"Ele precisava de uma arma; eu, de dinheiro"

Eis a frase de Manoel Freitas Louvise, que, em 1978, comprou uma arma legal. Quando precisou de recursos, raspou a numerao e vendeu para o assassino Wellington, que matou 12 crianas



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Dario Palhares_ 247 - As duas armas de fogo utilizadas por Wellington Menezes de Oliveira para assassinar 12 crianças em uma escola pública no Realengo, em 7 de abril, já foram legais e já estiveram 100% em dia com as regras estabelecidas pelas autoridades. Como a Polícia Civil fluminense havia apurado, o revólver calibre 32, vendido ao atirador pelo chaveiro Charleston de Souza de Lucena e o vigia Izaías de Souza, por meros R$ 260, fora furtado de um sítio em 1994. Hoje, os policiais prenderam o terceiro fornecedor do matador, o segurança Manuel Freitas Louvise, que vendeu-lhe, em setembro, um revólver calibre 38 que estava em seu poder desde 1978. Além da arma, ele entregou ao “cliente” grande quantidade de balas e os carregadores “jet speed”, que permitem municiar os tambores dos armamentos com grande rapidez. Faturou R$ 1.200 com o negócio.

“Eu não matei ninguém. Ele não falou que era pra isso, falou que era pra defesa pessoal”, justificou Louvise, de 57 anos, após ser preso em sua casa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Sua prisão, por determinação da juíza Maria Paula Galhardo, foi decretada por conta de comércio ilegal de arma de fogo e porque, mesmo sabendo da "atrocidade" cometida por Wellington, mateve-se "oculto" durante todo o tempo. O segurança declarou que resolver vender a arma e os “acessórios” a Wellington, com quem trabalhou na Rica Alimentos, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, porque precisava de recursos para consertar seu carro. “Ele falou que precisava de uma arma. Eu precisava de dinheiro”, disse Louvise, que tem um neto de 12 anos, idade de uma das vítimas do massacre em Realengo. “Se eu pudesse adivinhar o que iria acontecer não tinha vendido [o revólver]”, afirmou. Foi uma tristeza imensa receber a notícia sobre o crime.”

Embora ainda não saiba, o segurança vai se tornar figura central, nos próximos meses, nos debates sobre o desarmamento da população, que terá como gran finale o plebiscito de 2 de outubro, proposto pelo senador José Sarney, em que os brasileiros dirão se o comércio de armas deve ou não ser proibido no País. Apesar de ter infringido a lei, Louvise está longe de ser uma ameça à segurança pública, como atesta a própria Polícia, que não encontrou manchas em seu passado. Seu perfil condiz, muito mais, com os “cidadãos de bem” que frequentam a retórica da Bancada da Bala no Congresso Nacional e da extrema direira, agora preocupadas com a perspectiva de ver escapar por entre seus dedos a vitória obtida no referendo popular de 23 de outubro 2005, que decidiu pela manutenção do comé rcio de armamentos no País, apesar das restrições.

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“Se as armas foram adquiridas de forma legal, tem que desarmar os bandidos e não os cidadãos de bem”, protestou o goiano Demóstenes Torres, líder do DEM no Senado, acrescentando que o Senado “pegou carona na onda errada”. Na avaliação do parlamentar, a iniciativa prejudica os “cidadãos de bem”. O argumento é o mesmo do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), expoente da extrema-direita no Congresso Nacional.

Pois é, Manuel Freitas Louvise, apesar de sua mancada, pode ser considerado um “cidadão de bem”, assim como o proprietário, já falecido, de um revólver calibre 32 furtado em um sítio no Estado do Rio há 17 anos. Mas, apesar de todas essas credenciais, por assim dizer, foram as suas armas que decretaram, de maneira brutal, o fim das vidas de 12 “brasileirinhos”, como assinalou a presidenta Dilma Roussef. Isso porque “cidadãos de bem” continuam a vender armas por debaixo do pano e a vê-las surrupiadas por “cidadãos do mal” que se valem, eternamente, do fator surpresa em relação às suas vítimas, mesmo que elas tenham algum trabuco escondido no fundo de uma gaveta.

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“A população foi induzida a erro (no plebiscito de 2005) porque estamos verificando que a venda de armas no país de nenhum modo alcançou o que julgavam, garantir segurança ao cidadão”, observou o senador José Sarney ao propor, nesta semana, o plebiscito sobre a venda de armamentos e munições no País. “Ao contrário, torna-o mais vulnerável porque cada um que tem arma passa a ser objeto de procura dos bandidos e infratores para com essa arma cometer crimes que a sociedade tanto repudia”.

O plesbiscito proposto por Sarney é uma derrota não dos verdadeiros cidadãos de bem brasileiros, sem as aspas que lhe atribuem a extrema direita, e sim da Bancada da Bala, de seus patrocinadores e de setores retrógrados da sociedade. Tal consulta popular permitirá um avanço da democracia e da civilização no País, mas a vitória só poderá ser comemorada, de fato, se no desenrolar do processo for dada ao artigo 35 do Estatudo do Desarmamento, a Lei 10.826, de 23 de dezembro de 2003, a redação aprovada pelo Congresso Nacional e vetada pelo referendo de 2005: “É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei”. E ponto final.

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