Líder sindical dos EUA: 'invejamos a lei brasileira'

Dirigente sindical norte-americano Scott Courtney destaca que "a legislação brasileira estimula a reivindicação dos trabalhadores através do apoio aos sindicatos", enquanto "nos Estados Unidos, acontece o contrário"; "Nós temos inveja das leis brasileiras", afirmou, em entrevista ao jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, durante rápida passagem pelo Brasil; ele falou sobre o projeto 4330, que regulamenta a terceirização no País, e lembrou lições do programa de desregulamentação da economia lançado por Ronald Reagan na década de 1980, quando, segundo ele, houve uma "mudança histórica" nos EUA; "Chegamos ao fundo do poço", conta; leia a íntegra da entrevista

Dirigente sindical norte-americano Scott Courtney destaca que "a legislação brasileira estimula a reivindicação dos trabalhadores através do apoio aos sindicatos", enquanto "nos Estados Unidos, acontece o contrário"; "Nós temos inveja das leis brasileiras", afirmou, em entrevista ao jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, durante rápida passagem pelo Brasil; ele falou sobre o projeto 4330, que regulamenta a terceirização no País, e lembrou lições do programa de desregulamentação da economia lançado por Ronald Reagan na década de 1980, quando, segundo ele, houve uma "mudança histórica" nos EUA; "Chegamos ao fundo do poço", conta; leia a íntegra da entrevista
Dirigente sindical norte-americano Scott Courtney destaca que "a legislação brasileira estimula a reivindicação dos trabalhadores através do apoio aos sindicatos", enquanto "nos Estados Unidos, acontece o contrário"; "Nós temos inveja das leis brasileiras", afirmou, em entrevista ao jornalista Paulo Moreira Leite, diretor do 247 em Brasília, durante rápida passagem pelo Brasil; ele falou sobre o projeto 4330, que regulamenta a terceirização no País, e lembrou lições do programa de desregulamentação da economia lançado por Ronald Reagan na década de 1980, quando, segundo ele, houve uma "mudança histórica" nos EUA; "Chegamos ao fundo do poço", conta; leia a íntegra da entrevista (Foto: Gisele Federicce)


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Por Paulo Moreira Leite

Dirigente da União Internacional dos Empregados em Serviços (Seiu, na sigla em inglês), com sede em Washington, no início da semana o norte americano Scott Courtney fez uma visita rápida pelo Brasil. Encontrou-se com o senador Paulo Paim (PT-RS), com o ministro do Trabalho, Manoel Dias e também com Dias Toffoly, do Supremo Tribunal Federal. Um dos principais sindicalistas num país que enfrentou a desregulamentação iniciada no governo de Ronald Reagan, que ocupou a Casa Branca entre 1981 e 1989, Scott Courtney tem muito a dizer no Brasil, onde o Congresso debate o projeto-lei 4330, que pretende ampliar a terceirização para todas as atividades de uma empresa. Chegamos ao "fundo do poço," diz ele, referindo-se a situação do trabalhador norte-americano, cidadão de um país que já foi uma espécie de terra prometida da livre iniciativa e do espírito individual. Abrigo do maior PIB do planeta, os EUA enfrentam hoje uma situação social tão adversa, criada nas últimas décadas, que o Estado é obrigado a oferecer ajuda a 43% dos trabalhadores, que recebem salários tão baixos que precisam de um programa de distribuição de renda típico de países com outra história econômica e social, como o Brasil do Bolsa-Família. (Por comparação, o Bolsa Família chega a 25% da população brasileira). Dizendo invejar as leis trabalhistas brasileiras — que também serão questionadas pelo 4330 — Scott Courtney deu a seguinte entrevista ao 247:

247 — Muitos estudiosos dizem que, deixando de lado a imensa diferença entre a economia dos dois países, pode-se dizer que os trabalhadores brasileiros têm um sistema de direitos e garantias legais muito superior ao dos trabalhadores norte-americanos. Você concorda com isso?
SCOTT COURTNEY — Totalmente. Nós temos inveja das leis brasileiras.

