Uma tarde no Hospital das Clínicas mostra a resistência da saúde pública

"O caminho para a salvação da saúde de brasileiros e brasileiras" passa pelo serviço público, diz Paulo Moreira Leite

(Foto: Divulgação/Governo de SP)


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Depois de quedas variadas e pequenos acidentes nas caminhadas e exercícios pelas ruas de São Paulo, os buracos nas calçadas da maior cidade brasileira me transformaram num cliente permanente de pronto-socorros e ambulatórios da capital paulistana.

Após ser atendido duas vezes em instituições privadas, sustentadas com as mensalidades escandalosas dos plano de saude, na última queda, ocorrida na última terça-feira, resolvi fazer um exercício de consciência e procurar atendimento no Hospital das Clínicas, glória histórica do serviço público paulista.

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O resultado dessa experiência, assunto dos parágrafos que seguem, confirmou aquilo que eu esperava. Após uma longa espera, de quase 12 horas, voltei para casa com aquilo que imaginava: fui atendido, examinado e medicado.

É obrigatório dizer que, deixando de lado alguns aspectos secundários no caso de uma emergência médica, não encontrei diferenças notáveis em relação aos atendimentos anteriores.

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O pronto socorro aonde fui atendido não tem uma lanchonete com refeições caras e sofisticadas. Quem pretende saciar a fome se vira com a oferta de alimentos empacotados em máquinas de moedinha.

As possibilidades de distração para passar o tempo -- a começar pela leitura de jornais e revistas -- são escassas e cada um se diverte como pode. Numa sala de espera, havia uma TV ligada permanentemente no SBT. Em outra, na TV Brasil. Não há controle remoto disponível -- e só quem se encontra muito próximo consegue ouvir o som.

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Registrei em meu celular uma parte de minha estadia. Atravessei o portão de entrada por volta das 11 da manhã. Após uma curta entrevista de identificação, onde expliquei o que estava fazendo ali, recebi uma senha para passar pela triagem, que encaminha os pacientes para a área devida, por ordem de chegada. Todo mundo recebe um número. Ganhei o 52.

No quadro, o atendimento se encontrava em 46. Cinco minutos depois, subira para o 49. Quando chegou ao 51, aconteceu uma cena típica de um pronto socorro. Deixei registrado: "uma moça gemia sem parar desde que chegou. Senha 70. Mas passou na frente de todo mundo. Saiu numa maca, minutos depois".

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Fui atendido por um primeiro médico às 12h26, enviado para um especialista as 12h46, e esperava novo exame às 13h45 -- o raio X, obrigatório quando o paciente bateu a cabeça no chão. Ainda no primeiro atendimento, tomei seis pontos no supercílio. Um serviço demorado, feito com capricho.

A tomografia demorou muito mais do que eu podia imaginar -- só seria feita quase quatro horas depois, às 19h28. Caminhando pela portaria, anotei o número da triagem até aquele momento, dado que dá uma ideia do colossal volume de atendimento: 10 103, contra os 52 da chegada.

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Impaciente com a perspectiva de demora, decidi ir embora por minha conta e risco. Caminhei até a portaria mas não pude seguir em frente. Quando disse que pretendia ir para casa, como se fosse a coisa mais natural do mundo, o porteiro respondeu que eu só poderia sair se apresentasse "um documento de alta. Sem isso, nem que você chame a polícia", acrescentou.

Fiz meia volta e não me foi difícil entender as razões para tanta rigidez. Depois de entrar numa instituição médica em busca de atendimento, eu não poderia ir embora sem autorização. Outro motivo também justifica essa postura.

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Num hospital que atende a uma massa de trabalhadores assalariados, que ali tem direito a um atendimento impensável para suas economias, essa rigidez tem outra serventia.

Protege os direitos de quem necessita de auxílio médico -- mas corre o risco de ser pressionado a retornar ao serviço antes da hora. Às 20h43, me chamaram para uma radiografia no ombro, outra sequela da queda.

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Na volta para sala de espera, sentei ao lado de uma roda de pacientes. Uma delas reclamou que foi à lanchonete do pronto socorro, mas não conseguiu comprar uma comida mais saborosa que os alimentos empacotados da caixa automática. "A lanchonete não vende comida para paciente. Tem que mostrar a pulseira", diz, referindo-se à identificação que separa acompanhantes e doentes, estes submetidos a restrições alimentares de toda ordem. "Ainda bem: a exploração é tão grande que uma coxinha custa dez reais!", rebateu uma das presentes, animando a conversa.

Eram 23h30 quando registrei no celular:  "A caminho de casa". Recebi alta e uma indicação de dipirona em caso de dor. E só. Não precisava de mais do que isso, disseram meus exames. Volto para casa com uma conclusão afirmada.

Penso nos rostos que vi, nos gestos, nas conversas que ouvi. Há muito para se fazer, sem dúvida. Mas o caminho para a saúde de brasileiras e brasileiros passa por ali, pela ampliação daquele mundo que me atendeu e me tratou -- cheguei com um filete de sangue jorrando pela cabeça, fui embora com um curativo bem feito.

Recém chegado aos 70 anos, está claro para mim que o caminho para a salvação da saúde de brasileiros e brasileiras passa por ali. As alternativas experimentadas nas últimas décadas, mesmo quando bem intencionadas fracassaram sem apelação.

Existem outros hospitais públicos de qualidade, na cidade de São Paulo, que os pacientes apreciam e defendem. O meu atendimento no pronto socorro do HC não mostrou apenas as falhas.

Mostrou que é por ali que passa a solução. Pode ser difícil mas não há outro caminho além da saúde pública.

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