Uma sugestão ao presidente Lula
Com a volta de Lula, o Brasil retoma não apenas seu espaço no cenário global, mas muito especialmente entre as comarcas dessa Nossa América
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A esta altura, creio que o que menos faz falta ao presidente Lula, no aluvião de pendências que desabam em cima dele a cada minuto de cada hora de cada dia, são sugestões.
Por que então invado esse turbilhão trazendo mais uma?
Lula sabe que ao longo desse tempo todo em que nos conhecemos jamais deixei de dizer a ele, quando consultado, o que sei e penso de determinado assunto. E se agora não houve consulta alguma, venho por dever de lealdade.
Eu me sinto na obrigação de trazer a ele o que penso e sei sobre a Nicarágua de Daniel Ortega e sua excelentíssima esposa, Rosario Murillo.
Com a volta de Lula, o Brasil retoma não apenas seu espaço no cenário global, mas muito especialmente entre as comarcas dessa Nossa América.
E é exatamente por isso que eu creio que ele e seu governo deveriam se manifestar, de maneira clara e contundente, sobre o que acontece na pequena e tão vilipendiada Nicarágua, um país que faz parte da minha mais cálida e profunda memória. Frequentei assiduamente os anos da Revolução Sandinista (1979-1990), participei da maneira que pude, e jamais deixei de acompanhar o que acontece por lá.
E o que acontece a partir de 2006 e principalmente depois de 2018 mostra que não tem fim a traição de Daniel Ortega a tudo aquilo pelo qual ele em priscas eras, e milhares de nicaraguenses depois, lutaram.
Se há décadas Daniel Ortega foi um combatente heroico pelo seu país, agora deveria se apresentar como Daniel Somoza, em menção à dinastia que devastou seu país desde o primeiro deles, o patriarca Anastasio Somoza, até a vitória da Revolução Sandinista, em 1979. Foram trinta e sete anos de somozismo, agora ressuscitados por Ortega.
Um rápido recorrido por suas últimas façanhas mostra que Ortega, sua senhora esposa e seu bando não matam aos milhares no estilo Pinochet ou Videla: preferem calar seus adversários em prisões de extrema crueldade, ou com humilhações insuperáveis, numa violência que na maioria das vezes é silenciosa e implacável.
Agora mesmo seu regime expulsou mais de 300 adversários, entre eles muitos antigos companheiros de batalha. Até quem comandou ações guerrilheiras que libertaram o próprio Daniel e seu irmão das masmorras somozistas foi despachado.
Os novos punidos – vale reiterar: mais de trezentos – tiveram não apenas todos os seus bens desapropriados: perderam até mesmo a nacionalidade.
Li a lista dos alcançados por essa medida cruel. Lá aparece o escritor Sérgio Ramírez, meu amigo há décadas. Foi a figura civil mais relevante da Revolução Sandinista, e integrou a Junta de Governo depois da vitória. Já estava exilado, agora perdeu a nacionalidade e, claro, tudo que deixou em Manágua: casa, livros, quadros, memórias de uma vida digna.
Entre os punidos estão figuras cuja atuação foi crucial para libertar o país das garras de Somoza, como o comandante guerrilheiro Victor Hugo Tinoco e a comandante Dora Maria Téllez, de trajetória heroica.
Também eles foram privados de tudo, exceto de algo que falta a Daniel Ortega e Rosario Murillo: dignidade, integridade.
Outro dos punidos, o bispo católico Rolando Álvarez, se negou a sair do país. Resultado: foi condenado a 26 anos de cadeia e levado para o Cárcere Modelo, conhecido como “El Infiernito”.
Daniel Ortega mandou fechar dezenove entidades empresariais. Já havia feito a mesma coisa com emissoras de radio, jornais, associações de direitos humanos, sindicatos, entidades estudantis, organizações não-governamentais, igrejas católicas, enfim, tudo que não preste a ele a devida vassalagem. Agora, rompeu com o setor privado. O que resta a ele?
Dora María Téllez, a heroica “Comandante Dois”, tem a definição perfeita para o que aconteceu na Nicarágua depois da derrota para a centro-direita, em 1990: o “Orteguismo” se instalou na Frente Sandinista como um parasita, e acabou devorando a derradeira e a mais bela Revolução dos nossos tempos.
É verdade que ao longo de anos e anos a Nicarágua sandinista padeceu a cruel violência e o boicote radical de Washington. Que os terroristas infiltrados, a maioria deles pagos pelos dólares que se opunham aos sandinistas, trataram de arrasar tudo que viam pela frente. E que exaustos de tanto horror e esperançosos de paz, em 1990 os nicaraguenses votaram na liberal Violeta Chamorro para presidente, derrotando Ortega.
O antigo comandante guerrilheiro voltou bem diferente à poltrona presidencial em 2006, quando o projeto da Revolução de 1979 já estava se esfacelando.
Tornou a se eleger três vezes. Na mais recente, cumpriu o sonho de Jair Messias: mandou prender os adversários que ameaçavam sua vitória. E ganhou, claro.
Sim, sim: hoje, ele bem que poderia se chamar Daniel Somoza.
É tão asqueroso e repulsivo como aqueles que ajudou a derrotar em 1979. E em total cumplicidade com a esposa Rosario Murillo, persiste nesse voo rumo à mais imunda maré de excremento que enconbrirá suas figuras para sempre.
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