Youtube, pressionado, suspende censura ao “Papo de Mãe”

A censura do Youtube repercutiu mal. Até por ter ocorrido na mesma época em que a chamada mídia independente debate sobre o que se denominou “assédio judicial” – perseguições promovidas por juízes a jornalistas, notadamente os independentes, através da censura direta ou de condenações a indenizações estratosféricas, que inviabilizam a continuidade do trabalho, escreve o jornalista Marcelo Auler

(Foto: Reuters)


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Por Marcelo Auler em seu Blog - A pressão surtiu efeito. Da mesma forma misteriosa e unilateral com que, na sexta-feira (25/12), o Youtube cassou um canal de notícias que por mais de uma década presta relevante serviços à sociedade, neste sábado, também sem explicações – mas provavelmente cedendo às pressões – a plataforma voltou a apresentar o noticiário que censurou.

Por Marcelo Auler, em seu Blog

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Trata-se do Canal Papo de Mãe, voltado notadamente às mães e chefes de famílias, veicula informações em torno de maternidade, paternidade e vida familiar. São reportagens, entrevistas e conversas em torno, especialmente, da educação das crianças e de problemas relacionados à vida doméstica.

O Youtube, que deveria ser visto como uma plataforma livre de notícias diversas, censurou, no melhor estilo dos governos autoritários, o canal mantido pelas jornalistas Mariana Kotscho e Roberta Manreza. Agiu como muitos donos de meios de comunicação que impedem a publicação de notícias que desagradem seus interesses ou grupos de amigos. Sem qualquer explicação. A pressão começou a surgir no sábado, com notícias veiculadas pelas redes sociais e notas de protesto, como da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). No início da noite, o canal foi recolocado na plataforma, sem qualquer comunicado às suas editoras.

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A censura do Youtube repercutiu mal. Até por ter ocorrido na mesma época em que a chamada mídia independente debate sobre o que se denominou “assédio judicial” – perseguições promovidas por juízes a jornalistas, notadamente os independentes, através da censura direta ou de condenações a indenizações estratosféricas, que inviabilizam a continuidade do trabalho. Assunto muito bem explorado pelas jornalistas Lia Ribeiro, em parceria com Leda Beck, no site da Associação Profissão Jornalista (APJor), no artigo “Cala-boca” da justiça sufoca a mídia independente, cuja leitura é mais do que recomendada.

No final da noite de sábado as editoras do site Papo de Mãe receberam do Youtube a seguinte explicação: “O YouTube conta com uma combinação de inteligência de máquina e revisores humanos para identificar, avaliar e remover conteúdo que viola nossas diretrizes de comunidade. Sabemos que esses sistemas estão sujeitos a erros. O canal Papo de Mãe foi encerrado após uma detecção automática de uma violação às nossas políticas de spam, práticas enganosas e golpes. Fizemos uma revisão e identificamos que não houve violação. Todos os vídeos foram restabelecidos e o canal está funcionando normalmente.”

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A explicação não convence. À medida que cassou o portal Papo de Mãe, ao que parece estava diretamente relacionada com a publicação, por Mariana Kotscho, de um furo de reportagem: o comportamento do juiz do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rodrigo de Azevedo Costa, em uma audiência na Vara de Família por ele presidida. Ele apreciava um caso de violência doméstica, em que a mulher se queixava das ameaças do ex-marido. Caso típico a ser resolvido com base na Lei Maria da Penha.

Juiz debocha da Lei Maria da Penha

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Como mostram vídeos publicados pelo Papo de Mãe a partir do dia 17 de dezembro – os que tinham sido censurados e agora retornaram ao Youtube -, o magistrado deixou claro que desdenha a Lei Maria da Penha, criada justamente para proteger mulheres vítimas da violência, em especial vindas dos seus maridos e/ou ex. Para se evitar casos como o mais recente feminicídio, ocorrido dia 24 à noite, no Rio de Janeiro. O assassinato da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, de 45 anos, na frente das três filhas menores, com nada menos do que 16 facadas, desferidas pelo ex-marido e pai das crianças, o engenheiro Paulo José Arronenzi.

