Vladimir Putin, o pacificador-em-chefe da Síria

O acordo Rússia-Turquia cria uma "zona segura" ao longo da fronteira turca, e haverá patrulhamento militar conjunto Rússia-Turquia

Vladimir Putin
Vladimir Putin (Foto: Sputnik)


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Publicado originalmente no Asia Times

Traduzido por Patrícia Zimbres

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As negociações de Sochi foram longas - mais de seis horas - tensas e duras. Os dois líderes em uma sala com seus intérpretes, e diversos ministros turcos de primeiro-escalão por perto, para o caso de consultas serem necessárias. O que estava em jogo era imenso: um roteiro para a pacificação do nordeste da Síria, finalmente.

A entrevista coletiva que se seguiu foi um pouco canhestra, uma repetição de generalidades. Mas não há dúvida de que, ao final, o presidente russo Vladimir Putin e seu colega turco Recep Tayyip Erdogan conseguiram o quase impossível.

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O acordo Rússia-Turquia cria uma "zona segura" ao longo da fronteira turca - algo por que Erdogan vinha batalhando desde 2014. Haverá patrulhamento militar conjunto com tropas russas e turcas. O YPG (Unidades de Proteção Popular) curdo, parte das rebatizadas Forças Democráticas Sírias aliadas aos Estados Unidos, terá que recuar, e até mesmo debandar, principalmente no trecho entre Tal Abyad e Ras al-Ayn, e terá também que abandonar suas tão prezadas áreas urbanas, como Kobane e Manbij. O Exército Árabe Sírio reocupará todo o nordeste do país. E a integridade territorial síria - um exigência imperativa de Putin - será preservada.

Trata-se aqui de uma tripla vitória para a Síria, a Rússia e a Turquia -  e, inevitavelmente, o fim de um Curdistão sírio controlado por separatistas. É significativo que o porta-voz de Erdogan, Fahrettin Altun tenha ressaltado a "integridade territorial" e a "unidade política" da Síria. Esse tipo de retórica, vindo de Ancara, jamais foi ouvido até muito recentemente.

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Putin, imediatamente, chamou o presidente sírio Bashar al-Assad para detalhar os pontos-chave do memorando de acordo. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, novamente enfatizou o principal objetivo de Putin - a integridade territorial síria - e o duríssimo trabalho que haverá pela frente para formar uma Comissão Constitucional Síria, com o objetivo de traçar o caminho rumo a um acordo político ainda sem definição precisa.

A polícia militar russa e os guardas de fronteira sírios já estão chegando para monitorar a indispensável retirada do YPG - em toda uma faixa de trinta quilômetros a partir da fronteira turca. O programado é que as patrulhas militares conjuntas, em princípio, entrem em operação na próxima terça-feira.

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No mesmo dia em que isso acontecia em Sochi, Assad visitava a linha de frente em Idlib - uma zona de guerra que o exército sírio, aliado ao poderio aéreo russo, acabará por limpar de milícias jihadistas, muitas delas apoiadas pela Turquia até literalmente ontem. Isso ilustra como Damasco, de maneira lenta mas segura, vem recuperando território soberano depois de oito anos e meio de guerra.

Quem fica com o petróleo?

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Apesar de todo o suspense em Sochi, não houve qualquer menção a um elemento absolutamente crucial: quem está no controle dos campos de petróleo da Síria, principalmente depois do agora notório tweet do presidente Trump afirmando que "os Estados Unidos garantiram o petróleo". Ninguém sabe qual petróleo. Se ele se referia ao petróleo sírio, isso seria contra o direito internacional. Sem mencionar que os Estados Unidos não têm um mandato - da ONU ou de quem quer que seja - para ocupar o território sírio.

As ruas árabes estão inundadas de vídeos da não exatamente gloriosa retirada das tropas americanas, que deixou a Síria saraivada de pedras e tomates podres ao longo de todo o caminho até o Curdistão iraquiano, onde elas foram recebidas com um duro lembrete: "Todas as forças americanas que se retiraram da Síria receberam permissão para entrar na região do Curdistão [apenas] para serem transportadas para fora do Iraque. Essas tropas não têm permissão para permanecer no Iraque", declarou o quartel-general das forças armadas iraquianas em Bagdá.

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O Pentágono afirmou que uma "tropa residual" talvez permaneça no vale do Eufrates Médio, juntamente com milícias das Forças Democráticas Sírias, em áreas próximas a alguns campos de petróleo, para assegurar que esse petróleo "não caia em mãos do ISIS/Daesh ou de outros". "Outros", nesse caso, quer dizer o legítimo dono, ou Damasco. O exército sírio, que está totalmente engajado na tarefa de reaver as fontes de alimentos, de produtos agrícolas e de energia do país, de modo algum irá aceitar essa situação. As províncias do norte da Síria são ricas em água, usinas hidrelétricas, petróleo, gás e alimentos.

Atualmente, a retirada americana é, na melhor das hipóteses, parcial, considerando também que uma pequena guarnição permaneceu no al-Tanf, na fronteira com a Jordânia. Em termos estratégicos isso não faz sentido, uma vez que a fronteira al-Qaem entre o Irã e o Iraque está agora aberta e próspera.

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O mapa acima mostra a posição das bases americanas em inícios de outubro, mas isso está mudando rapidamente. O Exército Sírio já está trabalhando para reaver campos de petróleo próximos a Raqqa, mas a estratégica base americana de Ash Shadadi parece estar ainda em funcionamento. Até data bastante recente, as tropas americanas tinham o controle do maior campo de petróleo da Síria, o al-Omar, no nordeste do país.

Fontes russas fizeram a acusação de que mercenários recrutados por empresas militares privadas americanas treinaram milícias jihadistas, como a Maghawir al-Thawra ("Exército das Tribos Livres"), para sabotar a infraestrutura síria de petróleo e gás e/ou vender petróleo e gás sírios para subornar líderes tribais e financiar as operações jihadistas. O Pentágono nega.

O Gasoduto

Como venho dizendo há anos, a guerra da Síria, em grande medida, vem sendo a "Guerra do Gasodutistão"", não apenas em termos dos gasodutos internos à Síria e da intenção dos Estados Unidos de evitar que Damasco comercialize seus próprios recursos naturais, mas principalmente em termos do destino do gasoduto Irã-Iraque-Síria, objeto de um memorando de acordo assinado em 2012.

Esse gasoduto, ao longo dos anos, sempre foi uma linha vermelha, não apenas para Washington, mas também para Doha, Riad e Ancara.

Essa situação deve mudar radicalmente quando a reconstrução da Síria, orçada em 200 bilhões de dólares, for de fato iniciada, após a implementação de um acordo de paz amplo. Será fascinante ver a União Europeia - depois de a OTAN ter, durante anos, tramado uma operação de mudança de regime "Assad tem que cair" - tentando seduzir Teerã, Bagdá e Damasco com ofertas financeiras por seu gás.

A OTAN apoiou explicitamente a ofensiva turca "Operação Primavera da Paz". E nem chegamos ainda a assistir a ironia geoeconômica máxima: a Turquia, membro da OTAN, purgada de seus sonhos neo-otomanos, abraçando alegremente o roteiro do "Gasodutistão" Irã-Iraque-Síria apoiado pelo Gazprom.

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