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O Brasil se aproxima a cada dia de extirpar do cotidiano do brasileiro o tratamento inadequado aos cidadãos e cidadãs negras deste país
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Na biografia do poeta negro Cruz e Souza, o escritor e poeta paranaense, Paulo Leminski, diz que ele não teve a mesma sorte de Gilberto Gil: encontrar Exus nas esquinas da cidade. Ao contrário de Gil, Cruz e Souza nasceu na germanizada Província do Desterro, em Santa Catarina. No Brasil, não importa onde, norte ou sul, os traços da negritude se encontram mimetizados em nossas vidas. É preciso apenas ter olhos para ver.
Escritores, dançarinos, músicos, grafiteiros, acessam e transmutam em sua obra elementos da cultura negra, enriquecendo e valorizando a consciência negra brasileira, sentimento este não apenas de negros mas de todas as raças aqui presentes. Eu como negro, me orgulho do movimento que toma conta de ruas, praças e corações deste país, não apenas na data comemorativa da consciência negra mas no nosso dia a dia.
Me orgulho igualmente de ver o resultado de decisões políticas e anos de trabalho dos governos petistas, na tentativa de resgatar a dívida histórica existente desde os anos de escravidão, com o apoio à criação de leis de proteção à igualdade racial e contra o racismo, com a garantia por meio do sistema de cotas de maiores oportunidades de acesso à educação superior; ao funcionalismo público, entre outros bens.
Embora muito ainda haja por fazer, por parte dos poderes constituídos do Estado, e pela sociedade, nossa juventude pode hoje se orgulhar de visitar cidades como Salvador, por exemplo, e há mais de dez anos ver na Praça da Sé, um verdadeiro show de roda de break-dance com o dançarino negro Ananias. De percorrer a cidade e ver em paredes e muros as impressionantes pinturas de Lee 27, um dos principais grafiteiros voltados para a temática negra, com destaque para o candomblé, que encanta turistas e locais.
Em Brasília, um de nossos mais ilustres pintores, Milton Ribeiro, dono do mais rico acervo de registro histórico da fundação da cidade, tem uma belíssima série dedicada aos ritos africanos.
Neto de avó ex-escrava, cujo retrato é uma de suas mais belas obras, Milton Ribeiro, a quem deixo aqui minha homenagem, dedicou a maior parte de seus 90 anos a retratar o oprimido, o retirante, o sem teto, a prostituta, o miserável, em sua grande maioria, figuras representativas de brasileiros miscigenados sem dúvida a negros que pra cá vieram como escravos séculos atrás.
Nossa juventude hoje deve se orgulhar de poder estudar e nos livros de história ter como herói Zumbi dos Palmares. Com certeza, durante sua luta ele não imaginava que quatro séculos depois seu nome soaria ainda como símbolo maior da luta pelos direitos da raça e nomearia grande parte das instituições e ONGs que trabalham com a temática.
O Quilombo dos Palmares, do qual Zumbi foi um dos mais bravos lideres, ficava na Serra da Barriga, hoje estado de Alagoas e é considerado o maior quilombo territorial e temporal do Brasil, tendo durado cerca de 100 anos.
Funcionando como um Estado dentro de outro Estado, em seu auge, chegou a abrigar de 25 mil a 30 mil negros, que fugiam do sistema escravagista e lá se refugiavam, viviam e trabalhavam. A área era de difícil acesso, mas o solo era rico e produtivo.
Há 320 anos, no dia 20 de novembro, Zumbi dos Palmares era assassinado pelas tropas coloniais brasileiras. A representação do dia ganhou força a partir de 1978, quando surgiu o Movimento Negro Unificado no País, transformando-o em data nacional.
A pergunta que todos nós nos fazemos é: como a comunidade dos quilombos conseguiu resistir por quase um século contra o exército brasileiro, que utilizou canhões pela primeira vez em tentativas de destruir o quilombo?
O quilombo possuía um corpo bélico, com armas adquiridas por meio de trocas com fazendeiros do entorno, pela comida que produziam. Contava com uma rede de informação, onde negros ainda na condição de escravos avisavam ao quilombo antes das tropas chegarem ao local. A prática de guerra adotada era a guerrilha, quando o atacado recua antes do inimigo chegar, deixando o local vazio.
Com o passar do tempo, Palmares se transformou em uma espécie de confederação, que abrigava os vários quilombos que existiam naquela localidade. Seu crescimento ocorreu principalmente entre as décadas de 1630 e 1650, quando a invasão holandesa prejudicou o controle sobre a população escrava.
A prosperidade e a capacidade de organização desse imenso quilombo representavam uma séria ameaça para a ordem escravocrata vigente.
Esta é uma imagem forte. Grotesca. Inesquecível. A luta de Zumbi de Palmares é atualmente reverenciada pelas lideranças do movimento negro brasileiro como símbolo de resistência contra o status quo da época. Essa luta continua e é nossa hoje avançando pela igualdade de direitos e oportunidades e pelo fortalecimento e do movimento negro no Brasil.
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