Zé Celso, a celebração da permanência

O diretor livre e genial que levou a invenção e a ousadia artística para além dos limites

José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso
José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso (Foto: Garapa Coletivo/Wikimedia Common)


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O teatro está de luto. A artes e a cultura estão de luto. O Brasil da inteligência, da criatividade e da coragem está de luto. Morreu o Rei, o Gigante, o Rebelde, o Libertário, o ser humano que levou a invenção e a ousadia artística para além dos limites. José Celso Martinez Corrêa não era apenas – e já seria muito - um dos maiores diretores, atores, dramaturgos e encenadores brasileiros, era e é um dos maiores símbolos da luta pela liberdade e contra a opressão através da arte. Um dos grandes brasileiros da nossa História, que nos mostrou os caminhos da resistência, da alegria, do prazer e da essência transformadora do seu teatro. O criador de uma estética revolucionária e em constante movimento. 

Fernanda Montenegro, nossa grande dama das artes, está desolada e não conseguiu falar sobre seu amigo e ídolo. Escreveu em sua rede oficial e nos encaminhou o seguinte texto: "A cultura deste Brasil está de luto. Há um pânico em todos nós, homens e mulheres, mulheres e homens que somos artistas ligados ao Teatro diante dessa dolorosa e trágica partida de Zé Celso. Louvado seja você, Zé. Não há nem haverá na nossa Arte Teatral alguém com a sua transcendência criativa querido e insubstituível Zé Celso."

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Zé Celso nunca deixou que aprisionassem sua alma e seu desejo. Combateu a censura e a caretice, a repressão e o moralismo. Viveu em permanente irreverência e inquietação. Não se curvou à ditadura. Teve seu Teatro Oficina, que fundou em 1958, junto com Amir Haddad, Renato Borghi, Fauzi Arap, Etty Fraser e Ronaldo Daniel, perseguido pelos militares. Foi preso e torturado em 1974. Em 2017, contou, em entrevista à revista “Veja”: “Me penduraram no pau de arara, me deram choque elétrico no corpo todo, é horrível. Eu até hoje tenho um problema grave de coluna. Me cercaram, me esmurraram, me arrancaram dente. E depois eles me deixaram um tempo num lugar, uma solitária, com muros enormes e luz acesa o tempo todo. Eu ficava dizendo as peças que sabia de cor para não enlouquecer.” 

Ficou preso por dois meses, saiu e se exilou em Portugal com parte do grupo Oficina. E como sua estrela sempre brilhou, aterrissou em Lisboa em plena Revolução dos Cravos. Nessa época filmou o curta “O parto”, sobre a Revolução dos Cravos, e “Vinte e cinco”, sobre a independência de Moçambique. 

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Começou no Oficina com a peça de sua autoria “Vento Forte para Papagaio Subir” (1958) e não parou mais, mergulhando na contracultura e provocando polêmicas ao longo da sua trajetória. Em 1967, montou “O Rei da Vela”, adaptação do clássico modernista de Oswald de Andrade escrito em 1933, que trazia para o palco a anarquia oswaldiana, através de uma sátira política ao comportamento vira-lata brasileiro. Em 1968, levou “O Rei da Vela” para Paris. Em 2017, trouxe o espetáculo para o Teatro das Artes no Rio. Montou “Roda Viva”, primeiro texto teatral de Chico Buarque, em 1968, poucos meses antes do anúncio do AI-5, que inaugurou o período mais violento da repressão da ditadura militar. A peça fazia uma crítica à sociedade de consumo, à família tradicional e aos “bons costumes”.

 “Não sou de resistir, eu sou de reexistir”, dizia ele. Mario Sergio Vitor, jornalista do 247, que conhecia bem o Zé Celso, afirmou que ele é um personagem maior que a vida, um ser tão extremamente racional que “cultivava o delírio como forma de conhecimento”.

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Assim como reergueu o Oficina ao voltar do exílio em 1979, também já o tinha feito em 1966, depois do incêndio que destruiu todo o prédio em São Paulo. E foram muitas peças, muitos sonhos, muitos delírios, muita arte, “em permanente diálogo entre elenco e plateia”.

Como disse Gustavo Seitel, da “Folha de São Paulo”, Zé Celso substituiu o bom gosto pela verdade. “Mastigava e deglutia a cultura estrangeira, servindo ao público um banquete tropicalista” [...] Ao modo de uma ágora, Zé Celso se voltava à essência do teatro, num jogo entre performance e catarse”.

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O diretor se preparava para encenar “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, e passou sua última noite preparando o texto de adaptação do livro para o teatro. Lançou-se na campanha contra o Marco Temporal e se preocupava há tempos com a demarcação das terras indígenas.

No Oficina, projeto arquitetônico da arquiteta Lina Bo Bardi – considerado por muitos, incluindo o jornal inglês The Guardian como o melhor teatro do mundo – Zé Celso conduziu celebrações orgiásticas e anárquicas da vida, da arte, da liberdade, com suas peças encenadas pelo espaço longo e estreito do teatro, como uma rua, ladeado por galerias construídas em andaimes, onde a festa se dava com público e atores e o próprio Zé. Certamente, se pudesse, comandaria ele próprio a celebração do luto por sua morte. Com canto, dança, dramaturgia.

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Agora, cabe a todos nós reivindicarmos a construção do Parque Rio Bexiga, ao lado do teatro, no terreno entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro, que pertence a Silvio Santos. Era um de seus grandes sonhos. Aliás, os sonhos e o legado de Zé Celso vão continuar para sempre, como acontece com os grandes personagens da História. Como bem disse o músico e ensaísta José Miguel Wisnik, parceiro do diretor, Zé Celso é um Messias que se bebe. “Não há morte que o morra”.

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