex-O Trabalho e ex-diretor de redação da semanal Veja, com passagens por Época e O Estado de S. Paulo, ele afirma que, nos autos, nas centenas de páginas do inquérito da PF, não existe menção de José Dirceu como o “chefe da quadrilha”. Números: o inquérito ouviu nada mais, nada menos do que 337 testemunhas.  Mesmo sem provas, os grandes conglomerados de comunicação do Brasil insistiam e crêem que se trata do “maior escândalo de corrupção da História”. Sociólogo, FHC já dizia: ‘opinião pública não existe’. O que há é opinião publicada. Então, tá!

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O engraçado, alfineta, indignado,  Paulo Moreira Leite, é que a mesma mídia deu pouca importância ao mensalão tucano [Do PSDB de Minas Gerais, com Eduardo Azeredo, Aécio Neves e companhia Ltda.]. “Até por antiguidade (1998), o mensalão mineiro, que entrou em atividade quatro anos antes, deveria ter preferência no julgamento”, acredita. Mas, em março de 2013, não existe nem data para começar. Mais antigo, o mensalão mineiro envolve o mesmo operador, Marcos Valério, as mesmas agências de publicidade e até o BB (Banco do Brasil). 

Desmembramento

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“Mesmo assim ele foi desmembrado, o que permite aos réus o direito a um segundo julgamento. Detalhe: com o mensalão petista, isso não ocorreu. Longe disso. Dois pesos, dois mensalões, ironiza o jornalista Jânio de Freitas, ex-Jornal do Brasil e colunista do jornal Folha de S. Paulo, no prefácio de “A Outra História do Mensalão – As Contradições de um Julgamento Político”, que já entrou para a lista dos livros mais vendidos da semana da revista Veja,Editora Abril.Maior clareza impossível

- Herói conveniente.

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Assim foi transformado Roberto Jefferson (PTB) pela mídia patropi e por seus aliados tucanos e democratas. O autor insiste que nada se sustenta na denúncia do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O mesmo que teria engavetado investigações contra o então senador inatacável da oposição, Demóstenes Xavier Torres, que acabou chamado de “despachante de luxo do contraventor Carlinhos Cachoeira”. “Dane-se se as provas não correspondem ao que se esperava”, dispara PML.

No mensalão não houve compra de consciências de parlamentares da base aliada a Luiz Inácio Lula da Silva para a aprovação de projetos e mensagens do Palácio do Planalto, registra. Para ele, o que houve foi a “velha expressão dos nossos maus costumes eleitorais”. Paulo Moreira Leite observa que o financiamento público de campanha, que PSDB, DEM, PTB e PMDB resistem em aprovar na reforma política, é o sistema menos favorável “aos interesses privados”. “É aquele que mais protege a vontade do eleitor”, analisa. 

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“Não houve compra de votos. Nenhuma das 300 testemunhas confirma isso e o próprio calendário de votações desmente suposta conexão”, escreve. O blogueiro acusa o que define conceitualmente como “populismo penal midiático”. Ele frisa que José Dirceu e Luis Gushiken (SP) estavam em posições opostas tanto dentro do PT quanto no Governo Federal e não poderiam ser nunca membros de uma mesma ”organização criminosa”. Nem o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (SP).  

Tratamento desigual

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“O tratamento desigual para situações iguais é constrangedor”, insiste o autor. “Por decisão do STF, acusados pelos mesmos crimes, os mesmos personagens receberam tratamentos diferenciados quando vestiam a camisa tucana e a camisa petista”, questiona. Para Paulo Moreira Leite, o problema está na “política”. “Sim”, ataca. O diretor da sucursal de Brasília da Isto É exorciza mais uma vez o que classifica como esforço – contumaz – do ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, nomeado por Lula, para criminalizar a atividade política.

Após informar o leitor de que não possui procuração para atestar a honestidade de ninguém, ele dispara:

- Como é que Delúbio Soares continua morando no mesmo flat modesto no centro de São Paulo? Por que José Genoíno (...) continua residindo na mesma casa no Butantã, em São Paulo? Apontado como “chefe da organização criminosa”, falta explicar o que Dirceu obteve com seus superpoderes de ministro-chefe da Casa Civil.

A agenda política do velho moralismo de inspiração udenista interessaria aos grupos que controlam o Estado, independentemente de quem esteja no governo e isso não levaria a nada, diz o jornalista Sérgio Lírio, de Carta Capital. Paulo Moreira Leite concorda.  Ele avalia que não é  preciso aplicar a tecnologia – tão bem explicada por George Orwell, autor de A Revolução dos Bichos [sobre a revolução russa de outubro de 1917], e de 1984 – para que a mentira, enfim, vire verdade. Verdade absoluta. Mas há controvérsias.

Caminho aberto

O jornalista e blogueiro relata que os cofres do PT estavam vazios após as eleições de 2012. O que abriu caminho para o publicitário & operador Marcos Valério, que havia feito serviço semelhante para o ninho tucano. Segundo ele, os empréstimos ao Banco Rural existiram, não foram fictícios, sustenta o inquérito da PF. Mas nenhum político ficou rico com o mensalão. “Não consigo conviver com a ideia de que José Genoíno e José Dirceu possam ser condenados por corrupção ativa sem que sejam oferecidas provas consistentes e claras”, desabafa o autor.   

“As condenações de José Dirceu e de José Genoíno se baseiam em ‘não é possível que não soubessem’, ‘não é plausível’, explica. O autor recorda-se que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chegou a dizer que seria saudável que o julgamento do mensalão tivesse impacto nas eleições municipais de 2012. Não teve. Apesar disso, depois de sete anos para apresentar informação relevante, Marcos Valério criou factóides e virou o mocinho da oposição liberal. Afinal, brinca Paulo Moreira Leite, que foi trotskysta na juventude

- Quem não tem voto caça com Valério.

“Acho indecoroso lhes dar o tratamento de criminosos comuns, de bandidos. Sabe por quê? Porque eles não são. Têm projeto para o País, defendem ideias, já lutaram de forma corajosa por elas. Pode-se falar o que quiser dessa turma, mas não há prova de enriquecimento suspeito de Dirceu nem de Genoíno. Nem de Delúbio Soares, nem de João Paulo Cunha”, fuzila. Para ele, o que houve foi aliança política com adversários. “A denúncia confunde aliança política com compra de votos e verba de campanha como suborno”. 

* Renato Dias, 45, é jornalista formado pela Alfa, sociólogo graduado na UFG, pós-graduado em Políticas Públicas (UFG), mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento da PUC (GO) e autor do livro-reportagem Luta Armada/ALN-Molipo -As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz

Serviço

Livro: “A Outra História do Mensalão – As Contradições de um Julgamento Político” 

Lançamento/ano: março de 2013.

Editora: Geração Editorial.

Nº de páginas: 349 páginas.

Autor: Paulo Moreira Leite.

Prefácio: Jânio de Freitas

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