Vidas importam
Vidas, efetivamente, importam. Cansados do elogio à morte, por elas, e só por elas, abriremos caminho no meio das nuvens cinzentas e retomaremos o controle do nosso destino.
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Hegel diz que os períodos brancos não são relevantes, porque não contêm os elementos de transformação que mudam o mundo. Os relevantes são os sombrios, os que acentuam as tensões e desenvolvem os instrumentos que modificam o meio ambiente. Faltou mencionar os instantes cinzas, quando não nos mostramos nem de um jeito, nem de outro. Cinza foi a cor que, com certeza predominou no Brasil, desde o impeachment de Dilma Rousseff. Sobre o mesmo se pretendeu evitar as designações verdadeiras e se optou pelo eufemismo da decisão parlamentar, como se houvesse realmente motivos de impedi-la e lhe tirar o cargo. Sucedeu-se depois uma sucessão de erros que nos tiraram o fôlego e a vontade de reagir. A epidemia da Convid-19 nos começou a matar, com a impotência do poder público e o negacionismo que dominou os discursos oficiais, contaminados pela inércia e pela incompetência. A imagem de Manaus e dos enfermos morrendo sufocados por falta de oxigênio, gravou-se para sempre em nossa memória. A nuvem cinza, quase negra, nos cobriu da cabeça aos pés e roubou nossas esperanças. Por sorte, como tudo que tem início tem fim, uma luz se acendeu em nosso triste intervalo histórico.
A anulação dos processos de Curitiba e o discurso do ex-Presidente Luíz Inácio Lula da Silva à nação pintaram o horizonte de possibilidades. O Brasil escutou, o mundo se abriu para as suas considerações e começamos a imaginar que, finalmente, algo de humano se registrava diante dos nossos olhos perplexos. Em vez de palavrões, tínhamos ideias. Em vez de gritos agressivos, recebidos com aplausos aduladores pelos próximos, ficamos com a respiração suspensa, lembrando (o que não fazíamos há muito) que educação, inteligência e elegância podem participar da política. O contraste entre uma coisa e outra, o ex e o atual, parecia tão grande que, como saíssemos de uma viagem ao passado, voltamos a desejar o presente. Acrescente-se o fato de que os princípios do humanismo (a verdadeira razão de ser dos embates históricos e políticos) retornavam ao palco da nossa cena, frisando que a morte não nos deve dominar completamente pela epidemia ou por aqueles que a organizam e dão a impressão de tirar energia de seus efeitos. Os fascistas espanhóis gritavam o “viva a morte” e nossos imitadores gritam “vivam as armas” ou “matem os inimigos”, como se não passássemos de objetos de caça, desprovidos de corações que palpitam.
No discurso do ex-Presidente, a bandeira do humanismo trepidava, à luz da brisa ligeira de expressões esperançosas. Não admira que, por um lapso de tempo, haja paralisado, no Palácio do Planalto, os que o escutavam e que perderam, de repente, o sentido de rumo. Já não sabiam o que fazer, se defender a vacinação em massa ou conservar a velha e gasta retórica da “gripezinha” e da rejeição às medidas de controle social e às máscaras de proteção, habitual entre seus seguidores, os truculentos soldados bolsonaristas.
Vidas, efetivamente, importam. Cansados do elogio à morte, por elas, e só por elas, abriremos caminho no meio das nuvens cinzentas e retomaremos o controle do nosso destino. E imaginar que nos queriam párias, o que, efetivamente, nos tornamos no contexto entre nações!
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