Em 2012, que "Cidade da Bahia" é esta?

A modernização do ACM Neto, em relação ao ACM avô, é a do avô em relação às oligarquias tradicionais, tecnicamente modernizada e essencialmente familiar e patrimonial. O neto continua familiar e patrimonial e mais voraz em sua essência neoliberal



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A política é o bem e o mal da sociedade. Ela está na construção do bem e, do mesmo modo, presente nos desastres sociais. Claro que não estou falando só do uso comum da expressão política, enquanto eleições, executivos e parlamentos. Falo em política, enquanto intervenção social, utilizando as várias mediações e os vários instrumentos - estes citados, inclusive -, que a sociedade disponibiliza aos seus integrantes.

Com a mídia e as novas tecnologias, esse processo se ampliou profundamente. As informações circulam a uma velocidade estonteante. Como dizem alguns autores, chega-se à situação de que a censura se faz pela profusão de informações e não mais pelo impedimento da circulação delas, como antes. Claro que esta forma de controle ainda existe e existirá. Destacamos, aqui, porém, a forma que predomina, que dá o tom. A enorme quantidade de informações impede a reflexão aprofundada sobre uma delas, especificamente, nivelando-as todas, à condição de descartável.

O debate público fica superficial e marcado por polêmicas estéreis, posto que sustentadas em temas, abordagens secundárias, frente ao que é essencial e que contribui para indicar caminhos mais densos, com foco nas questões estruturais, por exemplo, que é de onde as outras decorrem.

continua após o anúncio

Vamos ao exemplo da situação de Salvador, a partir das eleições municipais deste ano. Em minha opinião, quem ganhou foi a pior opção que a população tinha para escolher. Quero destacar que a observação que faço é a de um independente observador e militante por transformações sociais, que apontem no caminho de uma sociedade igualitária e de radicalização democrática.

Portanto, a escolha feita em Salvador foi a pior, por ser profundamente agressiva contra estes dois parâmetros que me orientam, na intervenção política (transformação social e aprofundamento da democracia). No meu caso, é a intervenção de quem tem lado, mas não tem partido. De quem não tem pretensões representativas em qualquer dimensão, mas tem disposição para contribuir com o movimento social, que seja agente político ativo e independente.

continua após o anúncio

Só com um movimento social que assuma esta condição é que será possível alcançar o aprofundamento da democracia e garantir as prioridades de estruturação da vida em sociedade. Não acredito no iluminismo dos dirigentes institucionalizados, os mais “eficientes” terminam “bonapartistas”, em menor ou maior escala.

Entendo que o caminho da participação na máquina estatal (federal, estadual e na municipal, ainda que em menor efeito) transforma todos em assemelhados. É aquela velha propaganda: “Eu sou você, amanhã”.

continua após o anúncio

Digo isso, mesmo entendendo que esta dimensão da luta política é parte importante da luta pelas mudanças, desde que se tenha consciência dos seus limites e seja preservada a autonomia dos movimentos sociais.

A conclusão inevitável está na frase vista em uma das manifestações na Espanha: “Nuestros sueños non caben en vuestras urnas”. Sendo assim, o desafio é continuar o trabalho - participar das várias e diferenciadas formas de luta -, mas não tentar impedir o direito de sonhar. O caminho é longo. Sem sonho, é um pesadelo.

continua após o anúncio

E daí?

Foi com base nesse entendimento e desejoso de que a discussão sobre os caminhos da nossa “Cidade da Bahia” ganhe contornos gratificantes, encarando a realidade e suas imposições à luta transformadora, que resolvi escrever sobre o tema. É sempre bom lembrar que a pretensão é enorme e nenhuma, ao mesmo tempo.

continua após o anúncio

NENHUMA, porque só em ter escrito e publicado, já me basta. É a dimensão individual do prazer de pensar, dizer e praticar o que se acredita. Cada um tem o prazer pessoal, na perspectiva que lhe satisfaz.

É ENORME porque, se vier a ter alguma repercussão positiva, completará o prazer individual com o compartilhamento, a coletivização, a dimensão social, que entendo ser imprescindível à vida de todos e de cada um. Só que essa coletivização não pode ser artificializada, para não ser insignificante e efêmera quanto às conquistas pessoais e coletivas.

continua após o anúncio

O foco específico ao qual este texto se refere é a futura administração de Salvador. A relação com ela, o enfrentamento a ser feito e a oposição a ser praticada (portanto, este texto tem lado e procura explicitá-lo). Esta relação não deve e, por isso, não pode ser superficial, simplesmente marketeira. O adversário “pisou na casca de banana” e já se apresenta como a demonstração do atoleiro que significará, socialmente. Procedimento que tem a perspectiva de se esvaziar, logo após a onda, em que se tentou surfar.

