A estatização do útero

A proposta do Estatuto do Nascituro faz isso: torna o útero propriedade do Estado e passa a regular sobre ele



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O Projeto de Lei 489/2007 que dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e dá outras providências continua em tramitação na Câmara dos Deputados, explicitando as dificuldades de um Estado laico gerir questões de saúde pública e de direitos individuais ao próprio corpo.

A proposta já começa ferindo o artigo 5º inciso I da Constituição Federal: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Como tornar, então, um homem com a mesma obrigação da mulher de portar dentro de si um conjunto de células fruto de um ato violento? Sim, pois o projeto de lei deixa claro que à mulher vítima do estupro que tenha engravidado compete apenas resignar-se e continuar com a gestação.

Tendo sido violadas a intimidade e a honra da mulher estuprada, como justificar o atentado ao inciso X desse mesmo artigo 5º constitucional? Lembremos que estupros não acontecem porque há úteros. Estupros acontecem porque existem estupradores. Nesse aspecto, uma vitória, ainda que tardia, foi a promulgação da Lei 12.845/2013 que regula a assistência médica às vítimas de estupro e outros abusos sexuais. Drauzio Varella, com peculiar coragem, expôs a situação do atendimento a essas vítimas, especialmente as mais pobres, em artigo recente ("Fascismo em nome de Deus", 27/7).

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Pressupõe-se que todos têm direito à integridade física e, a partir disso, possam dispor de seu corpo como bem entender, com exceção da mulher e seu útero. Pois a proposta do Estatuto do Nascituro faz isso: torna o útero propriedade do Estado e passa a regular sobre ele. Propõe que aquilo que entrar no útero não pode sair a não ser por nascimento, independente se foi de forma consentida, planejada, violenta ou criminosa. Se o Estado não consegue cuidar da integridade física de seus cidadãos como um todo, será capaz, agora, de arcar com a tutela de milhares de úteros?

Estivessem no âmago da questão verdadeiros princípios éticos e de saúde pública, caberia um aprofundamento da discussão se um emaranhado de células tem os mesmos direitos (ou presunção de direitos, pois ainda não nasceu) que uma mulher jovem ou madura, portadora desse embrião e vítima de uma violência sexual de dimensões inimagináveis para quem não passou por isso.

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Nas discussões havidas sobre o feto anencéfalo, foi decisão do STF acolher entendimento médico e científico de que a vida deve ser entendida quando ou enquanto houver atividade cerebral. Se é assim que, sem maiores polêmicas, aceitamos que a vida cessa quando a morte cerebral é declarada, a analogia para o início da vida é fortemente válida.

Os direitos do nascituro teriam razão de serem elencados e regulados apenas e tão somente quando se referirem à vida ali existente. Os médicos concordam que antes de 12 semanas de gestação não há formação do tubo neural e é nisso que se baseia a proposta de permitir o aborto em qualquer circunstância até esse período de gestação. Mas não é disso que a proposta de estatuto trata. Ela quer que o Estado tenha ingerência no corpo da mulher desde o momento em que o útero foi invadido por óvulo fecundado.

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O pressuposto religioso é mais falacioso ainda, pois busca um sopro divino que adentra o óvulo junto com o espermatozoide, lembrando que esses dizeres foram escritos centenas de anos atrás quando se imaginava que o esperma masculino fosse uma semente (ou seja, portadora dos dois gametas) e que o útero fosse apenas um local quente e protegido para o desenvolvimento da criança. O homem seria o portador de toda a vida e a mulher apenas o receptáculo.

A questão que permanece é como se basear em fundamentos tão anacrônicos e errados para justificar a estatização do útero?

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