Unicórnio

Seguem o Mito encarnado, desprezam evidências de que o país está sendo destroçado, acreditam na miragem da recuperação econômica, entorpecem-se com as mentiras que compartilham nas redes sociais

O problema principal não é o Whatsapp, mas o despreparo estratégico
O problema principal não é o Whatsapp, mas o despreparo estratégico


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As redes sociais da Direita estão em polvorosa. Muito para além dos robôs e dos mercenários contratados para disseminar mentiras no WhatsApp, por exemplo, existem milhares de grupos de gente ociosa que se obstina em compartilhar inverdades e vultuosas provocações de comportamentos odiosos. As mais frequentes nos últimos dias podem ser agrupadas em dois conjuntos temáticos. Os que difundem o ódio ao Papa, integrante de uma suposta articulação comunista internacional, e os que pinçam nos noticiários informações que comprovariam a deliberada conspiração dos meios de comunicação para prejudicar os Bolsonaros e a maneira de existir em sociedade que eles representam.

A eficiência destes grupos de WhatsApp em conformar um delirante senso-comum impressiona. Não se trata apenas de normalizar aberrações. Antes, configura-se um perverso mecanismo de construção social da realidade, de uma realidade que apenas os iniciados no bolsonarismo conseguem perceber. Isso explicaria, em parte, a impossibilidade de diálogo racional com eles.

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Presunçosos, seus aderentes desqualificam todas as tentativas de argumentação em sentido diverso, mesmo quando confrontados pelas evidências.

Há também os prepotentes, de dois tipos. Os que integram a Direita Concursada (dentro dela, os integrantes do aparato repressivo estatal) e os que trafegam no território dos amigos imaginários (nas igrejas e em templos de compartilhamento de espiritualidades) deduzindo do sagrado e de esoterismos diversos e suas forças normativas as certezas de que podem impor aos demais suas íntimas convicções de forma tirânica, imunes à crítica alheia. Em ambos grupos, diferentemente do que ocorre com os presunçosos, seus integrantes exercem algum tipo de poder sobre os demais, seja econômico, seja repressivo, seja religioso.

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Presunçosos e prepotentes, ausentes freios democráticos ou focinheiras institucionais a limitar-lhes, cedo se convencem de que são onipotentes quando encontram um líder a quem admiram e com quem se identificam.

E os onipotentes, naturalmente, tudo podem: desde afrontar a Constituição declarando a ilegalidade de greves até agredir diretamente profissionais de imprensa com insinuações de natureza sexual. A realidade mítica em que vivem valida condutas presunçosas, prepotentes e onipotentes que visam, antes de tudo, destruir quem resista ao delírio coletivo em que se inserem.

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Seguem o Mito encarnado, desprezam evidências de que o país está sendo destroçado, acreditam na miragem da recuperação econômica, entorpecem-se com as mentiras que compartilham nas redes sociais.

Resulta inútil tentar demonstrar a impossibilidade lógica da existência de amigos imaginários a quem os tem, assim como não adianta esfregar na cara dos bolsonaristas a realidade que eles, acometidos de cegueira córnea, não conseguem ver. Não querem, não precisam e não gostariam de enxergar, convictos em suas presunções, em suas prepotências e em suas inexistentes onipotências. A fé tem disso, integra a dimensão mítica, delirante, lisérgica, que, para quem acredita, deixa de ser mito para se configurar em realidade, tão ou mais real que aquela com a qual nos deparamos ao abrir uma janela ou ao caminhar pelas ruas. O unicórnio existe, qualquer de nós é capaz de descrevê-lo. Existe como mito, é real.

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A realidade inventada, construída socialmente por intermédio das redes sociais da Direita, unicórnica, compete com a realidade concreta, áspera, rude, material, histórica em que estamos todos, inclusive eles, imersos. O mito para os bolsonaristas é real e desejado, por identificação narcísica. O real, para nós, é incompatível com o mito e com as atitudes presunçosas, prepotentes e falsamente onipotentes, como a liminar que proíbe a greve dos petroleiros e os ameaça com sanções disciplinares, como a agressão injustificada a jornalistas que ousam investigar e descortinar a realidade concreta. Vivenciamos a impossibilidade - temporária por ser histórica - de diálogo e de conexão entre realidades paralelas.

Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, professor na UFPR.

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