A modernização do ACM Neto, em relação ao ACM avô, é a do avô em relação às oligarquias tradicionais, tecnicamente modernizada e essencialmente familiar e patrimonial. O neto continua familiar e patrimonial e mais voraz em sua essência neoliberal. É uma inovação técnica e de contexto histórico, portanto. Digo isso, porque esta modernização da família política do eleito me foi revelada pelo mais destacado de suas lideranças construídas e que teve o projeto, tragicamente interrompido.

continua após o anúncio

O autor da formulação disse duas coisas interessantes, por serem reveladoras. Uma delas é que, admirador e seguidor assumido do ex-ministro da ditadura militar, intelectual e pianista, Mário Henrique Simonsen, o deputado se dizia indignado pelo fato de, no Brasil, a direita ter vergonha de se assumir como direita. Para ele, isso era muito mais prejuízo, que lucro, como também diria o Ministro Simonsen, segundo meu interlocutor.

A segunda revelação que aqui destaco é sobre a renovação que a família política admitia, mas não pleiteava que fosse abraçada pelo pai do interlocutor e avô do eleito: “Foi sempre vitorioso, assim, não vai mudar”.

A pretensão dos modernos da família política em questão se referia à presença do Estado na economia. Meu interlocutor afirmava que, em relação ao “tamanho do Estado” e sua intervenção na economia, o pai dele, avô do eleito, era “mais próximo das idéias da esquerda, de um estado forte e com presença na economia”. Enquanto ele seria inteiramente liberal, de direita.

Eis a renovação da família política. Ser menos ou mais orientado pelos interesses do mercado. Por isso, mais do que a lei dos royalties, diz mais sobre o eleito, a entrevista de ACM Neto, feita pelo jornalista Fernando Rodrigues, no “Poder e Política”, projeto do UOL e da Folha”, em 31/10/2012, ocorrida depois da eleição, portanto. (O link: <http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/11/01/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-acm-neto-a-folha-e-ao-uol.htm>)

Nessa entrevista, o eleito reafirma a essência de todos os seus dogmas neoliberais. Comecemos com a resposta da décima pergunta. Transcrevo um trecho abaixo:

Nós temos uma política muito clara dentro do partido de defender governos eficientes, né? De condenar elevação de carga tributária. De apoiar e estimular o investimento privado como maneira de desenvolver a economiaEntão, a gente não perde a nossa identidade.”

O que é “defender governos eficientes”, para o DEM. Não pergunte ao eleito, pois o marketing já equacionou a essência desse discurso, com a sua explicitação pública. Observemos a concordância com o discurso do Mitt Romney, nos EUA, derrotado nas últimas eleições, pelo Barack Obama. Olhemos os cortes nos gastos sociais e em pessoal e estaremos perto de enxergar a real eficiência de um governo neoliberal, tupiniquim ou não.

O trecho a seguir diz do caráter ideológico mais comprometido, posto que sem espaço para não praticá-lo. Enquanto o avô praticou o pragmatismo escancarado, o tempo todo, o neto está condenando e se vangloriando de não tê-lo feito:

“E, no Brasil, existe mais ou menos uma coisa assim ‘Ah, ser oposição é ter problema, é não conseguir sobreviver’. Tem gente que acha isso. Eu fiquei 10 anos na oposição e hoje sou prefeito da terceira maior cidade do Brasil.”

Confesso que acho esta condenação à prática do avô uma bravata, fanfarra, garganta. Como diz Fernando Pessoa: "Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade / Nem veio nem se foi: o Erro mudou." E digo isso, mesmo que se identifique como verdadeira a fala do eleito, transcrita abaixo.

O Democratas hoje é um partido unido. É um partido que tem uma linguagem só. É um partido que pensa em conjunto e que tem, hoje, uma relação muito harmônica dos seus principais líderes.”

É verdade que o DEM é um partido marcadamente ideológico. Ficou tão pequeno que é uma direita profundamente ideológica e, por ser assim, a harmonia e unidade têm a ver também com o pragmatismo, oportunismo dos interesses. Veja que nem os movimentos sociais escapam da fanfarra. O eleito identifica

“Uma outra diferençaO PT tem um histórico de relação com os sindicatos, movimentos sociais etc. que a oposição de hoje não conseguiu construir. E essa é uma autocrítica que as oposições têm que fazer.”

Ou sobre a mudança de legenda (ARENA/PDS/PFL/DEM/...). Neoliberalismo é neoliberalismo, mas descobriram o marketing e descobriram também que, na democracia, é imprescindível o vínculo com a população, em um discurso em que ela se sinta integrada. O eleito revela a insatisfação com a mudança de nome, só não disse qual ele gostaria de ter preservado.