Nos vídeos que Papo de Mãe divulgou com exclusividade, trazendo à tona uma informação que hoje mobiliza o Judiciário, o juiz fez comentários como:

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“Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe(sic) eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”.

“Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também, entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo”.

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“Ah, mas tem a medida protetiva? Pois é, quando cabeça não pensa, corpo padece. Será que vale a pena ficar levando esse negócio pra frente? Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva pra frente?

“Doutora, eu não sei de medida protetiva, não tô nem aí para medida protetiva e tô com raiva já de quem sabe dela. Eu não tô cuidando de medida protetiva.”

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“Quem batia não me interessa”.

“Oh mãe, a senhora concorda, manhê, a senhora concorda que se a senhora tiver, volto a falar, esquecemos o passado….”

“Mãe, se São Pedro se redimiu, talvez o pai possa….”

Não houve crime, nem violação da ética

São informações relevantes. Importantes. Tanto que geraram respostas do Tribunal de Justiça de São Paulo que abriu procedimento para apurar o que aconteceu. O canal Papo de Mãe, independentemente de agradar ou desagradar alguém, cumpriu sua função: Reportou!

Acabou sendo vítima do trabalho jornalístico, pois a autora foi provocada, perseguida e ameaçada pelas redes sociais por típicos, ou supostos, machistas. Recebeu a solidariedade da categoria através de diversas entidades e de conselhos de Direitos Humanos

Não cometeu crime algum pois, mesmo sendo informações de audiência judicial sob segredo de Justiça, como o Supremo Tribunal Federal já definiu, jornalista não pode ser punido por publicá-la. Cumpre o seu dever. Não é dele a obrigação de guardar segredo.

Ainda assim, sem cometimento de crime, sem qualquer vestígio de informação indecorosa ou que pudesse ser considerada amoral, violadora de princípios éticos, a plataforma Youtube, autoritariamente, simplesmente cassou o canal.

O fez, como disse em mensagem à jornalista, por teoricamente encontrar “violações graves ou recorrentes das nossas diretrizes da comunidade“. Sem especificá-las. Não deixou claro a violação ou diretriz desrespeitada. Tampouco explicou se tomou a iniciativa de mote próprio ou provocado por alguma queixa. Ao fazê-lo, sequer buscou o chamado “contraditório”, isto é, ouvir as explicações das responsáveis pela produção do canal. Ou seja, medida ditatorial.

Algo grave, pois mostra que assim como tais plataformas usam e abusam de conteúdos jornalísticos sem que os remunere a contento, elas também passam a deter o poder de controlar as informações, determinando, em última instância, o que pode ou não chegar ao conhecimento público.

Foi, acima de tudo, uma decisão que se mostrou pouco inteligente. Provocou um efeito contrário de quem pediu/desejou/torceu para ver a informação longe do acesso público. A censura imposta ao Canal Papo de Mãe repercutiu. Circulou através de notas de entidades, como a da ABI, protestos de personalidades e pelos sites e redes sociais, diante da arbitrariedade. Os vídeos impedidos já tinham sido baixados em outros sites, portais e nas redes sociais. Sem falar que eles também foram mantidos no portal UOL (links abaixo).

Em outras palavras, era uma decisão burra. Talvez por perceber isso, ainda que tardiamente, o próprio Youtube voltou atrás e recolocou na plataforma o noticiário do canal com todos os vídeos originalmente postados.

Esclarecimento: Poucos minutos depois de publicarmos “Youtube censura “Papo de Mãe”: decisão ditatorial e burra”, fomos informando que a plataforma voltou atrás e novamente deu acesso ao canal, suspendendo a censura aplicada na quinta-feira. Com isso, para manter nossos leitores atualizados, fomos obrigados a retirar nossa matéria do site para descrevê-la, noticiando o recuo do Youtube.

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