Vácuo de poder e comitê de salvação

"O Congresso não pode continuar omitindo-se quanto à instalação da CPI da Saúde para investigar os crimes de Bolsonaro e do Ministério da Saúde no enfrentamento da pandemia. Omitir-se significa associar-se a esses crimes", diz o professor Aldo Fornazieri

(Foto: Divulgação)


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O Brasil não tem governo e mal tem oposição. Não existe nenhum sistema de governança e de coordenação nacional para enfrentar a tragédia da pandemia. Há sim esforços hercúleos de governadores e prefeitos, mas com características fragmentárias, contraditórias e divergentes. O Brasil se assemelha a uma nau desgovernada em meio à tormenta noturna à beira do abismo. É um país sem direção, sem comando, sem rumo e sem sentido. 

O povo, abandonado, refugia-se no seu próprio medo. Sem líderes, mergulha na anomia, uns indo para um lado, outros para outro e terceiros, cada um para si, indiferentes com os outros, com a dor, com a tragédia e com a morte. Milhões, sem renda, passam fome. Ouros milhões, com baixa renda, não conseguem mais subsistir com o que ganham. São poucos os ricos e privilegiados que conseguem viver no conforto. A pandemia massacra preponderantemente os pobres. Sem poder lutar e combater eles morrem sem assistência ou com precária assistência médico-hospitalar. 

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Bolsonaro perdeu toda a legitimidade ao orientar as ações do seu desgoverno para disseminar o vírus e semear a morte. Não é um presidente: é um arruaceiro político, um agitador, um semeador da desordem, do ódio, do estigma e da discórdia. Não preside o Brasil. Preside uma facção terrorista de morte aqueles que ela considera seus inimigos. Traiu o povo o Brasil. Enfraquecido e isolado, profere ameaças de golpe e reivindica um poder que não é capaz de exercer. É um discurso típico de quem não consegue governar e de quem se sente sem autoridade. É um governo vazio, sem conteúdo, sem propostas, sem programa e sem propósito. Nada mais!

O fracasso é evidente em todas as áreas governamentais. Só conseguiu êxito em impulsionar a compra de armas pelas milícias, em acabar com o horário de verão, em proteger os atos de corrupção da família e em viabilizar a política de morte do povo. O resto é a destruição das instituições democráticas, dos meios de controle, fiscalização e investigação. São os arroubos autoritários e golpistas, a provocação e a arruaça. É a aposta na crise e no conflito como ambiente para tentar um golpe que não conseguirá dar. Os militares sabem que um golpe nestas circunstâncias representaria um cruento banho de sangue, porque a sociedade, majoritariamente, resistirá.

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Os governadores, em que pese seus esforços, estão se omitindo em salvar o Brasil. As suas articulações são frágeis e produzem poucos impactos em termos de uma saída unitária nacional. Deveriam ter constituído, e ainda podem constituir, um Comitê de Salvação Nacional. Esta é uma reivindicação de muitos cientistas e pessoas responsáveis, a exemplo de Miguel Nicolelis. 

A estrutura federativa e de subdivisões regionais para formar este Comitê já está dada. Bastaria definir uma comissão executiva ou de coordenação nacional, por exemplo, a partir da seguinte representação: Um governador representando cada uma das cinco regiões do Brasil escolhido pelos seus pares e um prefeito de capital também das cinco regiões, igualmente escolhido pelos seus pares. O Comitê poderia agregar também representantes do Congresso Nacional. Esta comição executiva constituída por dez pessoas poderia tomar as decisões consultando os demais colegas, consultando e se acomonselhando com especialistas na área da Saúde, imprimindo uma política unitária nacional de enfrentamento da pandemia. 

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Nos estados, poderiam ser articulados os arranjos e consórcios regionais de municípios para buscar uma maior unidade e eficácia das medidas. Mas preferiu-se a omissão, a desarticulação, a falta de senso de urgência, a falta de percepção da gigantesca tragédia que domina o Brasil e abate o povo. Assim, o Brasil não governa o combate ao vírus. É governado pelo vírus e pela tragédia pandêmica. 

Este vácuo de poder, por um lado, é perigoso para a democracia. Por outro lado, revela o fracasso das lideranças políticas nacionais, dos governadores, dos prefeitos, dos partidos, dos parlamentares e do Congresso Nacional. Não existem lideranças catalizadoras, unificadoras, virtuosas, heroicas. Existem líderes burocráticos, acovardados, temerosos, incapazes de realizar as tarefas e ações extraordinárias que a devastadora tragédia está a cobrar. A história não os perdoará e também não nos perdoará enquanto sociedade, pois não estamos conseguindo produzir uma alternativa competente e salvadora. 

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A imensa repercussão do pronunciamento de Lula após ver-se livre das amarras jurídicas evidencia a fragilidade das atuais lideranças que governam as instituições, ocupam representações parlamentares ou dirigem partidos políticos. É bem verdade que está emergindo um novo tipo de líderes mais combativos, a exemplo de Boulos e de jovens lideranças, principalmente negras e mulheres, que surgiram nas eleições municipais. Mas este processo ainda está em desenvolvimento e essas lideranças emergentes não ocupam postos de comando decisórios.

Assim, todas as esperanças se voltam para Lula. Mas Lula terá que perceber que é preciso dar uma resposta a este desventurado momento político antes de dar uma resposta em 2022. Esperar até lá poderá ser tarde em demasia, agravando a desgraça do povo. Lula, com sua liderança, com sua capacidade persuasiva, precisa impulsionar e articular uma saída que envolva as instituições – principalmente governadores, prefeitos, Congresso, partidos, comunidades científicas – visando impedir mortes, conter a pandemia e bloquear a sanha destrutiva de Bolsonaro. 

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Outra lição que é preciso extrair desse vácuo de poder, de desgoverno de Bolsonaro e do precário enfrentamento da pandemia, diz respeito à urgência de uma reforma do Sistema Federativo. O poder e os recursos precisam ser descentralizados. Os Estados e municípios, em uma série de políticas públicas, precisam ter mais autonomia e mais recursos para poder atender as demandas e necessidades da sociedade. O excessivo poder concentrado em Brasília produz dois ricos: a ineficiência e os abusos de presidentes autoritários e incompetentes. 

Por fim, o Congresso não pode continuar omitindo-se quanto à instalação da CPI da Saúde para investigar os crimes de Bolsonaro e do Ministério da Saúde no enfrentamento da pandemia. Omitir-se significa associar-se a esses crimes. A oposição precisa ter uma atitude mais contundente na exigência da instalação desta CPI. Não dá para continuar fazendo exigências protocolares, burocráticas, que também são uma forma de conivência. A oposição deveria, além de mobilizar e pressionar, declarar-se em obstrução permanente na Câmara e no Senado enquanto a CPI não for instalada. 

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A CPI é crucial não só visando a punição. Mas, como dizem os juristas, ela é decisiva para documentar a conduta criminosa dos governantes e, a partir disso, sanear institucionalmente o país para que, no futuro, governantes genocidas não possam impor tanto mal à população como o atual governo vem impondo. A CPI da Saúde é uma demanda da dignidade do país, não só tendo em vista o presente, mas também o futuro. As futuras gerações não precisam passar por aquilo que nós estamos passando. Não precisarão chorar centenas de milhares de mortes como nós estamos chorando por conta de condutas criminosas dos governantes. Mas para isto será preciso reformar as instituições para bloquear governantes genocidas.

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