Falta d'água iminente: realidade ou ficção?
Deveríamos acordar e pensar em como seria se um dia descobríssemos que nossas reservas de água potável chegaram ao fim
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.
Uma vez a cada tanto, deveríamos acordar e pensar em como seria se um dia descobríssemos que nossas reservas de água potável chegaram ao fim e que sob regime de racionamento tivéssemos cota de água apenas suficiente para matar a sede e não morrer. Não é difícil imaginar. Levantar e não poder tomar banho, lavar louças, roupas, ou aguar nossas plantas. Bastariam alguns dias, e, com certeza, as flores estariam secas, as moscas teriam tomado conta da cozinha e nós, transformados em criaturas sujas e malcheirosas. Filme de ficção apenas? Nem tanto.
O território do Distrito Federal apresenta hoje demandas para medidas de proteção e recuperação ambiental em todo o seu perímetro, de parte dos órgão governamentais, e, principalmente, de iniciativas da sociedade. Neste momento em que a humanidade enfrenta o desafio da preservação dos recursos hídricos, dramático em face do processo de desertificação que ocorre em várias regiões do mundo, é de extrema importância compreender a necessidade de preservação das águas da região do Cerrado do Planalto Central.
A existência aqui das nascentes das três principais bacias hidrográficas do País, Amazônica, Platina e a do São Francisco, foi argumento constante na nossa história para a decisão política da escolha do local para a construção de Brasília. Memórias registradas em constituições brasileiras, mapas e documentos deixam claro esse discernimento.
Botânicos, geógrafos, historiadores e políticos acreditavam que instalar aqui a capital contribuiria, também, para a proteção desse gigantesco rendilhado de mananciais e pequenos cursos d'água do DF por onde escoam anualmente quase 10 bilhões de metros cúbicos de água, e cujas principais nascentes se encontram hoje dentro da Estação Ecológica de Águas Emendadas, criada exatamente para este fim. Lá, partindo de uma só vereda, vertem para o Norte as nascentes do rios Maranhão/Tocantins e para o Sul a dos rios São Bartolomeu/Paraná).
A história, no entanto, não confirmou a crença da ocupação com preservação dos mananciais. O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro e considerado a savana mais biodiversa do planeta, perdeu grande parte de sua cobertura vegetal nos últimos 50 anos, devido a um crescimento de 650% em sua ocupação urbana, ao rápido avanço da fronteira agrícola e da pecuária extensiva na região. Aqui no DF, os mapas do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Distrito Federal- IBRAM mostram que 70% da cobertura vegetal já desapareceu, apesar de 93% do nosso território estar protegido legalmente por 33 unidades de conservação.
O desmatamento e a ocupação desordenada representam uma ameaça constante e estão, obviamente, diretamente relacionados com a preservação das nascentes e rios locais e com a quantidade e qualidade da água usada para o abastecimento da população. As potencialidades hídricas da região, tem sido desde a sua ocupação, e mais especificamente nos últimos 20 anos, desordenadamente destruídas, sem a busca de um aproveitamento econômico equilibrado.
Diagnósticos ambientais realizados recentemente apontam para uma triste conclusão: a quantidade de água existente no lençol freático na região do DF diminuiu muito nos últimos 40 anos; o nível das águas de Lagoa Bonita, por exemplo, baixou cerca de 5 metros e muitas das nascentes dentro da Estação Ecológica de Águas Emendadas desapareceram ou secaram. Se dentro de uma área protegida isso acontece, imaginemos fora.
Nas últimas décadas, vários governos do Distrito Federal vem permitindo que invasões ilegais em áreas de proteção ambiental aconteçam, cresçam e se instalem de maneira irreversível. Áreas rurais se urbanizam e condomínios irregulares se multiplicam. A ilegalidade virou moda e prova de inteligência. Se posso invadir porque vou trabalhar para comprar um terreno e pagar por ele?
Os parcelamentos irregulares, que em 1987 eram 15, dentro da Área de Proteção Ambiental-APA do São Bartolomeu, em 22 anos passaram a 513, grande parte deles em áreas supostamente protegidas. E os invasores, como qualquer ser humano deste século, querem luz, querem asfalto, querem água. Invadem e depois reclamam que não tem hospital , escola e segurança pública perto de suas casas.
Até quando vamos permitir que Brasília e seu entorno cresça indefinidamente e sem planejamento ? As invasões acontecem porque existem bandidos vendendo lotes ilegais; cidadãos desonestos comprando mesmo sabendo que estão agindo fora da lei; e governos com políticas eleitoreiras dando lotes em troca de votos para aqueles cidadãos que na sua simplicidade e ignorância acreditam que o Estado deve ser o grande provedor e que o voto é uma moeda de troca e não o mais básico ato político de regimes democráticos.
Esta situação não pode se estender para sempre. Cabe ao governo criar políticas públicas de planejamento urbano e fiscalização mas nós devemos nos perguntar o que fazer para que nossos filhos e netos não sofram com a falta d'água no Distrito Federal. Para que a ficção não se transforme em realidade, devemos sim contribuir: recuperar matas ciliares ao invés de desmatar, não invadir, construir ou poluir áreas de nascentes, não furar poços artesianos sem a devida autorização, não abandonar torneiras abertas na pia, no chuveiro, nas mangueiras dos jardins, nas calçadas. Cada um de nós deve passar a olhar uma conta de água alta, não apenas como prejuízo ao bolso, mas como um ataque ao planeta, à biodiversidade do Cerrado, e a este bem precioso que hoje usamos como se suas reservas não tivessem fim.
Estudar e preservar o Cerrado e sua importância para a segurança hídrica do País, é matéria que já deveria ter sido incluída, como premissa constitucional, nos currículos escolares, a exemplo do que já ocorreu com a floresta Atlântica e a Amazônia. Seguindo este caminho estaríamos contribuindo para a revelação de uma das nossas mais complexas e desconhecidas realidades vitais.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:
Comentários
Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247