Barbara Gancia indaga: o MP está à altura do caso Thor?
Em artigo esplndido, colunista da Folha disseca o caso Thor-Wanderson e cobra investigao sria
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Coluna da jornalista Barbara Gancia no jornal Folha de S. Paulo destaca, nesta sexta-feira, desafios e incoerências da sociedade brasileira expostos no decorrer das investigações sobre o acidente que envolveu o filho de Eike Batista, Thor Batista, e o ajudante de caminhoneiro Wanderson Pereira dos Santos no último final de semana:
Bom-mocismo para o Oscar
VRRRUUUM! Os fatos se passam diante de nossos olhos na velocidade de um F-1. Numa rodovia, o filho do magnata Eike Batista não enxerga um ciclista que volta do trabalho e passa por cima dele. A cegueira chega a ser emblemática de nosso conflito de classes.
No dia seguinte, já está tudo terminado. As declarações são dadas, um teste de bafômetro é apresentado como troféu, o rapaz se entregou às autoridades espontaneamente.
Em um país em que os ricos estão eternamente entregues à esbórnia, quem cumpre minimamente as normas acaba virando herói.
Não interessa mais a ninguém que o ajudante de caminhão Wanderson Pereira dos Santos tenha tido o corpo estraçalhado e a vida brutalmente interrompida. Ainda foi acusado por Eike Batista de imprudência. Nós já mudamos de página, estamos em outra.
Não uso "nós" para me distanciar, moralizar e apontar o dedo, não. Onde estão as testemunhas que viram o carro chegando a um milhão por hora? Onde estão as provas da polícia técnica que podem nos dizer a velocidade em que ele estava? Ninguém quer saber disso, eu incluída, porque quando olhamos para o rapaz o enxergamos como um pintinho molhado perdido na chuva.
O vimos crescer, filho da mulher que andava de coleira e trocou o marido por um bombeiro. Ele e o irmão, alunos do colégio alemão, de cara fechada nos desfiles de escola de samba ao lado da mãe, quem não se lembra? Cá entre nós, não há aí um embate terrível entre informalidade e rigidez?
Aliás, para o meu gosto, sobram componentes alemães na história: carro parcialmente alemão (que, aliás, já dormiu na sala de estar), educação alemã e, veja: quando Eike diz que a presença de Wanderson, a vítima, na rodovia poderia ter matado outras pessoas, será que ele não está expressando o desejo de que o filho trafegasse em uma "autobähn"? Xerém está longe de ser uma via para se andar a 300km/h, estrada brasileira é coalhada de periquito, pedestre e patinete -imagino que Eike saiba disso.
E não importa quanto dinheiro você tem ou se bebeu da cartilha de Bismarck e Metternich. Deve ter um mínimo de bom-senso e resistir à tentação de compensar com brinquedinhos como um carro com motor de F-1.
Moleque tem pinta de He-Man, nome de Deus escandinavo e anda por aí com um modelo de carro do qual existem apenas 3.500 cópias no mundo. Isso aos 20 anos. O que ganhará quando fizer 21? A feira de um Airbus A380? A feira de Le Bourget inteira? Em nenhum lugar do mundo você consegue fazer o seguro de um carro esportivo da cilindrada no SLR McLaren para ser conduzido por pessoas com menos de 25 anos.
Quando olhar para trás, o que Thor terá aprendido ao levar em conta a rapidez com a qual este capítulo de sua vida foi encerrado?
No Livro "A Fogueira das Vaidades", o milionário de Wall Street, Sherman McCoy, é massacrado por fazer a coisa errada em uma situação de atropelamento. Em vez de ir às autoridades e contar a verdade, ele peca por omissão.
A família Batista escolheu a estratégia inversa. Colocou Thor na linha de frente desde o primeiro momento. Mas o ambiente controlado em que a exposição se deu, com seguranças barrando o caminho da imprensa, o pai falando pelo filho em tom arrogante e culpando a vítima sempre que pôde e a voz de Thorzinho ocupando todos os espaços do Twitter nos fazem crer que estamos diante de uma encenação épica de bom-mocismo.
Tomara que o Ministério Público esteja à altura do desafio.
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