Cardozo ao 247: 'empresas devem ser preservadas'
No momento em que o Ministério Público age para promover a quebra de seis empresas investigadas na Lava Jato, que empregam dezenas de milhares de trabalhadores, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, faz um chamado à razão; "É preciso separar as pessoas das empresas. As condutas individuais devem ser investigadas e deve haver punição. Outra coisa é tomar decisões contra as empresas, que possam prejudicar a economia do País. É óbvio que deve haver sanções e que as empresas devem ser enquadradas no que prevê a lei. Mas temos que ter o cuidado para não atentar contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade", afirma; leia a íntegra da entrevista exclusiva ao 247
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247 - Na última quinta-feira, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu a equipe do 247 para falar sobre o bombardeio a que vinha sendo submetido.
Era criticado por personagens como Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, por supostamente interferir nas investigações da Lava Jato.
No PT, também recebia ataques dos que o acusavam de não conter o direcionamento da Lava Jato, que parece mirar a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula.
Segundo Cardozo, é o preço que se paga por adotar uma postura 'republicana', à frente do Ministério.
Nesta entrevista, concedida aos jornalistas Leonardo Attuch, Paulo Moreira Leite e Tereza Cruvinel, ele explica como foi o encontro com os advogados da Odebrecht e também fez um chamado à razão, na mesma semana em que o Ministério Público anunciou uma ação que pode quebrar seis grandes empresas brasileiras.
Leia, abaixo, a íntegra:
247 - Como foi o encontro com os advogados das empreiteiras?
José Eduardo Cardozo - Houve um único encontro, a pedido de advogados da Odebrecht. Não houve nenhum outro encontro para tratar de Lava Jato. Neste caso, houve registro na minha agenda e também foi feita uma ata.
247 - A ata é pública?
Cardozo - Não, porque tratou de assuntos sob sigilo legal. Um dos pontos eu me sinto autorizado a falar, porque a advogada da Odebrecht, Dora Cavalcanti, publicou artigo sobre o tema: a crítica da empresa aos vazamentos da operação. Eles alegam que os inquéritos abertos a respeito desses vazamentos não têm merecido a devida atenção. Recomendei que formalizassem uma reclamação, que foi feita e já despachada à Polícia Federal. O outro ponto diz respeito à cooperação internacional e, a ele, não posso me referir pois está sob sigilo [após a entrevista, este ponto se tornou público, com a revelação de que a Odebrecht pretendia saber se a busca de informações na Suíça se deu de acordo com os trâmites legais].
247 - Enquanto a OAB lhe deu razão, o sr. recebeu críticas do ex-ministro Joaquim Barbosa e de editorialistas de jornais, que o acusaram de tentar interferir politicamente na Lava Jato. Como o sr. encara as críticas?
Cardozo - É absurdo que algumas pessoas considerem que, num estado de Direito como nós vivemos, um advogado não possa ser recebido por uma autoridade. A lei é clara. O estatuto da advocacia garante ao advogado o direito de ser recebido por autoridades públicas. Negar esse direito é descumprir a lei. Em segundo lugar, a advocacia é essencial para a Justiça. Da mesma forma que eu recebo juízes e membros do Ministério Público, eu recebo advogados. Não há por que criminalizar a advocacia. Isso é inadmissível.
247 - Mas se o sr. não está envolvido na Lava Jato, que encaminhamento pode ser feito após uma reunião com o ministro da Justiça?
Cardozo - Há uma posição de governo de que a Polícia Federal deve ter total autonomia para investigar, salvo quando transgride a lei. Quando há transgressão da lei, eu posso intervir. Quando me chegam notícias de irregularidades, eu tenho que agir. É por isso que os advogados têm que ter acesso ao ministro da Justiça. Sem informações para saber se a lei está sendo cumprida, como é que eu posso cumprir meu papel?
247 - Há situações em que o sr. também é criticado pelo PT, por não denunciar supostos abusos, como no episódio em que o tesoureiro João Vaccari foi chamado a depor coercitivamente. Na sua opinião, tem havido abusos?
Cardozo - Eu não sou corregedor da Justiça. Eu fiscalizo a ação da Polícia Federal. No caso do episódio do Vaccari, houve uma ordem judicial. Não foi uma decisão da Polícia Federal. Houve uma ordem que partiu do Paraná, do juiz Sergio Moro, para que houvesse a busca e apreensão. Quando há essa ordem, o policial tem o dever de cumpri-la. Se existem obstáculos relativos a isso, ele tem que superá-los.
247 - Ao que tudo indica, não havia obstáculos.
Cardozo - Parece que não atenderam a porta e o policial fez o necessário para cumprir a ordem a judicial. Agora, eu não recebi nenhuma reclamação relativa a esse caso.
247 - Mas e o depoimento coercitivo?