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247 — Por que?
SCOTT — Para começar, a legislação brasileira estimula a reivindicação dos trabalhadores através do apoio aos sindicatos. Aqui, o Estado é favorável a que os trabalhadores se organizem. Nos Estados Unidos, acontece o contrário. A legislação desfavorece a filiação dos trabalhadores, criando barreiras e dificuldades para a formação de sindicatos. As empresas têm um imenso poder de pressão sobre os trabalhadores e reforçaram esse poder nos últimos anos. O resultado é que hoje temos uma das mais baixas taxas de sindicalização do mundo, inferior a 7% dos assalariados.

247 — Como funciona essa pressão contra os sindicatos?
SCOTT — A legislação exige que 50% dos empregados de uma empresa sejam favoráveis a criação de um sindicato, dizendo isso, por escrito, com a assinatura de cada um, num documento que será enviado a uma comissão do governo. Eles também devem confirmar essa decisão, seis semanas depois, em votação secreta. Isso dá um tremendo poder às empresas para pressionar os empregados, que podem ser convencidos a mudar de ideia. É o contrário do que ocorre no Brasil.

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247 — Nas próximas semanas, a sociedade brasileira irá enfrentar uma disputa importante em torno da terceirização da mão de obra. É um debate semelhante ao que ocorreu nos EUA, na década de 1980, a partir do governo de Ronald Reagan, que teve início com a desregulamentação de várias profissões, inclusive controladores de voo e o questionamento do Estado de bem-estar. Quais as consequências para os trabalhadores?
SCOTT — Ocorreu uma mudança histórica. No período anterior, o mundo em que cresci, os trabalhadores chegaram a ter tanto poder político que eram ouvidos nas decisões de governo. Mesmo um presidente como Richard Nixon, conservador e republicano, era obrigado a levar os sindicatos em conta. Nixon tomou medidas favoráveis aos assalariados, porque sabia que era necessário fazer isso para poder governar. Comparando com aquilo que acontecia naquela época, nós podemos dizer que até preferimos as ideias de Barack Obama e compreender a importância de sua vitória mas o desempenho de Nixon, do ponto de vista dos trabalhadores, foi muito mais efetivo. Nixon não era melhor. Os trabalhadores é que eram mais fortes.

247 — Como foi essa mudança para pior?
SCOTT -- Naquele período, o padrão de vida da maioria dos americanos era resolvido, ano a ano, pelas negociações entre os sindicatos e a indústria, a começar pelas siderúrgicas e pelos fabricantes de automóveis. Os grandes direitos e benefícios dos trabalhadores foram criados naquela época, inclusive os fundos de pensão suplementar, nascidos para reforçar a aposentadoria pública. Hoje, nós chegamos ao fundo do poço.

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247 — Como é isso?

SCOTT — A partir da desregulamentação foram criadas novas regras. O trabalho industrial foi transferido para outros países, onde a mão de obra era mais barata. Hoje, as maiores empregadoras dos Estados Unidos se encontram no setor de serviços, que pressionam os salários do conjunto da sociedade para baixo, pois seu tamanho, gigantesco, permite que possam determinar o custo geral da mão de obra e os benefícios que serão concedidos. No período anterior, os grandes empregadores jogavam o padrão de vida para cima. Hoje, em função do tamanho, pressionam para baixo. Empresas que pagam mal a seus empregados, são orientadas a pagar mal aos fornecedores e parceiros. A tendência é extrair o máximo ganho possível em cada fase de suas operações, pagando o mínimo possível. Forçam limites para baixo. Criam uma política fiscal para pagar cada vez menos impostos, deixando o Estado à míngua, incapaz de cumprir as obrigações de antes.

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247 — Como isso se dá, na prática?
SCOTT — Enquanto temos executivos com renda 500 ou 600 vezes maior do que seus empregados, o salário médio se tornou tão baixo, nos Estados Unidos, que 43% dos trabalhadores americanos precisa de ajuda do Estado para pagar as contas do fim do mês. Temos 100 milhões de trabalhadores, aproximadamente. Desses, perto de 43 milhões recebem ajuda do Estado para sobreviver. São selos de alimentação e outros benefícios, criados pelo New Deal de Franklin Roosevelt, na década de 1930. No total, estamos falando em 187 bilhões de dólares por ano, segundo informou uma reportagem do Washington Post. Foram retirados tantos benefícios, ao longo dos anos, que o próprio Estado está sendo obrigado a devolver uma parte do que retirou. Esse dinheiro é um subsídio para sustentar um setor privado que paga salários tão baixos e tem lucros tão altos. É um custo a mais, pago pelos contribuintes, que arcam com responsabilidades que deveriam caber às empresas. Nem todo mundo vive assim, é claro, mas os parâmetros da maioria dos norte-americanos é definido dessa forma, pois expressam a força dos principais empregadores.

