Voto cerceado
Decidir se prefere julgar ou legislar é o maior problema do Judiciário brasileiro atualmente. Óbvio que o dilema afeta a aplicação da justiça. Não é fácil aceitar a decisão do STF, do último dia 26, de cancelar, a dez dias das eleições, cerca de 3,5 milhões de títulos de eleitores
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Decidir se prefere julgar ou legislar é o maior problema do Judiciário brasileiro atualmente. Óbvio que o dilema afeta a aplicação da justiça. Não é fácil aceitar a decisão do STF, do último dia 26, de cancelar, a dez dias das eleições, cerca de 3,5 milhões de títulos de eleitores.
Quando define o direito de voto no art. 14, a Constituição não se refere a título de eleitor, muito menos a biometria, se refere a alistamento eleitoral e idade. Portanto, quem está dentro da idade e alistado eleitoralmente tem direito de votar. Não é razoável supor que alguém que tenha um título de eleitor na mão não esteja eleitoralmente alistado. O princípio mais importante em jogo não era o modelo de cadastramento a permitir a votação, se por papel ou biometria - o título por papel sequer já era necessário para votar, bastando ir-se à seção eleitoral correta, com documento de identificação oficial com foto. O princípio mais importante em discussão era a preservação do direito de voto, expressão maior da soberania popular num regime democrático.
Defender que alguém não possa votar por causa de uma irregularidade incidental é despropositado, inclusive porque é difícil precisar o quanto a população, sobretudo nas localidades mais distantes, teve acesso à informação de recadastramento eleitoral. O problema do Judiciário brasileiro é que ficou mecânico, com interpretações baseadas mais no acessório do que no principal. Existe, efetivamente, mais interesse em legislar do que encontrar a justiça.
É questionável sugerir que o STF tenha agido por motivação política na intenção de atingir uma candidatura específica pelo fato dos eleitores prejudicados serem maciçamente nordestinos. Porém, bem mais grave do que isso é considerar que, por causa de um detalhe, afrontou-se a dignidade cívico-eleitoral de 3,5 milhões de pessoas. Não de quaisquer pessoas, seguramente, as mais pobres, para quem a informação chega com maior dificuldade, ou sequer chega. É prova de que, no Brasil, há duas jurisdições em aplicação, uma que vale para alguns e outra, uma jurisdição de exceção, que vale para outros. Tem sido assim, seletivamente, a aplicação da justiça no país. Hoje, quem tem o direito de voto cerceado são os mais pobres. Amanhã, só o futuro dirá.
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