A rebelião da juventude de hoje

Os mais velhos, em geral, não entendem a visão juvenil. O desentendimento começa com uma diferença radical entre visões do mundo



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Minhas dúvidas, expostas aqui, sobre o que chamei de "o mistério dos vândalos" provocou duas reações típicas e diametralmente opostas. As duas têm em comum o fato de que não consideram autêntica uma rebelião na juventude de hoje e atribuem a ação dos jovens nas ruas, violentas ou não, como manipulação das organizações políticas tradicionais. Os que estão do lado do governo petista acham que tudo é uma tática da oposição que visa a desestabilização do poder legalmente constituído e, consequentemente, um golpe contra a normalidade democrática. Os que se alinham com a oposição sustentam que a ação dos jovens é uma manobra governista que visa a desmoralização e o esvaziamento das manifestações populares de protesto. Em ambas as hipóteses, os jovens são reduzidos a uma estúpida massa de manobra de políticos mais velhos e mais experientes.

Depois de um pouco de pesquisa e alguma reflexão, concluí que essas duas interpretações do fenômeno são igualmente erradas, mal intencionadas e, numa palavra, igualmente desastrosas para uma visão justa do que está acontecendo no país. Ambas são mais equivalentes entre si do que certamente gostariam pois o fundamento de ambas é o apego neurótico aos esquemas estabelecidos e a cegueira mais crassa para o novo, a mudança e a dinâmica natural da realidade. Vi claramente que o que chamei de mistério dos vândalos é simplesmente a expressão de uma legítima rebelião da juventude de hoje, no fundo mais lúcida do que a repetição ad nauseam do confronto senil que tem regido obstinadamente a nossa vida política.

A rebeldia das novas gerações, em geral manifesta numa contestação implacável ao status quo petrificado, pode ser verificada ao longo da história recente, não só do Brasil, mas de todo o Ocidente, uma rebeldia que se estende hoje praticamente a quase todo o planeta. Fechar deliberadamente os olhos para esse processo é não querer ver, ou seja, a característica básica da pior das cegueiras.

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Explicações supostamente racionais e realistas, como as que se apresentam agora, discutindo quem são os verdadeiros manipuladores de jovens que seriam passivos e mais ou menos estúpidos, também constam da experiência histórica. Nos anos 60, a eclosão da contracultura tanto foi acusada de conspiração de pecadores devassos para a destruição da moral e dos bons costumes quanto de ter sido, na verdade, um suborno promovido pela CIA para enfraquecer a juventude brasileira na luta contra a ditadura militar. Esquerda e direita são igualmente teimosas em suas obsessões. Não vale a pena dar muita atenção a elas.

Há quase cinquenta anos atrás, na eclosão da contracultura, presenciei a conversa de dois velhos, anarquistas históricos, que comentavam:

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- Veja só, companheiro, estão falando de nós de novo.

- Eles fingem que se esquecem de nós. Mas, de repente, são novamente obrigados a lembrar.

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Esse diálogo poderia ser repetido hoje, se os dois velhos, hoje centenários, ainda estiverem vivos. Mas não é necessário. Eu era jovem, estava lá e ouvi; hoje, estou velho mas me lembro e repito. Somos obrigados a lembrar e fofocas políticas, de um lado ou de outro, não poderão ocultar o óbvio. As atuais manifestações de nossa juventude rebelde são legítimas, lúcidas, e não são produto de nenhum tipo de manipulação, mas correspondem com fidelidade aos sentimentos e ao pensamento dessa juventude. Sua inspiração é nitidamente anarquista, e portanto romântica, como foi a da contracultura em minha geração. Esses meninos de hoje lutam pela liberdade, a verdadeira, e não a falsa liberdade das fofocas políticas.

Os mais velhos, em geral, não entendem a visão juvenil. O desentendimento começa com uma diferença radical entre visões do mundo. Os velhos acham que o mundo está acabado, o futuro será necessariamente igual ao presente e ao passado, principalmente no que eles tem de pior. Para os jovens, ao contrário, o mundo está por fazer e pode ser transformado em simplesmente tudo que for necessário. A primeira visão se apresenta como realista mas pode ser vista como pura covardia; a segunda visão quer ser ativa e corajosa mas pode ser vista como pura ilusão. Qual é sua opinião, caro leitor? Diga e eu adivinho sua idade.

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Não me venham dizer que faço propaganda da bagunça e da destruição do patrimônio publico e privado. Seria simplesmente ridículo. Em primeiro lugar, não preciso fazer propaganda de coisa nenhuma. Os jovens sabem o que querem, porque querem, para que querem, e o que precisam fazer para conseguir o que querem. Vão se lixar para a opinião de um velho de 75 anos, feito eu. Na verdade, escrevo para minha geração que, aliás, teve uma juventude de esquerda, principalmente socialista, e, com a idade e sei- lá- mais-o que, se bandeou em números assustadores para a direita. Muitos são, ou eram ou sempre foram, meus amigos mas suas opiniões de hoje, conservadoras, reacionárias ou simplesmente fascistas, me deixam até meio assustado e envergonhado.

Mas não condeno ninguém. Cada um pense o que quiser, pois como dizem os americanos, ou diziam, this is a free country. Mas não consigo deixar de especular sobre uma mudança tão chocante. Talvez o responsável por recuo tão assustado e generalizado por parte de tantos ex-rebeldes, tenha sido o mero peso dos anos. A idade madura considera prioritariamente o tempo provisório e implacável que tem diante de si, é uma estrutura fechada pela morte cada vez mais próxima. Então, a obsessão pela ordem e por uma suposta moralidade corresponde à experiência crescente da rigidez e da morte, que devem encerrar o ciclo vital num processo considerado "normal". Thanatos triunfa sobre Eros.

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Mas esse mundo senil, sufocado por toda espécie de leis e regulamentos, deve ser arejado pela visão juvenil que é o seu oposto e seu antídoto. É uma necessidade social. Livre do passado da infância e do futuro da maturidade, o tempo do jovem é a eternidade e seu principal sentimento a consequente confiança absoluta no futuro mais livre que ele vai construir. A aparente insensatez, que apavora os coroas, é portanto exatamente o antídoto que renova a vida, a revanche de Eros. As pequenas destruições praticadas por membros dos Black Blocs, ou dos Anonymous, ou qualquer outro grupo, por exemplo, não tem importância diante da saúde que eles trazem para o próprio espírito da sociedade vigente. E os princípios anarquistas, cujo fundamento é a paixão pela liberdade, tem tudo a ver com isso.

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