Você luta por um lugar para viver? Estou ao seu lado
O livro é um monumento, merece ser lido e relido, está longe de ser um tratado político, mas é um poderoso convite ao exercício válido da nossa humanidade
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“Tom disse: Mãe, onde houver um policial espancando alguém
Onde houver um recém-nascido faminto chorando
Onde houver uma luta contra o sangue e ódio que pairam no ar
Procure por mim, mãe, que eu estarei lá
Onde houver alguém que lute por um lugar para viver
Ou por um emprego decente ou por uma mão amiga
Onde houver alguém que lute para ser livre
Olha nos seus olhos, mãe, e verás a mim”
“The Ghost of Tom Joad”, by Bruce Springsteen
Os versos acima são da música “The Ghost of Tom Joad”, de Bruce Springsteen, e fazem referência ao protagonista do livro “As vinhas da ira” de John Steinbeck.
Quem me apresentou o livro foi nossa professora de literatura, a Dona Enide no ensino médio, que atendia pelo nome de “colegial”, a ela dedico esse artigo. Ela, educadora de escol, iluminou caminhos e nos concedeu a escolha, com coragem e entusiasmo enfrentava nosso atrevimento e nossos indomáveis hormônios adolescentes, esses protagonistas da passagem da infância à vida adulta.
Foi um tempo mágico, de infinitas possibilidades; estudei no “Vitor Meireles” que fica na rua Espírito Santo no bairro São Bernardo, aqui em Campinas; não poderia ser em outra rua... Pois, o Espírito Santo é a fonte do testemunho pessoal e da revelação; ele nos guia em nossas decisões e nos protege de perigos físicos e espirituais; ele é consolador e acalma nossos temores e nos enche de esperança.
Bem, no primeiro ano do colegial o conteúdo era comum a todos, contudo, a partir do “segundo colegial” optávamos por um currículo específico ao nosso interesse; eu escolhi “humanas” e, creio, acertei, pois quase tudo quanto me interessava e interessa estava lá. A disciplina “português”, por exemplo, tinha dois professores, o Coronel Assis e a professora Enide.
O Coronel Assis no primeiro dia nos disse “passearemos juntos pela linguística e pelos elementos da gramática”; guardo dele mais fraternas lembranças; muitos anos depois eu soube que a Camila Assis, colega e amiga do meu filho Caio, era sua neta; coincidências boas dessa caminhada.
Já a professora Enide nos ensinou a técnica de compor e expor textos escritos, ela começou o curso explicando que a palavra “Literatura” tem origem no latim "litteris" que significa "Letras"; ela nos apresentou obras fundamentais da literatura brasileira e mundial, dentre os livros que lemos sob orientação dela está “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck.
Sobre a obra - Quando “As Vinhas da Ira” foi publicado ele causou um imenso mal-estar nos EUA, por razões que não são de difícil compreensão, afinal, ele desnudou a injustiça sistêmica. Steinbeck, acabou recebendo o Prêmio Pulitzer de ficção pelo livro, mas foi humilhado pelo New York Times porque fazia críticas ao materialismo americano.
Como a obra foi muito bem recebida pelos países que criticavam o modo de vida americano, John Steinbeck. acabou sendo taxado de “comunista” na época em que o Macartismo vicejava.
Curiosidade – John Steinbeck testemunhou os migrantes que passavam por sua cidade em busca de oportunidades durante a grande depressão; ele chegou a escrever alguns artigos sobre o tema, mas para escrever “As Vinhas da Ira” ele mudou-se para os acampamentos dos migrantes e penetrou naquele universo.
Como a estupidez não é exclusividade dos nossos tempos, foi acusado de “comunista” e de “judeu atuando para interesses comunistas sionistas” e o livro foi queimado em praça pública, banido das escolas, bibliotecas; ele foi atacado pelo Congresso, e o sucesso posterior do livro na Rússia corroeu ainda mais a sua reputação da época da Guerra Fria em diante.
A história - O livro começa com o personagem principal, Tom Joad, pedindo uma carona para casa após sair da prisão; ele foi preso por assassinato numa briga de bar, e apesar da legitima defesa, foi condenado a pena de sete anos.
Aproximando-se de sua casa ele percebeu a miséria e o abandono da região; Tom Joad teve a impressão de estar no deserto; sua antiga casa estava simplesmente desaparecendo, abandonada.
Ao chegar em casa Tom encontrou a família de mudança; a família explicou a Tom que os bancos e as grandes empresas fecharam todas as fazendas e a maioria dos agricultores estava indo em direção à Califórnia na esperança de encontrar trabalho; que tinham vendido todos os seus pertences e tinham alguns dólares, o suficiente para fazer uma viagem longa.
No caminho até a California ocorrem mortes, sofrimento e perdas de toda ordem; quando sua família chegou a um acampamento de migrantes, não encontrou trabalho, frustrando as expectativas de todos.
A “dona” Enide nos conduziu, delicadamente, a perceber que o romance tem referências bíblicas, principalmente do Velho Testamento.
Por exemplo, em “As Vinhas da Ira” a tempestade de poeira ocorrida em 1900 nos EUA e a árdua jornada da família do protagonista e de muitas outras em direção à Califórnia, pode ser relacionado a travessia do deserto pelos judeus, narrada na Bíblia; Steinbeck pode ter usado a poeira como uma alusão ao deserto do Egito e ao povo judeu que seguiu Moisés.
No livro há o caminhão da família, que os conduz, acolhe e protege, o que pode ser referência à arca de Noé, tanto que no final do livro, com as chuvas que caem, temos o diluvio.
A mudança da família do protagonista para a Califórnia é uma outra alusão ao povo judeu movendo-se fora do Egito para a terra prometida; assim como os judeus, que sofriam opressão e escravidão no Egito, as famílias, como a do protagonista, buscavam vida nova, afinal, eram escravos de suas terras inapropriadas para o cultivo, bem como dos bancos.
O livro é um monumento, merece ser lido e relido, está longe de ser um tratado político, mas é um poderoso convite ao exercício válido da nossa humanidade.
Essas são as memórias que compartilho.
e.t. se alguém conhecer e tiver contato com a “dona” Enide, diga a ela que ela tem de mim gratidão, nessa em todas as vidas.
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