Vitória do Brasil. Derrotado e isolado, só Bolsonaro

"Lula pode não colher frutos diretos da reforma, mas a mudança de ambiente é grande alavanca a favor do governo", crê Tereza Cruvinel

Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad
Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad (Foto: Reuters | ABr)


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São muitos os vitoriosos da noite de ontem com a aprovação da reforma tributária, em dois turnos, pela Câmara: Lula, Haddad e o governo; o presidente da Câmara Arthur Lira; os 375 deputados que votaram a favor (contando apenas os votos no segundo turno da madrugada); os governadores que se mobilizaram a favor, em particular o de São Paulo, Tarcísio de Freitas, porque era contra e soube se reposicionar, mesmo trombando com Bolsonaro; o relator, que trabalhou e negociou com afinco, Aguinaldo Ribeiro (PP-BA); o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), autor da proposta original de 2019; o secretário especial da Fazenda para o tema Bernardo Appy, exímio tributarista que foi de extrema dedicação; os empresários e economistas e todos os que, na sociedade, apoiaram a reforma.

Isolado e derrotado mesmo ficou apenas Bolsonaro, que foi contra a reforma só para ser contra Lula, e viu confirmada sua desimportância. Afora o apoio de Tarcísio e outros governadores, tidos como bolsonaristas, a reforma teve o voto de 20 deputados de seu PL. Seu, nem tanto.

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Em quatro décadas de acompanhamento da atividade política e legislativa, vi muitas propostas de reforma tributária morrerem na praia. Vi a Constituinte não conseguir mudar o velho sistema. Lembro-me do esforço de José Serra e Francisco Dornelles pela simplificação que nunca vinha porque faltava consenso. Lembro-me da reforma de Palloci, que morreu na praia. E depois também a de Guido Mantega.

Não foi coisa pouca, ou uma reformazinha. Se o Senado confirmar a votação da Câmara, teremos uma mudança na economia comparável à que foi trazida pelo Plano Real e o fim da hiperinflação.

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Chegará ao fim uma era de atraso, com impostos incidentes em cascata, que tornam tudo mais caro para o consumidor; com impostos em profusão, que oneram e complicam a vida das empresas; com a falta de transparência sobre o que é cobrado dos consumidores; com alíquotas que variam de estado para estado permitindo, entre outros males, a guerra fiscal. A lista dos males é longa.

Resumidamente, ficaremos assim: em vez de IPI, Pis e Cofins recolhidos pela União, teremos apenas a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Em vez de ICMS e ISS cobrados por estados e municípios, teremos apenas o IBS (imposto sobre Bens e Serviços).

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Vale recordar que essa reforma não trata de imposto de renda. Essa é outra mudança que precisa ser feita para que tenhamos mais justiça tributária, para que os ricos paguem mais, para que os dividendos bilionários passem a ser tributados, para que os assalariados que ganham menos tenham uma tabela justa. Mas cada batalha tem seu momento.

Calculou o IPEA que 90% da população pagará menos impostos, com o fim da "cascata" e a redução em 50% para transportes públicos, serviços médicos e educacionais, aviação regional, produtos de higiene e insumos agrícolas (fala-se em redução para agrotóxicos mas isso veremos na regulamentação).

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Projeta-se crescimento adicional de 12% para a economia nos 15 anos seguintes à plena implementação do novo sistema, e a geração de 12 milhões de empregos, afora facilidade maior para investimentos, inclusive estrangeiros.

Este novo sistema só estará plenamente implantado lá por 2030. Logo, o governo Lula pode até não colher frutos diretos da reforma, mas a mudança de ambiente, a positividade criada com a aprovação, já será uma grande alavanca a favor do governo. Todos nós sabemos: o êxito do governo Lula depende da economia. E do êxito deste governo de normalização depende o futuro da democracia brasileira, o não retorno da extrema direita.

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O grande mérito de Lula e Haddad foi esse: abraçaram um projeto necessário ao país, não ao governo. Este legado já é reconhecido, e representa aumento de capital político do governo.

Da mesma forma, acho que é preciso reconhecer o papel de Lira, como fez Haddad, e não reduzir seu empenho à necessidade de se descolar de denúncias recentes. Antes disso, ele já estava comprometido com a reforma, seja porque as elites às quais é ligado a desejavam, seja por ter visto nela uma oportunidade de marcar indelevelmente sua gestão.

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Agora falta o Senado, e será preciso aprovar depois um grande número de leis regulamentadoras. Entre elas, a que pode instituir o cash back, a devolução, em dinheiro, de parte dos impostos pagos pelos mais pobres ao comprar qualquer quilo de feijão. Isso é justiça tributária, assim como a zeragem de impostos sobre a cesta básica.

Há dificuldades e batalhas pela frente mas a força que impulsionou a votação de agora foi tão grande que eve garantir também a vitória do Brasil racional nos próximos embates.

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