Guerra de dossiês revive anos de chumbo
Informaes sobre guerrilha dos anos 70 e entrevista do torturador Lucena (dir.) agitam esquerda e direita; histria da VAR-Palmares explorada; ministro Jobim e general Nelito (esq.) silenciam sobre Comisso da Verdade
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247 – O tema das perseguições políticas dos anos 60/70 no Brasil e em três países da América do Sul – Argentina, Chile e Uruguai – assumiu a ordem do dia na preocupação de militares brasileiros da ativa e da reserva. Um conjunto de fatores, que inclui o vazamento à imprensa de dossiês sobre ações de grupos guerrilheiros, especialmente da Vanguarda Popular Revolucionária (VAR) - Palmares, ao qual pertenceu a presidente Dilma Rousseff, a novela do SBT Amor e Revolução, a prisão do major da reserva Sebastião Curió, em Brasília, e uma entrevista com um torturador veiculada também pelo SBT esquentaram o debate em torno da formação da Comissão da Verdade. O organismo que terá poderes para reabrir casos de prisões, seqüestros, torturas, assassinatos e desaparecimentos durante a ditadura militar (1964-1984) já é motivo de consenso dentro do governo. Ou melhor, da quase totalidade, à exceção das áreas mais sensíveis: o Ministério da Defesa, ao qual estão subordinados Exército, Marinha e Aeronáutica, e o Gabinete de Segurança Institucional. O ministro Nelson Jobim e general José Elito Carvalho Siqueira, respectivamente à frente das duas estruturas, são contrários à formação da Comissão, mas receberam ordens da presidente Dilma Rousseff para não se pronunciarem sobre o tema.
A entrevista do torturador João Lucena Leal ao jornalista Roberto Cabrini, veiculada na quarta-feira 30 no programa Conexão Repórter, do SBT, irritou setores do governo pela segurança em relação à impunidade que ele demonstrou. “Eu executava a tortura com nobreza”, disse ele. “Não tinha ideologia, apenas cumpria o meu dever de obter informações”. Lucena afirmou ter acompanhado a execução sumária de 15 guerrilheiros do PC do B na região do Araguaia, na década de 70. “O sujeito amarrado, algemado e o executor puxava o gatilho e matava”, narrou. Na véspera da entrevista, duas residências do ex-deputado e tenente-coronel da reserva Sebastião Curió foram invadidas em Brasília por agentes da polícia federal, em busca de documentos sobre o período da repressão. Acusado de portar armas e munições sem autorização, Curió ficou detido parte da noite na Superintendência da Polícia Federal e, em seguida, foi transferido para o 1º Batalhão de Polícia do Exército. A liberação só ocorreu no início da madrugada. “Essa questão do Araguaia é uma novela”, disse ele. O movimento da PF foi interpretado como uma ação oficial de represália a um personagem claramente identificado com os chamados anos de chumbo. A Cabrini, Curió disse que “não havia tortura, mas interrogatório. E isso não é feito à base de pão de ló”.
Nos últimos dias, documentos liberados pelo Arquivo Nacional após quatro décadas de sigilo mostraram detalhes das regras de conduta e a formação de uma célula dentro de uma unidade do exército, em Brasília, pelo grupo VAR-Palmares, nos anos 70. Os textos foram publicados, respectivamente, pelos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. A informação sobre a presença de seis militantes da organização infiltrados num quartel da capital federal ajuda a explicar, hoje, a prisão, em maio de 1970, da presidente Dilma. A “queda” dela ocorreu três dias depois do estouro da célula. Neste contexto, a presidente orientou os líderes do governo no Congresso a aprovarem projeto que estabelece o fim de qualquer tipo de documentação secreta no âmbito do governo.
Antes mesmo de todos esses fatos novos, os militares dentro do governo já mostravam incômodo com a disposição da presidente, seus ministros e do PT em criar a Comissão da Verdade para jogar luzes sobre os anos de chumbo. Essa insatisfação já foi manifestada pelo general José Elito, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. Depois de empossado, em janeiro, ele disse que o Brasil deve olhar para a frente. “Não vamos ficar nós vendo situações do passado, pontuais, que não levam a nada. Temos que pensar para frente, na melhoria do nosso país para as nossas gerações e podemos estar perdendo tempo, espaço e velocidade se ficarmos sendo pontuais em situações isoladas do passado”, disse. Dois dias depois, o general foi chamado para conversar com Dilma, que não gostou das declarações. Ele disse à presidente que foi mal interpretado pelos jornalistas. Desde então, nenhum comentário sobre o assunto. Nas últimas semanas, a veiculação, pelo SBT do empresário Silvio Santos, da novela Amor e Revolução, que mostrar cenas pesadas de torturas praticadas nos anos de chumbo por militares do exército, despertou reações á esquerda e à direita. Militares da reserva organizaram um abaixo-assinado pela retirada da novela do ar, encaminhado ao Ministério das Comunicações. Em oposição a isso, militantes do grupo Documento Tortura fizeram outro abaixo-assinado, pedindo a manutenção da veiculação. Não há indícios de que o governo intencione tirar a novela do ar.
A temperatura em torno desses assuntos só fez enquentar com os recentes acontecimentos na Argentina, Uruguai e Chile. Na quinta-feira 14, o ex-presidente Reynaldo Bignone (1982-1983) foi condenado em Buenos Aires à prisão perpétua, em razão de crimes cometidos contra militantes de esquerda. No Uruguai, na semana passada, a lei que anistiava os militares que participaram da ditadura dos anos 70 e 80 caiu, abrindo espaço para uma revisão de todos os processos à volta de torturados e desaparecidos. No Chile, a Justiça decretou nesta sexta-feira 15 a exumação do corpo do ex-presidente Salvador Allende, morto durante ocupação do palácio presidencial de La Moneda. A versão oficial é a de que ele se matou, porém a família espera provar que Allende foi assassinado pelas tropas comandadas pelo general Augusto Pinochet. De volta da China, onde foi a negócios, a presidente Dilma irá trabalhar para dar curso à instalação da Comissão da Verdade. Ela não mostrou intenção, até aqui, de recuar um centímetro sequer dessa decisão.
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