Jovem negro nasce com “plano traçado”, diz rapper sobre violência
“Para o adolescente negro de periferia, já existe um plano traçado”. A avaliação é do rapper e educador social Henrique QI, 22 anos, morador do Recanto das Emas, região administrativa do Distrito Federal; “Ele tem que estar morto em certa idade ou, se conseguir resistir, vai para uma unidade de internação e, quando ficar maior de idade, para uma penitenciária. Existe um plano traçado para ele. A carta branca do Estado, tanto para a polícia que mata quanto para o encarceramento em massa, é uma estratégia montada para um negro de periferia”, completa o rapper
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“Para o adolescente negro de periferia, já existe um plano traçado”. A avaliação é do rapper e educador social Henrique QI, 22 anos, morador do Recanto das Emas, região administrativa do Distrito Federal.
“Ele tem que estar morto em certa idade ou, se conseguir resistir, vai para uma unidade de internação e, quando ficar maior de idade, para uma penitenciária. Existe um plano traçado para ele. A carta branca do Estado, tanto para a polícia que mata quanto para o encarceramento em massa, é uma estratégia montada para um negro de periferia”, completa o rapper.
O diagnóstico sobre a juventude negra se confirma em números. Segundo o Mapa da Violência 2014, das 56.337 pessoas vítimas de homicídio no país em 2012, 30.072 eram jovens. Desse total, 23.160 eram negros. Até os 12 anos, não há grande diferença entre o número de mortes de brancos e negros (1,3 e 2 para cada grupo de 100 mil). Já entre os 12 e 21 anos, enquanto a taxa de jovens brancos mortos é 37,3 em cada 100 mil, a de negros chega a 89,6, segundo o documento.
Diante desse cenário, no Dia Nacional da Consciência Negra, data que relembra a morte de Zumbi dos Palmares, a Agência Brasil traz relatos, depoimentos e a opinião de jovens, organizações da sociedade civil e representantes do Poder Público para conhecer os problemas, as estratégias de resistência e as políticas propostas para enfrentar a violência contra jovens negros.
Para o coordenador do Fórum Nacional da Juventude Negra, Elder Costa, a segurança pública é a área de maior preocupação, “porque não nos sentimos seguros”. De acordo com ele, o perfil criminal brasileiro trata o jovem negro como um ser a ser combatido, a ser perseguido e reprimido. “Na verdade, as políticas de segurança pública são erguidas contra essa população e não para promover o direito à vida e à segurança”, avalia.
Além de os negros serem as principais vítimas de homicídios, eles são a maior parte da população carcerária. De acordo com dados de 2013 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, das 537.790 pessoas que estão no sistema penitenciário, 93,92% são homem, 50,88% têm entre 18 e 29 anos e 57,21% são pretos ou pardos.
O problema tem mobilizado a população negra há anos. Desde 2005, a campanha “Reaja ou será morto(a)” articula negros na luta contra o racismo. Entre as ações, está a Marcha Internacional contra o Genocídio do Povo Negro que, neste ano, ocupou as ruas de 18 estados brasileiros e 15 países.
“O crime de genocídio diz respeito à eliminação física, cultural e espiritual de um povo inteiro em sua fase mais produtiva. É isso o que está acontecendo”, diz Hamilton Borges, que integra a campanha e o Movimento Negro Unificado (MNU), explicando o uso da palavra genocídio.
Para ele, o Estado não tem, hoje, políticas públicas capazes de reverter a situação. A saída, segundo o militante, deve ser a organização dos negros e a conscientização dos demais grupos. “Se nós não forjarmos a nossa própria existência com luta, com radicalidade e com força, não seremos nada daqui a 60 anos”, destaca.
O problema é histórico e está ligado à permanência do racismo como algo estruturante da sociedade brasileira, na avaliação de Ângela Guimarães, presidenta do Conselho Nacional de Juventude e integrante da Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República.
“Uma das formas com que o Estado costumou a se relacionar com a população negra, já no pós-escravidão, foi por meio dessa política sistemática de repressão”, aponta, acrescentando que essa lógica foi reproduzida ao longo de décadas.
Ângela reconhece que o país vive uma “situação dramática” e que só agora o tema começa a ser enfrentado por meio de políticas públicas, a exemplo do Plano Juventude Viva. O plano está implementado na Bahia, em Alagoas, na Paraíba, no Distrito Federal, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, na região metropolitana e no município de São Paulo, bem como em 41 municípios de outros estados que aderiram diretamente ao programa.
“O primeiro passo nós demos, que é o reconhecimento dessa política. O segundo passo é um conjunto de ações coordenadas, a partir do governo federal, articulando de forma inédita 13 ministérios para enfrentar um problema comum [o extermínio da juventude negra]”, explica. Para Ângela, é preciso passar para outro estágio, ampliando a produção de políticas públicas.
Além disso, ela aponta como medida para amenizar a mortalidade dos negros a aprovação, pelo Congresso Nacional, do Projeto de Lei n. 4471/2012, que fixa regras para a investigação de crimes que envolvem agentes do Estado, como policiais. A proposta, que tramita na Câmara, acaba com a possibilidade de registrar homicídios como autos de resistência. “Nós queremos romper com esse pacto de silêncio”, destaca.
Em Fortaleza, Sandra Sales, mãe de uma jovem negra vítima da violência policial, decidiu transformar a dor em luta. Ela fundou, ao lado de outras famílias, a Associação das Vítimas de Violência Policial no Ceará (Avvipec).
Em fevereiro de 2013, em um bairro de periferia da capital cearense, uma festa de pré-carnaval terminou em tragédia. Após discussões entre policiais e moradores do local por causa do volume do som, agentes dispararam contra a multidão. Dois jovens negros foram atingidos e acabaram mortos: Igor de Andrade Lima, 16 anos, e Ingrid Mayara, 18 anos, filha de Sandra.
A pressão popular levou à expulsão de dois policiais envolvidos no crime. Mas só hoje (20) haverá a primeira audiência sobre o caso, na qual testemunhas serão ouvidas.
“Eu sinto que a Justiça não contribui muito para o resultado que a gente espera, mas eu não vou esmorecer, não vou mesmo”, conta Sandra. Apesar de temer pela própria vida, ela diz que vai seguir na luta “para mostrar a eles que a gente tem direito, que existe Justiça e que nós vamos resistir”.
A história de Sandra é a mesma de mulheres como Maria de Fátima da Silva, mãe do dançarino DG, do Rio de Janeiro; Débora Maria da Silva, mãe de Rogério, de São Paulo. Todas tiveram os filhos - negros, jovens e moradores de áreas periféricas - assassinados.
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