A campanha secreta de FHC para aproximar Lula dos EUA
História inédita sobre a união das equipes de governo de Fernando Henrique Cardoso e do então futuro presidente Lula, em 2002, para aproximar o PT dos Estados Unidos é contada no livro '18 dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush', de Matias Spektor; para o autor, a relação entre o petista e George W. Bush foi "sem dúvida" a mais próxima da história do Brasil com os EUA; confira entrevista
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Gisele Federicce, 247 – Desde a confirmação da vitória de Lula na disputa à presidência em 2002, as equipes do futuro governo do PT e da gestão vigente, de Fernando Henrique Cardoso, trabalharam juntas para preservar a estabilidade econômica do País e evitar uma grande crise internacional, aproximando o ex-líder sindicalista dos Estados Unidos de George W. Bush. Os republicanos acreditavam que Lula criaria um Eixo do Mal na América Latina. A imprensa norte-americana definia o petista como "antigo radical" e "ex-revolucionário". Era preciso mudar essa imagem.
A histórica transição de 2002 é contada no livro 18 dias – Quando Lula e FHC se uniram para conquistar o apoio de Bush, de Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas. A pesquisa, que traz à tona o conteúdo de documentos e correspondências inéditos, revela uma história surpreendente de união entre petistas e tucanos em um esforço para que Bush abrisse as portas da Casa Branca ao novo presidente brasileiro. A estratégia foi bem sucedida. Os dois presidentes se encontraram antes mesmo de Lula tomar posse.
Em entrevista concedida ao 247, Spektor afirma que a relação entre Lula e Bush foi "sem dúvida" a mais próxima já registrada na história dos dois países. "Havia uma proximidade química pessoal do FHC com o [ex-presidente americano Bill] Clinton que era bastante descolada da realidade", compara o escritor. Ele acrescenta que o início da deterioração do relacionamento entre os dois países começou ainda no governo Lula, com Barack Obama. "O golpe foi a crise da espionagem", diz ele. Em setembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff cancelou uma visita de estado a Washington depois da revelação de que agências de espionagem americanas tiveram acesso a informações internas da Petrobras, da presidente brasileira e de seus assessores.
Atualmente, diz o autor, "os americanos estão dando sinais de que querem" uma reaproximação com o Brasil. O governo dos Estados Unidos confirmou a vinda do vice Joe Biden para a posse de Dilma no dia 1º de janeiro, autoridade mais graduada dos EUA para a cerimônia brasileira desde 1990. "Os dois países devem montar uma agenda em janeiro", acredita Matias Spektor. Dilma e Obama também discutiram em novembro, durante reunião do G20, a data de uma nova visita de estado a Washington. O teor da conversa não foi divulgado, mas certamente o encontro é visto como o primeiro passo de reaproximação entre os países.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Matias Spektor:
Não é impressionante, principalmente observada após uma eleição tão tensa, a aliança feita por PT e PSDB em busca de uma boa relação com os Estados Unidos?
Sem dúvida. Quando eu comecei a pesquisa, eu fiquei muito surpreso com o material que eu fui encontrando, porque a evidência empírica mostrava uma história muito diferente do que a imagem que eu tinha na minha cabeça de como as coisas funcionavam. A polarização é muito útil para os candidatos de ambos os partidos, porque permite a eles se distinguirem no mercado eleitoral, e mobilizar a militância dos dois lados. O ponto central é que, nos bastidores, não é assim que a política funciona. Nos bastidores num sistema presidencialista de coalizão, é muito mais cisão. A história dos '18 dias' mostra isso.
A relação entre Lula e Bush foi o momento mais próximo da diplomacia entre Brasil e EUA? Ou pode ser comparada com a relação entre FHC e Bill Clinton?
Sem dúvida a relação entre Lula e Bush foi muito mais próxima. Havia uma proximidade química pessoal do FHC com o Clinton que era bastante descolada da realidade. A química era verdadeira, mas isso não se traduziu com Brasil e EUA fazerem negócio juntos. Lula e Bush, além da química, tiveram a ambição enorme de fazerem negócios juntos: a missão ao Haiti, a luta contra a Aids na África, o número de conversas sobre Chávez, a criação do G20, a reforma do FMI e do Banco Mundial, muitas instâncias nas quais houve negócio entre os dois países. Foi mais intensa do que em todo o passado da nossa história.
Recentemente, o senador Ricardo Ferraço defendeu, na comissão de Relações Exteriores, o "resgate do diálogo" com os EUA, fez um balanço da visita dele ao país e disse que se preocupa com o recente esfriamento da relação diplomática entre os dois países. Ele chegou a citar a palavra "esvaziamento". Você concorda e qual sua expectativa para o próximo mandato da presidente Dilma?
