As contradições de Brasília

Aos 51 anos, a cidade ainda incompreendida. Capital de uma corrupo importada, do trnsito precocemente catico, do rock nacional e de uma populao que comea a fincar razes, a metrpole engatinha



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Rodolfo Borges_247 – A cidade está todo dia no noticiário. E não está. Brasília serve de cenário para as grandes decisões do país, pano de fundo para o fabuloso espetáculo do crescimento – ou enriquecimento, a depender do seu partido – e curiosamente, aos olhos de quem assiste, acabou ganhando um ar de contravenção. Bobagem. Como se algo que não a terra pudesse manchar as fachadas imaculadas rabiscadas por Niemeyer. O mau desempenho dos atores não deveria macular a cenografia do palco, mas acontece. E penso se não seria o caso de apresentar representação no Supremo Tribunal Federal contra a injustiça.

Vem gente de todo o canto para mandar no país aqui dentro, no Planalto Central, durante apenas três dias na semana, e a culpa fica com a cidade. Aceita esse sacrifício feito em teu nome, Brasil, mas não amola. Brasília foi criada para abrigar a política nacional e, por consequência, todas as benesses que o título de capital lhe concede, mas levou de ônus o ódio concentrado de uma nação. Pelo menos a Praça dos Três Poderes, essa maquete criada pelo tio Niemeyer, acabou por se estabelecer como uma fachada protetora para a população candanga, e é por isso que as câmeras fotográficas e filmadoras do noticiário não ultrapassam os monumentos para incomodar a verdadeira cidade.

É, por incrível que pareça e contra todas as expectativas, Brasília virou uma cidade de verdade. Meio desajeitada ainda, sem saber direito como lidar com espaços de utilização comum e confusa no trato com a crescente frota de veículos. O Distrito Federal alarga seu asfalto por cima do mato mal cortado e convida a chuva a alagar garagens subterrâneas e universidades desavisadas. Ei, a gente ainda está aprendendo. Tudo fora dos planos, como qualquer grande cidade que se preze, mas de um jeito meio artificial, uma cidade certinha e caxias tentando parecer cool para a vizinha Goiânia, que já se perdeu nos cruzamentos de suas pistas há muito tempo.

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Brasília completa 51 anos nesta quinta-feira, mas parece ter 80, 90, com seus prédios tombados pelo patrimônio público e sua vontade de dormir cedo – e a lei do silêncio que era às 2h ameaça passar para a 1h, para 0h, para... Os moradores envelheceram mais rápido que o Plano Piloto, e isso Lucio Costa não previu no projeto, como não estava combinado também que as cidades-satélite cresceriam tanto em torno de Brasília e viveriam todas em função dela, num fluxo cronometrado de ida das 7h às 9h e de volta das 18h às 20h. São mais de 20 cidades dormitório – sem contar o Entorno de Goiás – sonhando com a aprovação no concurso público que há de nos redimir a todos. É essa a verdadeira “riqueza inconcebível” do sonho profético de Dom Bosco sobre a capital, enfim revelada nos editais para concurso do Ministério Público Federal.

Mas eu ia dizendo que os moradores da capital começam a deixar suas fortalezas para passear com os cachorros. Que começam a temer pela própria segurança e proibir a passagem por entre os pilotis, essas pilastras que sustentam os prédios e por onde seus criadores um dia pensaram que todos poderiam e deveriam passar. Vocês percebem a cidade respirando? Por aparelhos ainda, que é difícil deixar o esquema planejado, mas a gente já tem até história pra contar, e não tem nada a ver com o oficial protagonizado por Kubitschek.

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Vai sendo filmado para a posteridade o grande épico do Renato Russo, nosso maior poeta para exportação, e o país deve enfim conhecer a Ceilândia e seus nordestinos exilados no Faroeste Caboclo. E são tantos outros os dramas. Temos nosso crime insolúvel no caso do ex-ministro do TSE que foi encontrado morto a facadas com mulher e empregada em seu apartamento de segurança máxima. Tem o crime resolvido do sequestro do Pedrinho, o mártir dos ciclistas atropelado covardemente no Eixão (a rodovia que corta a cidade) e o herói que deu a vida para salvar a criança das ariranhas do zoológico. O governador deposto, o carnaval alegórico, as quitinetes de marfim... Sei que não é lá grande coisa, mas são apenas 51 anos tentando ser algo além de uma capital federal.

Nordestinos, eu dizia, como eu, que deixei o Recife ainda sem saber e falo hoje também como brasiliense que, por acaso, comemora aniversário no mesmo dia que a capital. É assim que funciona por aqui. A gente, que veio do Brasil inteiro, vai tentando acostumar a cidade a existir, emprestando humanidade para mascarar a ausência de esquinas, a falta de gente nas ruas, o concreto excessivo e intocável, a falta de calçadas que façam frente às grandes distâncias que desafiam a ousadia de se deslocar a pé.

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Bem, Brasil, em Brasília a coisa vai andando. Se no palco a exibição continua a mesma há 51 anos, aqui, por trás dos panos, engatinha uma cidade. Imagina como vai ser quando ela começar a falar.

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