Versão sobre isolamento mundial da Rússia não tem base real
Washington e Bruxelas difundem a versão com o propósito de reforçar estereótipos russofóbicos e ao mesmo tempo tentar resgatar uma condição hegemônica perdida
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Por Jeferson Miola
A versão sobre o isolamento mundial da Rússia não encontra amparo na realidade.
Washington e Bruxelas difundem esta versão com os propósitos de [i] reforçarem estereótipos russofóbicos para, ao mesmo tempo, [ii] tentarem resgatar uma condição hegemônica perdida, que está em franca decomposição; e [iii] se autoproclamarem como farol não só da civilização ocidental, mas de toda a humanidade.
A propaganda desse incomprovável isolamento serve, fundamentalmente, de substrato para a difusão, pelos governos ocidentais e pela mídia hegemônica, de preconceitos sobre a Rússia como pária internacional, como vilão maligno e como ameaça à civilização humana.
A realidade, entretanto, é muito diferente dessa propaganda imperial e euro-centrada.
O professor José Luís Fiori, o mais original estudioso brasileiro e um dos principais do mundo sobre geopolítica e o sistema mundial de poder, contesta esta hipótese.
Por ocasião de palestra no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas do RS da Fundação Perseu Abramo [vídeo], Fiori lembrou que a posição defendida pelos EUA na ONU não foi acompanhada pela quase totalidade dos países dos continentes africano e asiático e, também, por tradicionais aliados estadunidenses, como Israel, Emirados Árabes e Arábia Saudita. No hemisfério americano, a situação também não é diferente.
Nessa mesma linha de abordagem, Edward Luce, editor e principal comentarista e colunista do Financial Times [FT] nos EUA, baseado em Washington, avalia que “o Ocidente está confundindo sua própria unidade com um consenso global”, e que “a América corre o risco de se deixar seduzir por sua própria mensagem de relações públicas”.
Para Luce, “um sinal de perigo é a tendência habitual do Ocidente de reivindicar liderança moral. Isso cria três problemas. Em primeiro lugar, é hipocrisia. […] Um segundo ponto a levar em conta é que o Ocidente é imprudente quando supõe que seus valores são universais. […] O terceiro ponto é que boa parte do mundo rejeita sanções ocidentais”.
No artigo publicado pela Folha de São Paulo [26/3] – “Ocidente se precipita ao achar que mundo todo está do seu lado na guerra da Ucrânia” – Luce alerta que um critério enganoso para avaliar essa unidade é a ONU. Na última contagem feita pela organização neste mês, 141 dos 193 países-membros condenaram a violação flagrante da lei internacional cometida por Vladimir Putin.
Mas os 35 países que se abstiveram respondem por quase metade da população mundial. Incluem China, Índia, Vietnã, Iraque e África do Sul. Se somarmos esses países à lista dos que votaram a favor da Rússia, o resultado é mais de metade da população do mundo.
O editor e colunista do FT lembra, ainda, que “Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos se negaram a atender aos telefonemas de Joe Biden neste mês quando ele queria que aumentassem sua produção de petróleo – uma desfeita rara a um presidente dos Estados Unidos”.
Convergindo com a análise de Fiori, Luce recorda que “na semana passada, os Emirados receberam em visita oficial Bashar Al-Assad […]. Mesmo Israel, que pode ser considerado o aliado mais estreito dos EUA, está adotando uma posição neutra, aberta a todas as possibilidades” – ou seja, de olho na nova ordem mundial que está em gestação.
Luce entende que “o que a Rússia está fazendo à Ucrânia é uma barbárie”. Mas, dispensando a hipocrisia moralista difundida por pacifistas – ou antibelicistas – de ocasião, ele reconhece que “barbárie é algo que não falta no mundo. Muitas pessoas no mundo muçulmano, em especial, acham que os EUA adotam dois pesos e duas medidas. Milhares de civis morreram no Iraque e no Afeganistão, abatidos por munições americanas”.
Há, ainda, uma dimensão não plenamente avaliada, sobre o efeito-rebote que as sanções à Rússia, principalmente as econômicas, poderão ocasionar a todas economias do planeta, mas em especial à Europa, principalmente à Alemanha, pela dependência energética, e aos EUA, com o dólar perdendovalor e, em consequência, poder.
Esta dimensão econômica do problema, que decorre das próprias retaliações impostas pelos EUA e pela OTAN à Rússia, longe de produzir o isolamento e a asfixia da Rússia, acelera o processo de intercâmbios comerciais com meios de troca alternativos ao até então ainda domínante dólar.
A possibilidade de a Rússia efetivamente ficar isolada seria em caso de derrota na Ucrânia, o que não parece realista acontecer. Nesta hipótese, Vladimir Putin seria escorraçado do poder. Na realidade concreta, contudo, não é o que se vislumbra no horizonte.
A ideia de isolamento da Rússia não passa, portanto, de desejo e propaganda ocidental com a finalidade já mencionada no início deste artigo. De acordo com as evidências concretas do presente contexto, não passa de um desejo que não tem nenhuma base real para se tornar realidade.
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