Vou querer estar em Fortaleza
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No último dia 13 de abril, a cidade de Fortaleza completou 295 anos. Fundada no ano de 1726, mas tornada cidade apenas em 1823, a cidade dos verdes mares bravios de José de Alencar continua tão jovem e progressista quanto o espírito da maioria dos seus habitantes. É uma jovialidade que se dá aos olhos daqueles que caminham por suas ruas, bem como dos que ali chegam e são logo enlaçados pelos braços da cidade. Dependendo da proximidade, já são recebidos com um cheiro, mesmo que apenas verbalmente. Sim, em Fortaleza ofertam-se cheiros.
O respeito aos protocolos de segurança, em decorrência da pandemia, não me permite estar em Fortaleza. Mas como não há mal que dure para sempre, quando a treva cessar e o Brasil voltar à vida, livre daqueles que hoje o entristecem e o sangram, impossível será não dedicar um dia a se deixar cair nos encantos da cidade que se enamora do sol e do mar. Assim sendo, vou querer estar em Fortaleza. E quando lá estiver, sairei para ver o mar e deixarei que aquele “enorme senhor das batalhas”, como diz Nicanor Parra, acaricie e lamba minhas pernas, tal qual um pequenino cão, como aquele da poesia de Fausto Nilo.
Como sempre haverá um sábado, haverá um, quando cedinho, numa manhã em Fortaleza, rumarei em direção às tapioqueiras da Paupina, as tradicionais, para um delicioso café preto com uma tapioca quentinha: uma ambrosia ao alcance dos mortais. Na sequência, em direção oposta, seguirei para o Centro da cidade. Caminharei por entre as pessoas, em direção ao Sebo do Geraldo, sentindo no rosto um pouco da brisa que ainda escapa por entre os paredões de prédios que tentam enfear a cidade. Quem é de Fortaleza e nunca se perdeu por entre as estantes do Sebo do Geraldo nem pechinchou o preço de um livro com a Stela, é como se tivesse vivido sempre naquela cidade, mas nunca foi ver Ednardo cantar “Longarinas” no aterro da Praia de Iracema nem ouviu Belchior entoar “Canteiros” no anfiteatro do Dragão do Mar.
Saindo do Geraldo, andarei até o Passeio Público e abraçarei o baobá que, soberanamente, reina ali, diz-se, desde 1910. Quando estiver em Fortaleza, irei à Praia de Iracema. Chegando lá, mais do que depressa me atracarei com uma água de coco, porque ninguém é de ferro. E em quase desespero, correrei até a ponte velha, pois já “faz muito tempo / Que eu não vejo o verde daquele mar quebrar/ Nas longarinas da ponte velha / Que ainda não caiu...”. Enquanto isso, aos pés da Iracema Guardiã, buscarei com olhos ávidos a beleza daquilo que ainda resta do edifício São Pedro, majestoso e impávido na sua decrepitude. Um passeio por entre os barcos, que descansam nas areias do Mucuripe, me lembrará de quando suas velas saem para pescar. No horizonte distante, o velho Mara Hope se refletirá em meus olhos lassos, que espero já estejam menos cansados e adoecidos do que estão hoje enquanto assistem, impotentes, ao genocídio do nosso povo.
Quando o morticínio for contido, pois o será, como também serão contidos seus responsáveis diretos e indiretos, vou querer estar em Fortaleza. E quando a noite chegar, tomarei “meus bons drinques” no Bar do Avião, cubando o movimento e observando a algaravia dos passantes. Não sei bem, mas acho que, burlando o estético e furando o ilógico, cantarei baixinho aquela canção do Marcus Dias, gravada pelo Isaac Cândido, que diz: “sábado / é o dia dos bêbados / e das moças católicas que vão para a missa rezar pra tentar encontrar... algum bêbado”. Enfim, quando estivermos de volta ao futuro vou querer estar em Fortaleza.
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