Foi a condenação de petistas que fez Cardozo despertar?

Ministro da Justiça disse uma verdade, mas fora de hora, segundo artigo da colunista Eliane Cantanhêde e editorial da própria Folha 

Foi a condenação de petistas que fez Cardozo despertar?
Foi a condenação de petistas que fez Cardozo despertar?


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247 - Ao dizer que as prisões no Brasil são medievais, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse uma verdade, mas provavelmente na hora errada, pois a frase veio um dia após a definição das penas de três petistas condenados na Ação Penal 470: José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino. Por isso mesmo, Cardozo foi criticado tanto pela colunista Eliane Cantanhêde como pela Folha, em editorial. Abaixo o texto de Eliane:

Vil metal e vil prisão

Eliane Cantanhêde

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BRASÍLIA - Enquanto eram os PPP (pobres, pretos e prostitutas) jogados desde sempre nas cadeias, estava tudo muito bem. Bastou o Supremo decretar dez anos e dez meses de prisão para José Dirceu para todo mundo acordar e discutir a realidade penitenciária brasileira.

Se o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classifica as prisões do país como "medievais" e prefere a morte a ficar preso no Brasil, o que a sociedade e principalmente os próprios condenados podem dizer?

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Com a autoridade de quem atuou efetivamente para melhorar esse estado de coisas, retirando das prisões milhares de presos ilegais à época em que presidiu o STF e o CNJ, Gilmar Mendes concordou com a crítica de Cardozo, mas ironizou: "Lamento que ele fale só agora".

Depois da pena de Dirceu à prisão, também entrou em pauta no Supremo o debate sobre penas pecuniárias versus privação de liberdade. Ou seja, multas em vez de prisão.

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Estridente, Dias Toffoli disse que o intuito dos crimes (do mensalão) era financeiro, e não atentar contra a democracia ou partir para a violência, e resumiu: "Era o vil metal. Que se pague então com o vil metal".

E houve uma inversão. Antes, o revisor Ricardo Lewandowski abria o debate e Toffoli o acompanhava. Ontem, Toffoli puxou a questão e Lewandowski foi o primeiro a aderir à tese, com uma ressalva: desde que de acordo com as posses do réu.

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Soou como uma tentativa de negociação típica de advogados, não de juízes: já que estão condenados, que paguem em dinheiro, não em dias na cadeia. Tudo, menos levar réus tão ilustres para a prisão?

A dinâmica do julgamento, porém, segue a lei e a tradição: uma coisa não elimina a outra. Condenados devem pagar com o bolso e, dependendo do caso, com a liberdade.

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Que a condenação de poderosos não seja em vão nem só vingança. Além de resgatar a Justiça, que possa também tornar mais justas as prisões medievais dos brasileiros comuns.

Abaixo, o editorial da Folha:

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Prisões desumanas

Ministro da Justiça está certo ao denunciar as péssimas condições das penitenciárias, mas só palavras não serão capazes de transformá-las

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O estadista se diferencia do político comum, entre outras virtudes, por saber discernir a verdade da mentira e, mais ainda, o momento certo de pronunciar a primeira -ou, então, de se calar.

Mesmo quando não mente, erra de forma grave ao falar verdades na hora errada e de modo irrefletido, com fez o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT).

O deslize foi cometido perante três centenas de empresários, em São Paulo, em resposta do ministro sobre a pena de morte. "Se fosse para cumprir muitos anos em uma prisão, em algumas prisões nossas, eu preferiria morrer."

O ministro qualificou penitenciárias como medievais. Elas não possibilitariam "aquilo que é mais importante numa ação penal, que é a reinserção social daquele que foi colocado na situação de privação da sua liberdade".

Cardozo tem razão, ao menos em parte. Em dezembro do ano passado, o país contava uma população carcerária de quase 515 mil pessoas (aí incluídos 43,3 mil em delegacias e 18,7 mil em regime aberto). Como a capacidade total não chegava a 307 mil, pode-se dizer que a superpopulação era da ordem de 70%, ou 1,7 custodiado por vaga.

Pior, desse total, somente 109,4 mil (23%) têm algum tipo de trabalho, interno ou externo, referido eufemisticamente como "laborterapia". Em linguagem clara, a maioria é de presos empilhados e desocupados em prisões caóticas e desumanas, disponíveis para recrutamento pelo crime organizado.

Cardozo teve ao menos o cuidado de não falar em recuperação, a platitude preferida de uma visão romântica das prisões, que na realidade não passam de instalações de segurança para manter indivíduos perigosos afastados do meio social. No mais, conseguiu soar incrivelmente inoportuno.

A primeira associação óbvia é com a pena de prisão em regime fechado imposta pelo Supremo Tribunal Federal, um dia antes, ao correligionário José Dirceu, por chefiar o esquema do mensalão.

Um desavisado poderia concluir que o ministro se sentiu compelido a denunciar a desumanidade dos cárceres apenas porque alguns próceres do PT estão mais próximos deles -hipótese que reduziria o ministro a um militante tacanho.

Bem pior foi ouvir verdade tão incômoda de um ministro de Estado, e logo da Justiça, como se não tivesse nada a ver com isso. Ora, seu partido se encontra há quase uma década no governo federal.

A própria gestão de Cardozo, já no governo Dilma Rousseff, também claudica na matéria. Sua pasta tinha R$ 312,4 milhões para melhorar penitenciárias em 2012, mas usou só um quinto dessa verba.

Seria melhor se o ministro falasse menos e fizesse mais a respeito das masmorras brasileiras.

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