“Olha, eu acho que a aquela mudança toda podia ter sido revista. Agora não adianta mais ficar discutindo, né? Qual é a lição que fica disso?Não adianta você mudar a embalagem se você não muda o conteúdo.”

Fica a questão, qual o conteúdo novo que pode vir, a partir do eleito. Em minha opinião, tudo que for técnico e que possa facilitar o discurso do consenso imediato, estimular as empreiteiras, facilitar a especulação imobiliária, acalmar as empresas de transporte urbano, etc., como bem convém ao pragmatismo neoliberal.

Quanto às empresas de ônibus, transportes urbanos, poderemos até presenciar uma “briga”, com o roteiro previamente acertado, que seja possível ser vista publicamente. É possível até que vejamos o eleito, logo no início do mandato, em algum terminal urbano ou algo parecido, para “garantir a melhoria do serviço”.

Por que falo isso?

Por duas razões. A primeira é que o eleito sabe, pela prática de sua própria família política, o quanto um governo estadual, com o apoio do federal, pode atrapalhar a administração municipal. No entanto, ele sabe, também, que o massacre ao governo da, hoje, senadora Lídice da Mata só foi possível pelo contexto histórico. Momento inicial da democracia, com um governo federal comando pelos parentes ideológicos do neto, yuppies da política, Collor e Cia, onde o avô esteve bem à vontade.

Além disso, localmente, outro fator que ajudou bastante foi o domínio da audiência televisiva, com a reprodução da programação da Rede Globo (antes a TV Bahia reproduzia a TV Manchete). Naquele período, o boicote não era noticiado, mas ocorria a cobertura jornalística das dificuldades da administração pública em atender os serviços e as urbanidades. Proliferavam na TV, os buracos e os problemas da cidade, enquanto estadualmente a administração era “perfeita” e constantemente noticiada, “em suas qualidades”.

Agora, o contexto é outro. A democracia liberal tupiniquim consolidou na sociedade brasileira alguns parâmetros para o debate público, quanto às regras de condução das administrações, seja em que nível for, em especial, das metrópoles do país. Salvador é a terceira entre elas, com dois eventos internacionais privados, à frente.

Assim, manter um discurso de consenso, que dê à população o sentido de pertencimento, é uma necessidade irrecusável para a sobrevivência local e para alguma demanda estadual ou federal. Além do fato de que, hoje, o grupo ainda mantêm o controle da audiência.

Mesmo que em uso mais comedido, em relação ao passado, a TV não deixará de ser um palanque privilegiado para o eleito, principalmente se for para denunciar alguma ação não republicana dos outros níveis de governo. Ações republicanas estas que eles “tanto prezam”.

Por isso, que qualquer declaração infeliz, de qualquer representante entre os situacionistas, não passará de uma declaração infeliz, pois, provavelmente, não terá nenhum efeito prático. Os avanços político e dos parâmetros democráticos não permitem que algo deste tipo passe de uma investida “impensada”.

Por isso, superar o contexto soteropolitano, proporcionado pelas urnas, será um desafio de qualidade para todos os que quiserem intervir na cidade.

Sem pretender que seja a única a influenciar, destaco que uma das causas do resultado eleitoral, ainda não abordado na dimensão correta por nenhum dos lados, foi o fato de Salvador ter se consolidado como uma metrópole, com todos os males e quase nenhum dos benefícios metropolitanos. A classe média e parte dos emergentes não se viram devedores da máquina estatal, votaram, na dimensão exata de uma eleição massiva: a vontade e o momento orientados pelo fato político mais marcante, a insatisfação com os representantes do projeto federal.

Assim, ou a esquerda se diferencia na qualidade do enfrentamento ou aprofunda a confusão, que terá sobrevida na renovação tecnocrática e pragmática, possível aos neoliberais.

É importante perceber que é um grande engano creditar o contexto republicano, que impõe renovações, à presença dos neoliberais tupiniquins e suas vitórias locais, ocasionais. Este é um contexto construído a partir das conquistas democráticas, acrescentadas pelas melhorias sociais acrescidas pelo projeto de 2002. Em Salvador, há um aspecto específico que precisa ser aprofundado.

A cidade, ao tornar-se metrópole, deixou de ser o balneário do turismo e dos turistas, como foi tratada até bem pouco tempo. A sua força cultural, antes, discurso dominante, quase exclusivo, tem que ser ombreada, hoje, pelo sufocante cotidiano de uma metrópole desorganizada.

Condição metropolitana esta que não foi assumida pelas administrações públicas, o metrô tornou-se um símbolo desse descaso, mas não o único. O estado dos terminais de ônibus, a segurança pública, a crise na saúde e na educação - independente do que se diga que está sendo feito - bate na população como abandono e pouco caso.

O fato é que a Cidade da Bahia se transformou, transformemos a política, para acompanhá-la.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247