Cardozo - Foi determinado pelo juiz.
247 - O sr. acha correto?
Cardozo - Eu não avalio ordens judiciais, nem posso fazê-lo. No dia em que eu o fizer, estarei burlando a separação de poderes, pela qual é meu dever zelar.
247 - Mas o Brasil tem um ordenamento jurídico claro. Há executivos presos há 3 meses, que empregam dezenas de milhares de pessoas, sem antecedentes criminais e que, pela lei, têm o direito de responder em liberdade. Mantê-los presos, e, segundo consta, para se obter delações, não é um abuso?
Cardozo - Eu como acadêmico tenho uma visão clara sobre isso. Mas como ministro da Justiça eu não pretendo me manifestar. Quando sair do Ministério da Justiça, seguramente poderei externar minha posição.
247 - Do ponto de vista do preso, o que pode ser feito para interromper esse abuso?
Cardozo - Ele sempre pode recorrer à autoridade competente. Se o abuso é da Polícia Federal, representem ao ministro da Justiça. Se o abuso é do Ministério Público, representam ao Conselho Nacional do Ministério Público. Se o abuso é do juiz, representem ao Conselho Nacional de Justiça.
247 - O PT também fez uma representação questionando direcionamento das investigações. Quais serão as consequências?
Cardozo - A partir da delação do senhor Pedro Barusco, que confessou agir desde 1997 na Petrobras, o PT questionou se estaria havendo um direcionamento para se investigar apenas fatos posteriores a 2003. Se isso está acontecendo, é importante saber o porquê. Toda e qualquer denúncia, não importa se ocorrida no governo A, B ou C, tem que ser investigada.
247 - Alguns delegados da força-tarefa da Lava Jato fizeram campanha aberta para o PSDB, na disputa presidencial de 2014. Esse é um comportamento correto?
Cardozo - Qualquer cidadão pode fazer campanha para quem quiser. Se, ao fazer campanha, atinge alguém, quem deve reagir é o ofendido. O que me preocupou naquele caso é que, de acordo com uma reportagem do jornal Estado de S. Paulo, o delegado poderia estar usando informações obtidas por meio de seu exercício profissional. Isso seria irregular. Com base nisso, é que abri uma sindicância. Alguns órgãos de imprensa especularam que eu estaria pressionando delegados. Não fiz pressão alguma e esse tipo de acusação não me intimida. Se quem fez campanha não utilizou qualquer informação do Estado, ok. É um direito.
247 - Ainda que seja um direito, não seria recomendável uma cautela maior?
Cardozo - Eu posso até concordar, mas a lei não impede que determinada pessoa faça campanha. Eu só poderia adotar uma postura punitiva se houvesse, efetivamente, uma infração. E eu jamais cometeria um arbítrio contra qualquer delegado, afastando-o sem base objetiva.
247 - Se for chamado ao parlamento para explicar os encontros com advogados de empreiteiras, o sr. irá?
Cardozo - Com grande prazer, como já fiz inúmeras vezes. Quando fui acusado de manipular o Cade e a Polícia Federal para se investigar o cartel do metrô de São Paulo, fui à Câmara, convidado, com a consciência tranquila. E irei novamente se for necessário.
247 - Na Lava Jato, muitos avaliam que seu aspecto heterodoxo, que é o de usar prisões para se obter delações premiadas, tem como objetivo recolher elementos para um eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff ou para inviabilizar o ex-presidente Lula. O sr. acredita que essas motivações existem?
Cardozo - Se houver uma prova de que existe uma ação politicamente direcionada, contra quem quer que seja, ela será investigada. Eu não posso me navegar por considerações ou avaliações desse tipo. Se houver um fato concreto, terei o dever de intervir. Jamais poderemos admitir que alguém possa ser perseguido ou protegido. A bancada do PT entrou com uma representação alegando que haveria uma proteção. Mandei apurar.
247 - Como se descobre se há uma proteção?
Cardozo - Se não são feitas perguntas ou investigações a partir de uma notícia-crime, é um indício.
247 - Quais serão, a seu ver, as consequências econômicas da Lava Jato e o que deve ser feito para minimizar os danos à sociedade?
Cardozo - É preciso separar as pessoas das empresas. As condutas individuais devem ser investigadas e deve haver punição. Outra coisa é tomar decisões contra as empresas, que possam prejudicar a economia do País. É óbvio que deve haver sanções e que as empresas devem ser enquadradas no que prevê a lei. Mas temos que ter o cuidado para não atentar contra a economia, contra o emprego e contra o bem-estar da sociedade.
247 - Outro tema relevante é o do Swissleaks. Como será a conduta do Ministério da Justiça neste caso?
Cardozo - Já pedimos um estudo e vamos tomar todas as iniciativas para recuperar os ativos, se estiverem configurados crimes contra a ordem tributária.
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