A partir de 2008/2009, houve uma deterioração da relação, uma sequência de crises: Honduras, bases militares da Colômbia, declaração de Teerã, Brasil e Turquia tentaram promover um acordo com o Irã... Houve um início da deterioração ainda no governo Lula, já com Obama. Quando a Dilma assumiu, houve uma tentativa de resgate do que era no passado, essa relação foi de fato progressivamente esvaziada.
A relação com o Bush foi perdida com o Obama, não houve isso com o Obama. O golpe foi a crise da espionagem. Apesar disso, a relação é esvaziada no nível alto, porque nos bastidores continua havendo muita relação, eles continuam fazendo negócio. O que falta é aquele impulso de alto nível e de interlocução. Isso não temos hoje, de a presidente pegar o telefone e ligar para o Obama, como Lula fazia com Bush.
Como você avalia a reação do governo brasileiro em cancelar a visita aos Estados Unidos depois das denúncias de espionagem?
À época eu concordei com o cancelamento da reunião. Se a Dilma fosse aos EUA no auge da crise, poderiam surgir revelações constrangedoras para o governo. Agora cancelar a viagem e não pedir nada em troca, ou pedir algo impossível, que é o pedido de desculpas por parte dos EUA – eles não vão fazer isso, não fizeram com os próprios cidadãos. Os EUA estão se questionando por que a gente não pede algo plausível para que eles possam fazer. Agora há todas as condições de arrumar isso.
Analisando o cenário mais recente, com a reeleição da presidente, você diz que a relação com os EUA ficou fragilizada novamente. Como vê então a vinda do vice-presidente americano Joe Biden para a posse de Dilma?
Os americanos estão dando sinais de que querem ter isso. Depois da polêmica da espionagem, eles demonstraram querer marcar uma reunião com o Brasil, o Obama ligou para a Dilma, o Joe Biden também ligou e disse que gostaria de remarcar a visita. O Biden virá com convite formal na posse e os dois países devem montar uma agenda em janeiro.
De um FHC que primou pela gentileza na transição de governo, chegando a corrigir um jornalista que não chamou Lula de presidente – "Agora é presidente Lula", disse o tucano a um repórter, em uma entrevista concedida pelos dois – às duras críticas observadas na última campanha eleitoral, o senhor acha que ele mudou?
Não foi ele quem mudou, foi o contexto político. Existe a percepção dentro do PSDB hoje de que eles cometeram um erro de não ter esticado a corda no caso do 'mensalão'. Muita gente avaliou naquela época não partir para cima com a expectativa de que o Lula perderia a eleição, nem se candidataria. E isso não foi assim, ele não só ganhou como ganhou com vantagem importante. O revisionismo no PSDB é de que o partido não poderia ter deixado a oportunidade passar. Então é natural que se tenha agora uma relação mais tensionada com o PT. Agora eles têm uma chance.
E o Lula, mudou?
O Lula continua sendo um homem muito pragmático, disposto a fazer as alianças necessárias, como o Michel Temer na vice-presidência, a Kátia Abreu como ministra da Agricultura... nesse sentido não houve uma mudança. Os dois continuam sendo dois dos melhores analistas que o Brasil tem.
Depois que Lula foi eleito presidente, o PSDB chegou a cogitar fazer parte da base. Como imagina esse cenário?
Eu não acho que isso teria ocorrido de forma muito fácil. Não consigo imaginar o PSDB no governo em 2003, mas se tivesse funcionado, poderia ter destravado batalhas que não seriam possíveis destravar. Temas como o INSS, a segurança pública, são de interesse nacional, e podem atrapalhar a vida das pessoas. São áreas tão centrais, que precisam de coalizão, e essa chance foi perdida em 2003.
O que era fundamental era manter a estabilidade econômica. Existia um risco real de haver uma corrida contra a moeda brasileira, não é louco imaginar que chegaríamos em janeiro de 2003 com o Real estraçalhado. A transição foi de caráter preventivo diante de uma crise potencial.
Recentemente a jornalista Tereza Cruvinel, colunista do 247, escreveu que o nome de Lula era defendido por alas do PT para que fosse o chanceler da presidente Dilma. Entre as vantagens estaria o fato de que ele foi a pessoa, quando ex-presidente, que melhor vendeu a marca Brasil. Concorda e como vê ele no cargo de chanceler?
Não tenho essa informação, mas é pouco plausível isso interessar a Lula. É um cargo que exige viagens constantes. É difícil fazer política dentro de casa. Eu não vejo como isso possa acontecer. Os holofotes estariam em Lula.
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