Vicissitudes da indústria nacional em petróleo e gás

O pré-sal é o nosso Mar do Norte. O seu desenvolvimento deve alavancar todo um sistema produtivo articulado: a Petrobras, especialmente no pré-sal; outras petroleiras brasileiras, em campos tornados secundários para a estatal, frente à magnitude do pré-sal; e a indústria para-petroleira, a partir do nível médio em que já se encontra

plataforma petroleo
plataforma petroleo (Foto: Haroldo Lima)


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Foi rica em lições a audiência pública realizada pela ANP, em 18 de abril passado, sobre o pedido da Petrobras de não cumprimento do conteúdo local na Unidade Estacionária de Produção (UEP) de Libra.

Dois polos se confrontaram. De um lado, a Petrobras e o Instituto Brasileiro do Petróleo, sustentando o pleito da primeira, de waiver na UEP, ou seja, de autorização para não cumprir nessa plataforma os índices de conteúdo local; de outro lado, centenas de participantes de federações de indústrias, de associações e sindicatos patronais, de trabalhadores e de técnicos, além de entidades como a de máquinas e equipamentos (Abimaq); a da área naval (Sinaval); a de tubos (Abitam); a do setor elétrico e eletrônico (Abnee); a dos consultores de engenharia (ABCE); e diversos estaleiros, todos defendendo um espaço mínimo para a indústria nacional e o respeito ao contrato firmado .

Os que queriam o waiver argumentavam que a compra de produtos locais ficava inviabilizada por causa de preços e prazos excessivos, por incapacidade dos estaleiros para demandas avantajadas e por dificuldades da indústria decorrentes da Lava Jato. Contudo, o dado decisivo era o de que o preço da plataforma aumentava 40%, caso fosse cumprida a cláusula de conteúdo local.

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Esses argumentos foram contestados nas exposições feitas, desafiando-se a Petrobras a comprovar, com números, a informação do aumento de 40% no preço do produto por causa do conteúdo local, números que não foram apresentados.

Curiosa a situação criada. A Petrobras, símbolo do sentimento nacional e exemplo de realização da empresa brasileira estava contra o conteúdo local em questão, enquanto empresas aqui radicadas, mas de origem estrangeira, como a Techint (italo-argentina) e a SBM (holandesa), defendiam o espaço nacional.

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Isto nos leva a uma digressão teórica, recolhendo ensinamentos de um dos mais lúcidos e criativos estudiosos do Brasil, o economista maranhense Ignácio Rangel, que no artigo "A conceituação de empresa nacional", publicado em 1988 pela imprensa nacional, nos explica que o caráter nacional de uma empresa não é definido pela "cidadania dos seus proprietários", mas sim verificando-se se em que "medida a empresa integra a economia nacional, por trás e para diante, isto é, através dos seus insumos e dos seus produtos".

Com sua admirável acuidade, das mais fecundas do Brasil, Ignácio Rangel observa que "é essencialmente a moeda que marca os limites da economia nacional", por isso que, "em primeiro lugar, trata-se de saber em que moeda a empresa incorre em seus custos e aufere sua receita", terminando por asseverar que "pode haver, assim, empresas pertencentes a brasileiros que não sejam empresas nacionais; e empresas pertencentes a estrangeiros que de tal modo se integrem em nosso universo econômico nacional que não se justifique trata-las senão como empresas nacionais". E Ignácio Rangel era marxista.

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Na audiência referida, viu-se isto: algumas empresas, de capital originalmente estrangeiro, batalhando pelo conteúdo local, para favorecer a indústria nacional; e a nossa Petrobras, no contexto da nova política em vigor, liderando a corrente contrária.

Os técnicos da ANP deverão fazer agora as planilhas do que foi discutido e caberá à diretoria colegiada tomar as decisões pertinentes.

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O rumo da audiência dá uma indicação do que poderá prevalecer. Ademais, a hipótese da aprovação do waiver de 100% poderia truncar o mercado de petróleo e gás brasileiro, às vésperas de licitações de blocos exploratórios. Os investidores têm enorme suspicácia de insegurança regulatória, e não há nada que mostre tanta insegurança quanto a anulação de itens de um contrato em vigor.

No leilão de Libra, não houvesse a cláusula em questão, é de se supor que outros consórcios poderiam ter comparecido. E ante a alternativa de um insucesso, os eventuais prejudicados já falavam na audiência em "chuva de processos judiciais", que transformaria em certeza, o receio do atraso na construção do navio-plataforma. Manter a cláusula e acordar uma forma adequada de cumpri-la, parece ser a saída, à altura do conceito de segurança regulatória que o país desfruta.

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Mas as dificuldades na aplicação do conteúdo local não são de agora. Em 2014, a Petrobras foi responsável por 42% das multas por não cumprí-lo. Dificilmente pode-se desenvolver um setor chave da economia, constrangendo permanentemente as grandes empresas da área, as petroleiras. Há que se encontrar um meio de integrá-las no empreendimento.

Países como Noruega, China e Reino Unido conseguiram vitórias fenomenais na criação de uma indústria para-petroleira nacional. Nesse ramo, a Noruega tinha uma indústria insignificante até 1969, quando foi descoberto o petróleo do Mar do Norte. A China tampouco tinha algo expressivo até há poucas décadas atrás. O Reino Unido era quem já tinha uma base industrial maior, mas que se desenvolveu muito.

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Todos esses países sustentam políticas de conteúdo local, mas formuladas de forma diferente da nossa. Ao invés de estabelecerem metas a serem atingidas e punirem quem não as cumprem, preferem premiar quem cobre metas de conteúdo local, com desonerações e outras vantagens, ou multando, mas premiando articuladamente. Seus governos investem em mão de obra, universidades e pesquisas e protegem a indústria local que quer desenvolver, cuidando para que os incentivos não sejam excessivos nem permanentes, o que termina emulando as empresas em busca da competitividade, afinal atingida.

O pré-sal é o nosso Mar do Norte. O seu desenvolvimento deve alavancar todo um sistema produtivo articulado: a Petrobras, especialmente no pré-sal; outras petroleiras brasileiras, em campos tornados secundários para a estatal, frente à magnitude do pré-sal; e a indústria para-petroleira, a partir do nível médio em que já se encontra.

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As cláusulas de conteúdo local firmadas em contrato em vigor, devem ser cumpridas, ainda que com flexibilidade. Mas temos que alterá-las, modernizando-as e dando-lhes mais eficiência.

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