247 — Você poderia dar um exemplo?
SCOTT — Nosso sindicato tem uma luta permanente em defesa dos trabalhadores do Mc Donalds. Se a indústria de fast-food é a grande empregadora da economia atual, o Mc Donalds é a maior entre as maiores. Emprega dois milhões de pessoas em todo o mundo, um milhão apenas nos Estados Unidos. É a segunda maior empregadora mundial. Também é uma das grandes empregadoras no Brasil. Tanto lá, como aqui, as condições de trabalho são tão ruins que ninguém aguenta permanecer no emprego por um ano. No Brasil, a rotatividade de mão de obra é de 130% por ano. Nos Estados Unidos, é um pouco menor: 110% por ano. Isso dá uma ideia da situação que os trabalhadores enfrentam. No Brasil, a Justiça já encontrou franqueadas que todos os meses subtraiam uma parcela indevida do salário dos trabalhadores. A diferença estava lá, no contracheque, para todo mundo ver. No Paraná, um juiz do trabalho interrompeu uma audiência no meio para fazer uma visita surpresa numa franqueada onde encontrou um menino de 16 anos. Em outro caso, os funcionários eram obrigados a fazer as refeições no próprio Mc Donalds e pagar por elas.

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247 — Vocês costumam fazer campanhas contra o Mc Donalds no mundo inteiro. Qual a finalidade?
SCOTT — Estamos falando de um grupo mundial e precisa negociar no mesmo nível. Nos Estados Unidos, fazemos uma campanha por um salário de 15 dólares por hora de trabalho. Nas condições do país, é uma renda apenas razoável, para garantir uma vida com dignidade, sem as dificuldades de hoje, quando você pode encontrar — eu já vi isso — trabalhadores que chegam a não se alimentar direito porque preferem dar comida para os filhos. Nas condições de hoje, nem o Mc Donalds nem outros grupos dessa dimensão aceitam negociar conosco. Muitas vezes, aliás, você nem sabe quem são os verdadeiros donos, com quem poderia negociar. São empresas, que pertencem a outras empresas, que são controladas por terceiras empresas que, por sua vez, pertencem a um fundo com sede em outro país.

247 — Uma das críticas feitas ao sistema trabalhista brasileiro é a existência de uma Justiça do Trabalho, com uma estrutura que custa bilhões de reais por ano. Nos Estados Unidos, não existe uma justiça específica para cuidar das causas trabalhistas. Como o senhor você isso?
SCOTT — Eu pergunto qual o melhor benefício da sociedade, para a maioria da população. Tenho certeza de que, mesmo custando muito dinheiro, é melhor viver num país onde há uma Justiça do Trabalho.

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247 — A baixa taxa de sindicalização é um fato no mundo inteiro. Nos Estados Unidos é inferior a 7% e na França fica em 5%. Muitas pessoas dizem que os trabalhadores deixaram de ir aos sindicatos porque se tornaram mais individualistas, não acreditam em seus dirigentes nem em soluções no plano coletivo, preferindo resolver seus problemas no plano pessoal.
SCOTT — Essa ideia está nos jornais do Murdoch (Robert Murdoch, um dos imperadores da mídia mundial, patrono de causas ultraconservadoras). Mas eu acho que a causa é outra. Os sindicatos foram atingidos em seu poder de barganha. Foram enfraquecidos, num processo deliberado que teve início a partir da década de 1970. Ficaram fracos porque podem menos. O trabalhador não mudou. Sou dirigente sindical há muitas décadas. Converso com trabalhadores do mundo inteiro e acho que aprendi a ouvir o que dizem. Nunca encontrei um trabalhador que seja contra o sindicato. Quando podem falar sem pressão externa, sem sentir qualquer tipo ameaça, dizem que ter um sindicato é melhor do que não ter. E é por isso que as leis brasileiras são importantes. Os trabalhadores procuram os sindicatos quando sentem que podem ajudá-los a conseguir suas reivindicações. Nosso sindicato dobrou o numero de filiados em dez anos. Tenho certeza de que nossa disposição de luta e vontade de mudança tem a ver com isso.

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