Lava Jato: MP usa prisão como método de tortura
Manchete do jornal O Globo desta sexta-feira é sintomática; de acordo com a publicação, os empreiteiros presos na Operação Lava Jato (de forma preventiva, sem nenhuma condenação) só terão direito a qualquer acordo se confessarem novos crimes; "Não adianta contar o que sabemos", diz o procurador Carlos Fernando Lins, da força-tarefa do juiz Sergio Moro; ele diz estar em busca de "novos Youssefs"; em artigo recente, o criminalista Antonio Claudio Mariz alertou para o uso da prisão preventiva como uma nova forma de tortura em busca de confissões e delações, jogando por terra garantias constitucionais como a presunção de inocência e o direito de se defender em liberdade; empresários que delataram concorrentes, como os executivos da Toyo Setal, estão soltos
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247 - A manchete do jornal O Globo desta sexta-feira evidencia um fato que vem causando preocupação entre agentes do Direito e constitucionalistas que se preocupam com o direito de defesa e a presunção de inocência.
De acordo com o jornal dos Marinho, os executivos de empreiteiras presos na Operação Lava Jato só terão direito a qualquer tipo de acordo de leniência, caso confessem novos crimes – de preferência na administração pública federal, uma vez que a força-tarefa da Operação Lava Jato decidiu não investigar o caso Cemig (leia mais aqui).
"Não adianta contar o que sabemos", disse o procurador Carlos Fernando Lins, da força-tarefa do juiz Sergio Moro, que afirmou estar em busca de "novos Youssefs".
O problema central é que os executivos das empreiteiras já estão presos há mais de dois meses, de forma preventiva, sem que tenham sido condenados em qualquer instância. Por isso mesmo, criminalistas têm alertado para o uso cada vez mais comum das prisões cautelares como um novo método de tortura.
Por meio dessas prisões, investigadores buscam confissões e/ou delações premiadas. Delações que, em muitos casos, podem ser suspeitas, como no caso dos executivos da Toyo Setal, que delataram concorrentes presos e hoje desfrutam da liberdade.
Leia, abaixo, artigo recente do criminalista Antonio Claudio Mariz a respeito:
O crime pode ser nosso e a punição também
ANTONIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA
O crime é um fenômeno humano, representado por uma conduta que é descrita pela lei penal, que prevê uma sanção para quem o comete, sendo por essas razões passível de ser praticado por todo e por qualquer homem.
Assim sendo, ninguém poderá, em sã consciência, afirmar que jamais cometerá um crime. Repito, trata-se de um evento inserido dentro das atividades humanas e que assim, potencialmente, sujeita cada um de nós à sua prática.
É claro que há delitos e delitos. Sabemos que, em face da formação ética e moral, como também dos valores superiores que informam a sua conduta, o homem que preza o seu semelhante jamais adotará determinadas condutas previstas pela lei penal, em face da enormidade de infâmia e de desumanidade nelas contidas.
No entanto, mesmo no rol dos delitos chamados de hediondos, por paradoxal que possa parecer, o crime de homicídio, por exemplo, é um daqueles crimes que poderá ser cometido por qualquer um de nós, embora atinja o bem supremo que é a vida.
Exatamente por ser um crime de ímpeto, provocado por circunstâncias criadas pela própria vida, é grande o seu grau de imprevisibilidade, podendo atingir o mais equilibrado e ponderado dos homens, que diante de situações excepcionais passa a ter a sua vontade subjugada por estas mesmas circunstâncias.
Repito, portanto, que alguns crimes, como o homicídio, podem ser cometidos por qualquer cidadão, independentemente dos elevados princípios que possam orientar a sua conduta.
Ademais, não se pode esquecer a possibilidade de haver uma acusação falsa em razão das distorções da realidade ou por outro qualquer fator, atingindo um inocente.
Saliente-se: acusações improcedentes ou desproporcionais à própria realidade delituosa, que conduzem às condenações injustas, estão cada vez mais presentes no nosso sistema de Justiça.
Esse sistema está, atualmente, impregnado por uma cultura punitiva que cria sempre a expectativa da culpa e da condenação, e jamais a da inocência e da absolvição.
Essa digressão sobre o crime como fenômeno que contém a possibilidade de envolver todo e qualquer homem, bem como sobre a existência de um sistema judicial penal falho e sujeito a influências punitivas advindas de uma sedimentada cultura repressiva, se faz mister para mostrar que a atividade penal não pode ter como foco exclusivo a punição, mas também é imperioso que exista para garantir a liberdade ou a aplicação da pena justa.
O Direito Penal, com base nos parâmetros emanados da Constituição federal, tem por escopo descrever de forma clara e precisa condutas prejudiciais à sociedade e sancioná-las, por atingirem valores que não puderam ser eficazmente protegidos por outros ramos do ordenamento positivo. Isto é, só devem ser penalmente previstas as condutas cuja lesividade não pode ser coibida por outros setores do Direito.
No entanto, a sua missão não se exaure com a punição. Tem também como escopo a proteção do indivíduo contra os excessos do Estado, para impedir que a punição se transforme em vingança e em expiação.
Assim, o Direito Penal e o Direito Processual Penal - este também refletindo as garantias e os direitos outorgados pelo artigo 5.º da Constituição federal - procuram conciliar a liberdade e a dignidade pessoais com a obrigação estatal de acusar e de punir os responsáveis pela prática delitiva. Devem, portanto, compatibilizar punição e liberdade. O sistema acusa e pune, mas também protege o cidadão acusado, garantindo-lhe a observância dos seus direitos, para evitar a vingança, a barbárie e a desumanidade.
Por tais razões, a sociedade deveria exigir dos executores do sistema mais atenção aos malefícios representados por certas medidas de força, dentre as quais se destacam as prisões cautelares, adotadas ainda no nascedouro das investigações.
É preciso, no entanto, que a própria sociedade, por intermédio de cada cidadão, para se opor aos excessos do sistema, repense a hoje sedimentada cultura punitiva, e entenda que o crime não é "dos outros", mas, como uma possibilidade, é de todos nós. Além do mais, é imprescindível que passe a exigir o respeito absoluto aos direitos de um acusado e abandone a ideia de ser a prisão a única resposta para o crime.
As prisões, temporária e preventiva, estão sendo decretadas, há algum tempo, de forma absolutamente açodada, antes mesmo de qualquer ato de investigação, baseadas somente em notícias vagas e inconsistentes provenientes de alguma acusação ainda nem sequer conferida, ou até mesmo anônima.
A necessidade do encarceramento, comprovada por fatos concretos, deveria nortear as decisões respectivas sem que fosse levada em consideração, como ocorre em nossos dias, a indigitada culpabilidade, que só será apreciada quando da sentença, após a instauração e a instrução do processo.
No entanto, as prisões cautelares, lamentavelmente, em sua maioria, estão sendo decretadas para atender a uma sociedade sequiosa por castigo, para atender a uma mídia sensacionalista e, agora, de forma já confessada, para se obterem delações, objetivo desprovido de qualquer justificativa legal e ética, semelhante à tortura.
É fundamental, até para a manutenção do Estado Democrático de Direito, não esquecer que existem a culpa e a inocência, a prisão e a liberdade, os deveres do Estado e os direitos do acusado.
Reitera-se: o crime é um fato inerente à sociedade e, portanto, qualquer cidadão poderá ser vítima deste hoje aplaudido sistema punitivo, porque ele é potencialmente nosso e sentar no banco dos réus não é exclusividade dos culpados, pois também os inocentes estão sujeitos a ocupá-lo.
*Antonio Cláudio Mariz de Oliveira é advogado criminal
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