Vamos falar um pouco sobre corrupção?

aecio neves
michel temer
aecio neves michel temer (Foto: Carlos D'Incao)


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O grande mote da crise institucional que estamos vivendo no Brasil gira em torno da questão da corrupção. E corrupção é entendida, pelo senso comum, como descumprimento de uma ou mais leis. Mas... e quando se trata de casos onde a corrupção é sistemática?

Em sua obra "Marxismo sem utopia" o falecido historiador Jacob Gorender relata com grande acuidade o fato de que a corrupção existe como fenômeno endêmico em qualquer país onde reina as leis do capital.

Muito embora Gorender restrinja sua análise à mera constatação desse fato, vale a pena, nesse momento, realizarmos uma reflexão sobre a estrutura de funcionamento desse fenômeno.

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Assim, não entenderemos, nessa análise, a corrupção como um "incidente casual", mas como um elemento integrante a um determinado sistema econômico historicamente determinado.

Corrupção ao longo da História sempre existiu. Mas não podemos, por essa razão, naturalizar esse fenômeno. Ao contrário, devemos historicizá-lo. Afinal, muitas coisas que existiram no passado (como o casamento, o lucro, uma determinada forma de governo) ainda podem existir nos dias atuais, mas com significados muito diferentes.

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O mesmo ocorre com a corrupção no universo do sistema em que vivemos, como veremos.

Uma das principais leis que qualquer pessoa leiga reconhece dentro do sistema capitalista é a Lei da Concorrência. Não será necessário aqui fazer uma grande explanação de sua função geral dentro da lógica do capital. Podemos emprestar aqui o seu sentido mais simples e figurativo.

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Suponhamos que várias empresas concorram na venda de uma mesma mercadoria ou serviço. Vencerá a concorrência aquela que obter o maior espaço de mercado e conseguir obter a maior rentabilidade.

Suponhamos que essas empresas concorram dentro de diversos limites estabelecidos por uma extensa legislação: o código comercial, leis trabalhistas, leis ambientais, leis do consumidor, etc.

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Caso essas empresas obedeçam com rigor a legislação existente e ofereça a mercadoria ou serviço com qualidades semelhantes, teríamos uma tendência de estagnação de todas essas empresas no que diz respeito ao alcance da fatia de mercado e de suas respectivas rentabilidades.

Nesse momento, segundo a Lei da Concorrência, as empresas deveriam iniciar uma luta por novos mercados (ou para ampliar os já existentes) e uma luta para aumentar os meios de ampliação de suas rentabilidades através do aumento da exploração sobre a força de trabalho.

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Ambos os caminhos, porém, levam todas as empresas sempre a um mesmo beco sem saída: os mercados chegam sempre a um limite de esgotamento (são as crises cíclicas de demanda) e a exploração da força de trabalho chega sempre a um limite quando os salários se tornam insuficientes para que o trabalhador consiga reproduzir sua existência orgânica (comer, dormir e voltar a trabalhar).

A Lei da Concorrência então conduzirá as empresas, nesse momento, a abrirem dois tipos de guerra: a guerra frontal entre elas (em uma espécie de vale-tudo contra o concorrente) e uma guerra contra a legislação existente para obter vantagens na concorrência em si. Em suma, a Lei da Concorrência leva tendencialmente todas as empresas a adentrarem no mundo da corrupção.

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A empresa que conseguir burlar de forma mais eficiente a legislação, sem punição da justiça ou com menos punições, vencerá a concorrência.

E isso envolve o desenvolvimento, por parte dessas empresas, de todo um aparato jurídico e contábil para enfrentarem a concorrência no universo da ilegalidade. E esse mundo envolve sonegação, manipulação das leis, judicialização de todo tipo de taxa, descumprimento de leis trabalhistas, o pagamento de uma infinidade de propinas para fiscais, políticos, imprensa, juizes, procuradores, policiais, etc.

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No fim, as empresas "vencedoras" não serão necessariamente as que vendem as melhores mercadorias ou oferecem os melhores serviços, como sonha o ingênuo liberal. Mas serão aquelas que venceram os processos de concorrência, onde a qualidade das mercadorias e dos serviços é apenas um pequeno detalhe de um sistema extremamente complexo e que inclui - necessariamente - a corrupção.

Mas se a corrupção fosse geral e ocorresse em todos os lugares, as empresas teriam um enorme problema contábil e afastariam a captação de investidores, pois seria muito difícil analisá-las financeiramente.

Nesse caso, em uma sociedade onde existe a circulação global de mercadorias, as empresas devem possuir um "território da transparência" onde a corrupção pelo menos não exista de forma sistemática. Para isso servem os países do primeiro mundo, onde as grandes empresas remetem seus lucros.

E dinheiro não tem cheiro... Se a Nestlé polui rios e usa trabalho escravo no terceiro mundo... não tem problemas... Ela conseguiu atuar dessa forma driblando a legislação desses países? Sim. Então - a rigor - não fez nada de ilegal. Os lucros serão remetidos para a Suíça e seus acionistas poderão dormir com a "consciência tranquila" de que nada fizeram de errado... Ao contrário, apostaram na empresa mais "competente" e que venceu todas as "concorrências".

Agora suponhamos que esse sistema econômico continue a se desenvolver de forma contínua por anos a fio em todo o planeta. Em determinado momento o que teremos é uma mudança do significado do que são as leis no interior desse sistema. Elas deixarão de ser uma referência para "o que é o correto" e se tornarão em uma referência para a "precificação da corrupção dentro das Leis da Concorrência".

As empresas não vão se informar quais são as leis para simplesmente segui-las. Vão se informar sobre as leis para saber o valor de seu cumprimento e o valor de seu corrompimento, seguindo a lógica de uma lei maior: a Lei da Concorrência. Logo, na Lei da Concorrência a corrupção é absolutamente legal.

Assim é o sistema. Assim é a sua Lei. Não gostou? Mude de sistema... Pois enquanto existir capitalismo haverá a Lei da Concorrência e nessa Lei a corrupção é um elemento que existe e faz parte de seu sistema.

Um outro sistema não capitalista eliminaria a corrupção? Sim e não. Sim, porque eliminaria a corrupção "sistêmica" que faz parte da Lei da Concorrência. E não, porque a transgressão de leis é algo que está posto como possibilidade individual em qualquer sociedade humana...

O correto é nos perguntarmos qual é custo de viver em um mundo onde a corrupção é sistêmica. E isso não apenas do ponto de vista financeiro, mas também sob o ponto de vista humanitário, ecológico, etc.

Por fim, falar de corrupção sem considerar os aspectos aqui abordados é no mínimo falar sob uma ótica ingênua e, por vezes, oportunista...

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