Meia confecção
A nova classe média, tão louvada por Marx, não perdoa nada
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A The Atlantic elegeu as 14 melhores ideias dos últimos 12 meses: entre elas, a de que o futuro pertencerá aos jornais e sites que cobram por informação (qualificada, é claro, com controle e cadastro de comentaristas) e aquela segundo a qual a maior novidade dos últimos tempos é a ascensão da nova classe média.
O bruxo da abertura política, Golbery do Couto e Silva, em seu clássico ensaio “Sístoles e diástoles da política brasileira” já assinalava: a classe média recém-chegada a tal condição não perdoa nada ou ninguém. É a classe média que meteu um pé nos fundilhos de D. Pedro Segundo, quando instalada na condição de oficialato do exército. É a classe média que, no tenentismo, acabou com a política do café com leite na presidência. É, enfim, aquela classe média recém-instalada em sua condição que, referia Golbery, aproximava-se dos militares para fechar um poder civil por demais “esquerdizante”, (movimento de 64) ou buscava apoio na elite política para abrir o poder militar auto-referente,inconstitucional (abertura de 85).
Essa classe média, como nos ciclos do napolitano Giambattista Vico, volta-e-meia se reverdece brandindo a quebra dos três tabus mais repetidos pela humanidade: sexo, drogas e religião. Não há movimento que não passe pela ruptura dessa triarquia.
Agora você entende porque a grande mídia está perdendo o seu espaço para blogueiros, twitteiros e para o povão em geral: a classe média recém-chegada a essa condição costuma andar por aí com faca na boca e sangue nos olhos. Quer peitar a tudo e a todos. É aquilo que Karl Marx fala no seu 18 Brumário. “Historicamente a nova burguesia desempenhou o papel mais revolucionário da história”. Vamos ver agora como está a nova classe média no mundo: é a classe média que na metade de agosto passado tomou de assalto a praça Tianammen, na China. É a nova classe média chinesa, que em fevereiro passado derrubou o político que roubou 1 bilhão da construção de estradas de alta velocidade e que mantinha 18 amantes com dinheiro público. É a classe média que peita o governo indiano de Manmohan Singh e que apóia massivamente o grevista d e fome Anna Hazare. É a classe média que bota em xeque o governo da Indonésia. Marx nunca esteve tão certo: a nova classe média não tem limites para decapitar El Rey. Os números são inequívocos: a nova classe média é responsável por mais de um terço de toda a população da África, de três quartos da população da América Latina e de quase 90% da população da China. É a classe que segundo o Banco Mundial tem faturado de 2 a 13 dólares por dia, e que subiu de 277 milhões de representantes da América Latina para 362 milhões entre 1990 e 2005.
Essa classe média que chega a sua condição atual coçando o coldre é a classe média que sempre quis reformular, quando no poder, os três tabus de que vive a humanidade: sexo, drogas e religião. É a classe média que não quer tutela sobre seu corpo, que não quis um Rock in Rio sem drogas, e que quer vogar como uma nau livremente pelo oceano da cultura, e pelo domínio de suas próprias vontades, sexualidades e vícios enfim. É a classe média que lentamente ensina seus filhos que montem os seus blogs e sites ao invés de consumir pré-coerências estilizadas – como a capas das revistas customizadas, voltadas àquela meia-confecção cultural, o ser mediano, a que Nietzsche chamava de “o homem alexandrino”.
A nova classe média brazuca ainda engatinha: compraz-se com a ideia de que o estatuto da cidadania é apenas o estatuto do consumidor. Lotam ad nauseam as reportagens nas tevês sobre as vítimas do “mau consumo”. O dia em que se tocarem de que o babalaô da cidadania tem nos direitos do consumidor apenas uma de suas abas, o Brasil vai ferver: porque a classe media recém instalada em seu status vai prenunciar, vindicar, direitos políticos, representação e validações sociais específicas às quais ela ainda é cega. É uma questão de tempo isso: o estouro da boiada ronda a brasilidade.
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