Violência na escola, o recorte midiático
A agressão sofrida pela professora foge a qualquer tipo de medida de segurança, o adolescente tem histórico de violência, já foi punido pelo estado, tem passagem; mas não lhe podiam negar o direito à escola
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depois de me lambuzar com um picolé de graviola, deite-me na areia da praia de Atalaia - sem canga porque não sou de frescuras - deixando o sol me fustigar à vontade.
uma jornalista conhecida passou, perguntou se podia se sentar, sentou-se, abriu o guarda-sol que trazia a tiracolo, sacou um celular, ligou o dispositivo de gravação de voz e me fez uma breve entrevista.
queria saber a minha opinião sobre o caso do garoto que espancou a professora em uma escola em Aracaju, provocando-lhe traumatismos físicos e traumas psicológicos.
lembro de ter visto a professora na TV, com a cabeça enfaixada, o rosto inchado e desfigurado, dizendo ter recebido golpes de caneta no pescoço.
quase morreu, um horror.
o problema da jornalista foi o exórdio. ela começou perguntando por que o estado não fez nada para defender essa professora.
com mil diabos, eu respondi, aonde a senhora quer chegar com isso?
pelo que vi na TV, o agressor atacou a professora dentro da direção da escola, no ato em que seria advertido por ter soltado uma bombinha de São João dentro do banheiro.
a senhorita queria que o governador, o secretário de segurança, o secretário de educação, os pais do menino, o bedel da escola e todo aparato de segurança possível estivesse de prontidão na sala da direção, prontos para agir, esperando apenas que o jovem agressor levantasse a mão?
sei que você é uma moça religiosa. deve estar contaminada por aquela pegadinha de Deus com Abraão, quando o Senhor pediu para o pai matar o filho.
Um anjo, esse é o ponto, apareceu do nada e segurou a mão do assassino no ato do golpe fatal.
o menino ficou vivo e essa história não morre nunca.
mas estamos na vida real, senhorita. aqui, neste mundo, cobras não falam.
sentei-me em posição de lótus e fiz a ela um relato pessoal.
o sol me fustigando, ela à sombra.
quando eu entrei para a escola, querida, havia em todas as escolas públicas de Brasília um alambrado de pouco mais de metro e meio de altura, apenas para delimitar a área.
já na quinta série, as escolas passaram a ter muros de alvenaria e porteiros, para impedir que não-alunos entrassem na escola.
na sétima série, os muros receberam cacos de vidro ou arames farpados, e já tentavam proibir, também, que os alunos saíssem da escola.
de forma bisonha e atabalhoada, tentavam coibir a evasão e a invasão escolar ao mesmo tempo.
e nessa de vigiar e punir, a escola deixou de ser um ambiente agradável para educar. é quase uma prisão.
a sociedade ficou muito violenta do lado de fora dos muros.
e os alunos, veja que coisa, vivem do lado de fora dos muros escolares, só entram para ter aulas.
então, mesmo com muros e porteiros, a violência entrou. porque ela está dentro dos indivíduos.
por isso, as escolas agora estão a adotar novos critérios de segurança, que são a conversa com pais, professores e alunos sobre o tipo de escola e sociedade que queremos.
a agressão sofrida pela professora foge a qualquer tipo de medida de segurança, o adolescente tem histórico de violência, já foi punido pelo estado, tem passagem; mas não lhe podiam negar o direito à escola.
ele agiu impulsivamente e com brutalidade, o que deixou a agredida atônita e sem condição de defesa.
vi na mesma matéria da TV que a secretaria de educação do estado ofereceu tratamento psicológico para a educadora e tomou todas as medidas para que ela tivesse um bom tratamento de saúde.
o que mais se podia fazer?
quando Deus mandou um anjo segurar a mão de Abraão, com o cutelo já no pescoço do menino Isaque, Ele sabia o que Abraão iria fazer, nem Deus, pego de surpresa, teria tempo de agir.
a violência, que teve como consequência a brutal agressão à professora, tem como causa a rua. veio de fora do muro, talvez de dentro de casa.
educar é um processo compartilhado.
a escola que a gente imagina hoje, é a escola da minha infância, sem muros.
mas a escola de hoje tem uma outra realidade.
no entanto, o professor só tem formação para educar, e é bom que se saiba, vigiar e punir não é um papel da escola.
e oh, minha adorável repórter - fui gentil porque ela estava a trabalhar em um sábado de sol - falando em encontrar facilmente um culpado, tenho uma boa ideia pra você: por quê não culpamos São João.
é para o santo que se fazem festas e se vendem bombinhas.
se não estivéssemos nos festejos juninos, o menino não teria onde comprar uma bomba para soltar no banheiro da escola.
disse isso e mais não disse, nem ela me perguntou.
o sol continuou a me bronzear, deitei de braços e pernas abertas a imitar uma estrela, como o louco visto por Simão Bacamarte.
ela pôs um sombrero na cabeça e saiu pela praia de calça jeans e tênis.
no outro dia abri o jornal e a entrevista não foi publicada.
suspeitei desde o princípio, como diria o mestre gafanhoto.
não queriam ouvir o que eu tinha a dizer, queriam que eu dissesse o que eles queriam ouvir.
palavra da salvação.
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